domingo, 10 de agosto de 2025

Na sequência da crise capitalista: manifestações e motins - e a necessidade de uma expressão independente da classe operária

 


Na sequência da crise capitalista: manifestações e motins - e a necessidade de uma expressão independente da classe operária


As terríveis guerras em Gaza e na Ucrânia são simultaneamente o resultado da dança macabra imperialista do capitalismo em crise e o gatilho para mais rearmamento e tensões internacionais. Em última análise, há a ameaça de um conflito entre os Estados Unidos e a China (e de uma terceira guerra mundial), e todos os países estão a ser atraídos e forçados a aderir a uma ou outra aliança. Ao mesmo tempo, a crise do capital está a assumir outras formas.

 

Manifestações e motins em massa

No último ano, vários países assistiram a alguns dos maiores protestos das últimas décadas. Estas lutas não tiveram um carácter de classe claramente definido e variaram consideravelmente em termos de questões-chave e de causas. Mas mesmo que a classe operária não tenha dominado estas manifestações, uma grande parte da classe (e, em certa medida, as organizações sindicais e os movimentos grevistas) foi claramente mobilizada, e nenhum aspecto das condições de vida dos proletários foi poupado pela crise acelerada do capitalismo. De seguida, descrevemos brevemente algumas destas manifestações, o que consideramos serem os seus limites e o que pensamos ser o caminho a seguir.

A Coreia do Sul foi inicialmente abalada por uma das crises políticas mais dramáticas da sua história moderna, marcada por manifestações maciças, pela controversa imposição da lei marcial, com o argumento de que a oposição actuava como uma “força anti-estatal” ligada à Coreia do Norte, e por alegações de fraude eleitoral generalizada. Milhares de sul-coreanos concentraram-se imediatamente em frente à Assembleia Nacional em Seul, exigindo o levantamento da lei marcial e a demissão do Presidente. As manifestações continuaram mesmo depois de o Presidente Yoon ter ordenado a retirada do exército e levantado a lei marcial, com manifestações maciças e motins de rua que terão envolvido mais de 200 000 pessoas.

No dia 28 de Fevereiro, segundo aniversário do acidente fatal do comboio de Tempi, que custou a vida a 57 pessoas, realizaram-se grandes manifestações em toda a Grécia. Centenas de milhares de pessoas, principalmente jovens, manifestaram-se em mais de 260 cidades e aldeias para exigir justiça para as vítimas e exprimir o seu descontentamento. Parte do sector dos transportes também entrou em greve e vários sindicatos exigiram que os responsáveis fossem responsabilizados. Em vários locais, as manifestações degeneraram em verdadeiros combates de rua entre os manifestantes e a polícia, com arremesso de pedras e cocktails Molotov, que se prolongaram por vários dias.

Também na Sérvia se registaram manifestações que envolveram estudantes, professores, advogados e outros grupos profissionais e sociais. Os professores entraram em greve em solidariedade com os estudantes e protestaram contra os cortes salariais relacionados com a sua participação nas greves. Os protestos foram desencadeados por um trágico acidente ocorrido em Novembro de 2024, quando um telhado desabou numa estação ferroviária em Novi Sad, matando 16 pessoas. Seguiu-se uma vaga de manifestações contra o Governo. Em Março, foi declarada uma greve geral. As manifestações tornaram-se as maiores da história moderna do país, com mais de 300 000 pessoas a saírem para as ruas de Belgrado durante a greve geral.

No mesmo mês, eclodiram manifestações maciças em toda a Turquia na sequência da detenção do presidente da Câmara de Istambul, Ekrem İmamoğlu. Milhões de pessoas manifestaram-se e exigiram justiça e reformas democráticas. Muitos também disseram que a economia do país estava a deteriorar-se dramaticamente e, de acordo com algumas fontes, esta manifestação foi “a maior em décadas”.

Recentemente, assistimos também a grandes manifestações nos Estados Unidos, onde milhões de pessoas terão saído à rua. Estes protestos foram muitas vezes amplamente anti-Trump, centrando-se no chamado “autoritarismo” e no declínio da democracia, mas também foram especificamente direccionados para deportações em massa e cortes no Medicaid e na Segurança Social. Também se registaram pequenas vagas de manifestações na República Checa, Eslováquia, Montenegro, França e Espanha.

