Offshores e Amnistias Fiscais
Um consórcio de auto intitulados jornalistas sediados em várias partes do mundo, tem estado a explorar até à exaustão um dossier ao qual deu a designação de Panama Papers (Papéis do Panamá). Desengane-se o leitor se julga que a comunicação social que aqueles integram, visa o esclarecimento das causas reais que estão por detrás da implantação, não só no Panamá, mas pelo mundo inteiro, de offshores.
Ficam-se, como
seria de esperar, pelos efeitos. Que vão desde a fuga e branqueamento de capitais, à procura de melhores benefícios fiscais, até à protecção de bens e investimentos. Para se ter uma ideia de como
esses benefícios fiscais se verificam em Portugal, diremos que a lei prevê que,
no que diz respeito aos rendimentos de capitais decorrentes de uma conta offshore, estes devem ser tributados em
sede de IRS a uma taxa final de 21,5%.
Enquanto esses mesmos
capitais, se não tiverem saído do país, serão progressivamente tributados até
46,5%, para além de qualquer sobretaxa que, entretanto, possa ter sido imposta
(lembramos que durante o governo de Coelho e Portas essa sobretaxa chegou a ser
de 3,5%).
Claro está que, se
considerarmos as autênticas amnistias
fiscais que constituíram os diferentes programas RER (Regime Especial para
o Imposto sobre a Renda), compreenderemos porque é que – pagando uma multa que, em média, representa 1,5% dos
capitais em causa - compensará a muitos capitalistas fazer retornar ao país
alguns dos capitais que havia transviado para offshores, tendo como bónus adicional direito a uma autêntica
lavagem ao dinheiro assim retornado.
Para compreender o
contexto em que capitalistas de todo o mundo tentam proteger o seu capital em offshores espalhadas pelo mundo fora, é necessário compreender as noções que
Marx estabeleceu sobre mais valia e capital fixo e variável.
Nalgumas das mais
brilhantes páginas de O Capital, Marx
descreve como – em particular nas fases iniciais da revolução industrial – os capitalistas
procuram aumentar a jornada de trabalho o mais possível, forçando, inclusive,
crianças de 9 anos de idade a trabalhar três turnos nas terríveis condições das fundições de ferro da época. Magistral foi uma das teses que difundiu nessa
obra: O capital é trabalho morto que
apenas se reanima, tal como sucede com os vampiros, chupando o trabalho vivo e
vive quanto mais trabalho suga.
É simples! O
capital é uma acumulação de valor que actua para criar e acumular mais valor.
Bem antes da vitória da burguesia sobre a monarquia e o sistema feudal, e do
advento do capitalismo, homens ricos acumularam riqueza pela expropriação de
trabalho excedente de escravos e servos. Mas essa riqueza era usada para
consumo, sendo que eles podiam ter uma maior porção das necessidades e luxurias da vida. Essa riqueza não era capital,
embora venha de uma fonte comum - trabalho excedente.
O primeiro indício
de que uma acumulação de riqueza começou a agir como capital é a fórmula D-M-D1.
A fórmula denota uma transacção na qual dinheiro (D) é trocado por mercadorias
(M) as quais são então revendidas por uma soma maior de dinheiro (D1). No
início, tais transacções eram feitas por comerciantes que, por exemplo
importavam especiarias do Oriente e as revendiam no norte da Europa, onde a
procura de especiarias para preservar a carne, garantia preços mais elevados.
Mas o capital propriamente dito surge somente quando a mercadoria comprada e
vendida é a força de trabalho, pois esse trabalho assalariado é o que define as
relações de produção particulares do capitalismo.
Capital, portanto, é
definido por duas coisas: o que ele é e como actua. Ele é
uma acumulação de mais-valia produzida pelo trabalho, e essa acumulação pode
tomar a forma de dinheiro, mercadoria ou meios de produção - e usualmente uma
combinação dos três. Ele actua para assegurar acumulação posterior. Marx
descreveu tal fenómeno como sendo "a auto-expansão de valor".
