Na sequência da crise
capitalista: manifestações e motins - e a necessidade de uma expressão
independente da classe operária
As terríveis guerras em Gaza e na Ucrânia são
simultaneamente o resultado da dança macabra imperialista do capitalismo em
crise e o gatilho para mais rearmamento e tensões internacionais. Em última
análise, há a ameaça de um conflito entre os Estados Unidos e a China (e de uma
terceira guerra mundial), e todos os países estão a ser atraídos e forçados a
aderir a uma ou outra aliança. Ao mesmo tempo, a crise do capital está a
assumir outras formas.
Manifestações e
motins em massa
No último ano, vários
países assistiram a alguns dos maiores protestos das últimas décadas. Estas
lutas não tiveram um carácter de classe claramente definido e variaram consideravelmente
em termos de questões-chave e de causas. Mas mesmo que a classe operária não
tenha dominado estas manifestações, uma grande parte da classe (e, em certa
medida, as organizações sindicais e os movimentos grevistas) foi claramente
mobilizada, e nenhum aspecto das condições de vida dos proletários foi poupado
pela crise acelerada do capitalismo. De seguida, descrevemos brevemente algumas
destas manifestações, o que consideramos serem os seus limites e o que pensamos
ser o caminho a seguir.
A Coreia do Sul foi inicialmente abalada por uma das crises políticas
mais dramáticas da sua história moderna, marcada por manifestações maciças,
pela controversa imposição da lei marcial, com o argumento de que a oposição
actuava como uma “força anti-estatal” ligada à Coreia do Norte, e por alegações
de fraude eleitoral generalizada. Milhares de sul-coreanos concentraram-se
imediatamente em frente à Assembleia Nacional em Seul, exigindo o levantamento
da lei marcial e a demissão do Presidente. As manifestações continuaram mesmo
depois de o Presidente Yoon ter ordenado a retirada do exército e levantado a
lei marcial, com manifestações maciças e motins de rua que terão envolvido mais
de 200 000 pessoas.
No dia 28 de Fevereiro,
segundo aniversário do acidente fatal do comboio de Tempi, que custou a vida a
57 pessoas, realizaram-se grandes manifestações em toda a Grécia. Centenas de milhares de pessoas, principalmente jovens,
manifestaram-se em mais de 260 cidades e aldeias para exigir justiça para as
vítimas e exprimir o seu descontentamento. Parte do sector dos transportes
também entrou em greve e vários sindicatos exigiram que os responsáveis fossem
responsabilizados. Em vários locais, as manifestações degeneraram em
verdadeiros combates de rua entre os manifestantes e a polícia, com arremesso
de pedras e cocktails Molotov, que se prolongaram por vários dias.
Também na Sérvia se registaram manifestações que
envolveram estudantes, professores, advogados e outros grupos profissionais e
sociais. Os professores entraram em greve em solidariedade com os estudantes e
protestaram contra os cortes salariais relacionados com a sua participação nas
greves. Os protestos foram desencadeados por um trágico acidente ocorrido em Novembro
de 2024, quando um telhado desabou numa estação ferroviária em Novi Sad,
matando 16 pessoas. Seguiu-se uma vaga de manifestações contra o Governo. Em Março,
foi declarada uma greve geral. As manifestações tornaram-se as maiores da
história moderna do país, com mais de 300 000 pessoas a saírem para as ruas de
Belgrado durante a greve geral.
No mesmo mês, eclodiram manifestações maciças em toda
a Turquia na sequência da detenção
do presidente da Câmara de Istambul, Ekrem İmamoğlu. Milhões de pessoas
manifestaram-se e exigiram justiça e reformas democráticas. Muitos também
disseram que a economia do país estava a deteriorar-se dramaticamente e, de
acordo com algumas fontes, esta manifestação foi “a maior em décadas”.
Recentemente, assistimos também a grandes
manifestações nos Estados Unidos,
onde milhões de pessoas terão saído à rua. Estes protestos foram muitas vezes
amplamente anti-Trump, centrando-se no chamado “autoritarismo” e no declínio da
democracia, mas também foram especificamente direccionados para deportações em
massa e cortes no Medicaid e na Segurança Social. Também se registaram pequenas
vagas de manifestações na República
Checa, Eslováquia, Montenegro, França e Espanha.
Da guerra de rua à guerra de classes
Em suma, podemos dizer que estas lutas são dirigidas
contra a corrupção e uma evolução cada vez mais autoritária, bem como contra um
Estado que já não presta os seus serviços básicos face ao agravamento da crise
capitalista. Não se trata de lutas puramente proletárias, mas é evidente que
muitos elementos da classe operária estão envolvidos. São a expressão de um
descontentamento e de uma frustração generalizados, que se insinuam sob a
superfície e que, por vezes, precisam de explodir. Sem uma análise e uma
crítica anti-capitalistas, sem uma resposta e uma perspectiva de classe,
qualquer sucesso eventual tornar-se-á uma vitória de Pirro e provavelmente
desaparecerá tão rapidamente como apareceu: um líder cai, um governo é
substituído por outro, uma pequena “mudança” é prometida. Dito de forma
simples: um tipo de administração capitalista está a ser substituído por outro.