 

Da guerra de rua à guerra de classes

 

Em suma, podemos dizer que estas lutas são dirigidas contra a corrupção e uma evolução cada vez mais autoritária, bem como contra um Estado que já não presta os seus serviços básicos face ao agravamento da crise capitalista. Não se trata de lutas puramente proletárias, mas é evidente que muitos elementos da classe operária estão envolvidos. São a expressão de um descontentamento e de uma frustração generalizados, que se insinuam sob a superfície e que, por vezes, precisam de explodir. Sem uma análise e uma crítica anti-capitalistas, sem uma resposta e uma perspectiva de classe, qualquer sucesso eventual tornar-se-á uma vitória de Pirro e provavelmente desaparecerá tão rapidamente como apareceu: um líder cai, um governo é substituído por outro, uma pequena “mudança” é prometida. Dito de forma simples: um tipo de administração capitalista está a ser substituído por outro. O caminho para sair do autoritarismo despótico, da corrupção, do custo de vida elevado e das condições de trabalho insuportáveis (para aqueles que ainda têm emprego) só pode ser o caminho para sair do capitalismo.

 

A classe operária enquanto força política

Apesar das manifestações maciças, a classe operária não conseguiu impor-se como uma força política autónoma nessas manifestações. Isto é muito difícil de fazer no contexto de uma vaga populista. Durante a chamada Primavera Árabe no Egipto, houve manifestações e protestos em massa contra o governo. Isto também levou a greves maciças na indústria têxtil, por exemplo, mas a classe operária foi afogada na onda democrática e, apesar do facto de milhares de operários estarem em greve, não foi capaz de se estabelecer como uma força política independente que lutasse pelos interesses políticos da classe operária e que pudesse criar órgãos de classe independentes e separados da vaga democrática. Estas greves foram completamente abafadas pelo movimento democrático de massas.

O que nos parece estar a faltar hoje são duas coisas principais:

A classe operária deve levar a luta para um nível superior. A crise que se arrasta desde os anos 70 levou a uma reestruturação da produção e do trabalho, com muitos empregos e indústrias a serem deslocalizados para a China e o Extremo Oriente, onde os custos salariais são muito mais baixos. A classe operária dos países ocidentais está a ser fortemente atacada pelas suas condições de trabalho, com empregos de curta duração e contratos temporários. Foi criada uma nova “economia gig”, com condições de trabalho muito precárias. Foi também criado um novo sector de falsa independência com empresas unipessoais, que conseguiram contornar leis e acordos. A fragmentação e o enfraquecimento do “instinto de classe” fundamental que isso implica explicam em grande parte a ausência de luta colectiva e também tornaram muito mais difícil para a classe operária entrar em luta. A isto junta-se a influência relativamente forte que a esquerda burguesa e os sindicatos ainda exercem sobre as secções da classe que estão preparadas para lutar. A classe operária deve encontrar os meios para liderar a luta de forma independente, fora dos sindicatos e do parlamento, no seu próprio terreno. Uma classe militante em movimento é uma condição sine qua non para a revolução.

Além disso, é necessário criar uma organização revolucionária, um partido comunista internacional que ligue as lutas actuais da classe operária ao seu objectivo histórico de uma sociedade sem classes, sem Estado, sem dinheiro e sem exploração. Uma organização composta pelos elementos mais combativos e clarividentes da classe, que não dilua a sua política em frentes e compromissos. Não como generais ou como futuro governo, mas como guia e motor da luta, no seio da classe. A ferramenta mais importante da classe para alcançar uma revolução comunista.

Lutemos pela classe operária, lutemos pelo internacionalismo!

 

Gostaríamos também de destacar aqui a iniciativa de formar comités “No War but the Class War” (NWBCW), onde verdadeiros internacionalistas de diferentes convicções políticas se juntam para trabalhar em conjunto. Devemos tentar unir a luta contra a austeridade exigida pelo avanço para a guerra com a luta contra os massacres da guerra. É essencial que aqueles que já têm posições internacionalistas trabalhem em conjunto para ancorar essa posição na classe, para que exista uma alternativa quando a classe começar a mover-se. Ficar de lado por razões sectárias é ser completamente impotente e inútil para a luta histórica da classe operária pela libertação e sobrevivência da humanidade.

Actualmente, nem uma luta independente em grande escala da classe operária nem a formação de uma organização revolucionária estão na ordem do dia. Mas há pequenas bolsas de luta e enclaves dispersos de operários com espírito revolucionário. Por isso, é altura de arregaçar as mangas: nos nossos locais de trabalho e bairros, com os nossos camaradas e a nossa classe. Lutar pelos nossos interesses, nos nossos próprios termos, com a nossa própria força e solidariedade. E para aqueles de nós que já adoptaram posições revolucionárias e uma visão de uma futura sociedade sem classes para além do capitalismo, é tempo de dar os primeiros passos para a construção de um futuro partido revolucionário mundial. Só assim poderemos garantir que o desespero e os protestos de hoje se transformem num desenvolvimento político que acabe com as guerras, alimente os povos e liberte a humanidade.

- Kompass-Gruppen

Sexta-feira, 8 de Agosto de 2025

 

Fonte: Dans le sillage de la crise capitaliste : manifestations et émeutes - et la nécessité d'une expression indépendante de la classe ouvrière | Leftcom

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice

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