Neste capítulo,
importante é reter o conceito de mais-valia
absoluta e mais-valia relativa
que levou Marx a distinguir duas formas de extorsão por parte do detentor do
capital e dos meios de produção da força de trabalho.
Segundo Marx, enquanto a mais-valia absoluta ocorre em função do aumento do ritmo de
trabalho, da supervisão sobre o processo de produção ou da chantagem sobre a manutenção do posto de
trabalho caso uma determinada meta não seja alcançada – ainda que, para tal, a
saúde, o bem-estar ou mesmo a vida do operário e do trabalhador fosse posta em
causa -, proporcionando ao empregador maiores excedentes de trabalho e, portanto, lucro;
A mais-valia relativa
decorre do avanço científico e do progresso tecnológico, que permitem ao
capitalista empregador aumentar a produção e aumentar a quantidade de
mercadoria produzida, sem que o operário e o trabalhador seja compensado.
Capital não se
identifica, necessariamente, com capitalistas individuais. No desenvolvimento
inicial do capitalismo, indivíduos ricos jogaram um papel importante, mas isso
está longe de ser o caso nos dias de hoje. De facto está na natureza do
capitalismo que o capital assuma vida própria, operando de acordo com uma
lógica económica que transcende quaisquer indivíduos. Unidades individuais de
capital, as quais são usualmente chamadas de capitais, podem ser desde uma pequena companhia a uma grande
corporação, de uma instituição financeira a um Estado-nação.
Para compreender a
natureza peculiar do processo de produção capitalista, Marx formulou uma série
de novos conceitos. Existem dois elementos principais em qualquer processo de
trabalho - força de trabalho e os meios de produção. Sob o modo de produção
capitalista ambos os elementos tomam a forma de capital.
O capitalista tem
que investir dinheiro para comprar tanto a força de trabalho quanto os meios de
produção antes de poder aumentar o seu investimento inicial. O dinheiro para
comprar a força de trabalho foi designado por Marx como Capital Variável, enquanto ao dinheiro investido para obter um
prédio, equipamentos, matérias-primas e outros meios de produção ele designou
por Capital Constante.
É por isso
que os operários e os trabalhadores em todo o mundo, e particularmente em
Portugal, sentem na pele e na carne, qual a manobra que está por detrás da
propalada reforma dos acordos de trabalho.
Sobretudo quando elas impõem redução de
salários (incluindo roubo de horas extraordinárias), aumento de horas da
jornada de trabalho, facilitação dos despedimentos, diminuição e roubo de
prestações e subsídios sociais ou, como cumulativamente aconteceu durante o
governo de traição nacional protagonizado por Coelho e Portas e tutelado pelo
ex-presidente da república Cavaco, imposição de um maior número de dias e horas
de trabalho – quer pela anulação de feriados, quer pela diminuição de dias de
descanso e de férias.
Ao utilizar as offshores, o capitalista, para além de roubar o trabalho ao operário e ao trabalhador...esconde-o! Sendo, pois,
o capital trabalho excedente que o
dono do capital e dos meios de produção rouba ao operário e ao trabalhador, a
utilização de offshores nada mais
representa do que uma tentativa por parte dos capitalistas de branquear a
exploração a que sujeitam os trabalhadores e, simultaneamente, a fugir com este
esquema a uma política fiscal da qual possa resultar o financiamento
imprescindível a uma política de saúde, educação, cultura e de apoio social
mais justa.
O
capitalismo e o seu estadio supremo, o imperialismo – que todos os oportunistas
persistem em menorizar, classificando-o, de globalização - é a guerra. O
capitalismo mata. Quer por levar à exploração extrema, à inanição, operários e
trabalhadores em geral, promovendo o trabalho
excedente do qual, em grande medida, resulta o capital, quer por impôr a
degradação e a humilhação mais iníquas das condições de vida do povo e de quem
trabalha.
Mais um excelente artigo Luis Júdice, que nos da oportunidade de dizer muita coisa, e que não é escrita na comunicação social tradicional, pelos motivos que todos nós conhecemos. A comunicação social e a maioria dos seus jornalistas, só dizem aquilo que os seus patrões querem que eles digam, e pouco mais
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