O caminho para sair do autoritarismo despótico, da corrupção, do custo de vida
elevado e das condições de trabalho insuportáveis (para aqueles que ainda têm
emprego) só pode ser o caminho para sair do capitalismo.
A classe operária
enquanto força política
Apesar das manifestações
maciças, a classe operária não conseguiu impor-se como uma força política
autónoma nessas manifestações. Isto é muito difícil de fazer no contexto de uma
vaga populista. Durante a chamada Primavera Árabe no Egipto, houve
manifestações e protestos em massa contra o governo. Isto também levou a greves
maciças na indústria têxtil, por exemplo, mas a classe operária foi afogada na
onda democrática e, apesar do facto de milhares de operários estarem em greve,
não foi capaz de se estabelecer como uma força política independente que
lutasse pelos interesses políticos da classe operária e que pudesse criar
órgãos de classe independentes e separados da vaga democrática. Estas greves
foram completamente abafadas pelo movimento democrático de massas.
O que nos parece estar a
faltar hoje são duas coisas principais:
A classe operária deve levar a luta para um nível superior. A crise que se arrasta desde os anos 70 levou a
uma reestruturação da produção e do trabalho, com muitos empregos e indústrias
a serem deslocalizados para a China e o Extremo Oriente, onde os custos
salariais são muito mais baixos. A classe operária dos países ocidentais está a
ser fortemente atacada pelas suas condições de trabalho, com empregos de curta
duração e contratos temporários. Foi criada uma nova “economia gig”, com
condições de trabalho muito precárias. Foi também criado um novo sector de
falsa independência com empresas unipessoais, que conseguiram contornar leis e
acordos. A fragmentação e o enfraquecimento do “instinto de classe” fundamental
que isso implica explicam em grande parte a ausência de luta colectiva e também
tornaram muito mais difícil para a classe operária entrar em luta. A isto
junta-se a influência relativamente forte que a esquerda burguesa e os
sindicatos ainda exercem sobre as secções da classe que estão preparadas para
lutar. A classe operária deve encontrar os meios para liderar a luta de forma
independente, fora dos sindicatos e do parlamento, no seu próprio terreno. Uma
classe militante em movimento é uma condição sine qua non para a revolução.
Além disso, é necessário criar uma
organização revolucionária, um partido comunista internacional que ligue as lutas actuais da classe
operária ao seu objectivo histórico de uma sociedade sem classes, sem Estado,
sem dinheiro e sem exploração. Uma organização composta pelos elementos mais
combativos e clarividentes da classe, que não dilua a sua política em frentes e
compromissos. Não como generais ou como futuro governo, mas como guia e motor da
luta, no seio da classe. A ferramenta mais importante da classe para alcançar
uma revolução comunista.
Lutemos pela classe operária, lutemos pelo
internacionalismo!
Gostaríamos também de
destacar aqui a iniciativa de formar comités “No War but the Class War” (NWBCW), onde verdadeiros
internacionalistas de diferentes convicções políticas se juntam para trabalhar
em conjunto. Devemos tentar unir a luta contra a austeridade exigida pelo
avanço para a guerra com a luta contra os massacres da guerra. É essencial que
aqueles que já têm posições internacionalistas trabalhem em conjunto para
ancorar essa posição na classe, para que exista uma alternativa quando a classe
começar a mover-se. Ficar de lado por razões sectárias é ser completamente
impotente e inútil para a luta histórica da classe operária pela libertação e
sobrevivência da humanidade.
Actualmente, nem uma
luta independente em grande escala da classe operária nem a formação de uma
organização revolucionária estão na ordem do dia. Mas há pequenas bolsas de
luta e enclaves dispersos de operários com espírito revolucionário. Por isso, é
altura de arregaçar as mangas: nos nossos locais de trabalho e bairros, com os
nossos camaradas e a nossa classe. Lutar pelos nossos interesses, nos nossos
próprios termos, com a nossa própria força e solidariedade. E para aqueles de
nós que já adoptaram posições revolucionárias e uma visão de uma futura
sociedade sem classes para além do capitalismo, é tempo de dar os primeiros
passos para a construção de um futuro partido revolucionário mundial. Só assim
poderemos garantir que o desespero e os protestos de hoje se transformem num
desenvolvimento político que acabe com as guerras, alimente os povos e liberte
a humanidade.
- Kompass-Gruppen
Sexta-feira, 8 de Agosto de 2025
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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