Prosseguem e intensificam-se os incêndios, meio facilitador da acumulação capitalista nos campos!
Segundo dados do ICNF, foram registados, até ao final do mês de Julho de 2025, 4.758 incêndios rurais, que provocaram uma área ardida de 33.224 hectares. Outras fontes garantem, no entanto, que em Portugal, e até à data, foram ultrapassados os 63 mil hectares de área ardida. Uma verdadeira hecatombe, portanto, que já provocou a morte de milhares de animais de criação, culturas e activos florestais e agrícolas.
Estamos, pois, a falar
– independentemente das fontes e do período específico de tempo que
considerarmos – numa tendência significativa da área ardida, comparativamente a
anos anteriores e com a média histórica, que nos fazem lembrar os trágicos
eventos de Pedrógão Grande em 2017.
Retenham este número
deveras impressionante e sintomático de qual é a natureza de classe e os
objectivos – que mais adiante escalpelizarei - que a classe dominante pretende
com a presente vaga de incêndios. QUATRO MILHÕES DE HECTARES de área ardida – o
equivalente a mais de metade da área de Portugal continental, a que devem ser
associados os impactos ambientais e económicos que deles resultaram. Não
podemos esquecer que os incêndios florestais, para além de afectarem a
vegetação, têm um efeito devastador sobre a bio-diversidade, a qualidade dos
solos e a economia, entre muitos outros aspectos.
Em termos comparativos, a área ardida nestes últimos
40 anos é o equivalente a mais de 200 VEZES a área do concelho de Lisboa. De
notar, ainda, que a intensidade e frequência dos incêndios tem vindo a
aumentar, registando-se, em alguns anos, valores acima da média. Tudo indica
que 2025 será um desses anos.
A acreditar no que afirma o Semanário EXPRESSO, "em apenas 13 dias, já ardeu seis vezes mais do que em todo o mês de Agosto de 2024 (área ardida supera os 60 mil hectares)".
Claro que a “esquerda” parlamentar tenta exponenciar
os instintos mais básicos da classe operária e restantes escravos assalariados,
e abundam nas redes sociais as comparações entre uma idílica atitude de António
Costa e seus ministros perante a crise dos incêndios de 2022 e a atitude de
deserção manifestada pelo actual primeiro-ministro e pelo Presidente da
República. Puro oportunismo que visa falsear a realidade e a história.
Se em 2022, António Costa teve o dislate de, como era seu hábito, apontar a responsabilidade dos incêndios para terceiros, isentando o seu governo de qualquer responsabilidade pelo facto de, após sete anos no poder, não ter implementado nenhuma medida para, sequer, mitigar, as consequências de um fenómeno que, antes do mais, é político e económico, chegando ao ponto, ridículo, de atribuir ao povo essa responsabilidade por, pelas suas próprias mãos, por desleixo, incúria ou dolo, os incêndios grassarem de norte a sul do país, de forma cada vez mais intensa, devastadora e brutal,
Luis Montenegro não quis ficar-lhe
atrás e, numa atitude displicente e demonstrativa de total falta de empatia
para com as populações afectadas por estes incêndios, foi a … banhos! No que
foi acompanhado pelo guru das selfies, o inefável Marcelo Rebelo de Sousa. Isto
enquanto bombeiros e populações se empenham, até à exaustão – e mesmo até à
morte – no combate a este flagelo que não teria de ser uma fatalidade do “destino”!
Com ambos a defenderem, sem vergonha, que os meios para o combate aos fogos são
mais do que suficientes – está à vista de todos! – e escamoteando, como fazia o
Costa das contas certas, que é na prevenção que se deve apostar.
A realidade é que, ano após ano, o quadro não só se mantém
como se agrava. E, a forma de entreter o povo e iludir o fundo das questões é
sempre a mesma: a protecção civil não funcionou como devia, os bombeiros
manifestam uma profunda descoordenação e falta de meios, etc. No entanto, a verdade
é que, enquanto para a burguesia for mais rentável “combater” os fogos do que
preveni-los, os incêndios serão uma chaga com a qual os camponeses pobres e
envelhecidos, primeiro, e o povo em geral, depois, se terão de confrontar.
Num artigo que publiquei em 23 de Março de 2021,
afirmava o seguinte:
“Uma autêntica
máfia organizou-se em torno daqueles que podem ter influência e poder e o
negócio de equipamentos e meios para bombeiros floresce como poucos sectores da
actividade económica no nosso país. Como floresce o negócio das celuloses que
impuseram o eucalipto – uma árvore oriunda da Austrália – no ordenamento
florestal do nosso país, estando-se completamente nas tintas para o facto e a
circunstância de que, quando ocorrem incêndios, as projecções das folhas e
casca destas árvores atingirem distâncias de 500 e mais metros!
Quando
se aproxima mais uma “época de incêndios”, não posso deixar de assinalar que há
mais de 40 anos que, ano após ano, quando o país arde, lá vêm os sucessivos
governos que à vez, sozinhos ou coligados – e relembro que, praticamente todos
os partidos do “arco parlamentar”, passaram pelos bancos do poder – , e
assessorados por um batalhão de “especialistas” de tudo e mais alguma coisa,
afirmar, por um lado, que a culpa foi dos incendiários ou da natureza e, por
outro, que agora, sim, irão ser tomadas medidas na direcção certa que, segundo
todos eles, é a prevenção.
Porém, ano após ano, o quadro não só se mantém como se agrava. E, a forma
de entreter o povo e iludir o fundo das questões é sempre a mesma: a protecção
civil não funcionou como devia, os bombeiros manifestam uma profunda
descoordenação e falta de meios, etc.
No entanto, a verdade é que, enquanto para a burguesia for mais rentável “combater” os fogos do que preveni-los, os incêndios serão uma chaga com a qual os camponeses pobres e envelhecidos, primeiro, e o povo em geral, depois, se terão de confrontar.
Num país em que o processo de acumulação capitalista não chegou a uma
grande área da sua estrutura agrária, onde pontifica o minifúndio e a
dispersão habitacional, onde o campesinato pobre, imediatamente a seguir ao 25
de Abril de 1974 não compreendeu – e até rejeitou – que a única aliança que
permitiria assegurar o seu futuro era a aliança com a classe operária,
aceitando o programa de colectivização dos meios de produção e a mecanização e
modernização da agricultura, os incêndios vão produzir o efeito que os caciques
locais induziram a estes camponeses quando lhes diziam que os comunistas – para
além de comerem criancinhas ao pequeno almoço – lhes queriam roubar as terras.
Claro que, quando refiro o programa defendido pelos comunistas para o
sector da agricultura e pela defesa da aliança operário-camponesa, não me estou
a referir ao PCP revisionista que há muito abandonou este ou qualquer outro programa
revolucionário.
Vejamos! Quando o governo do PS, secundado pelas suas muletas do PCP/BE/Os
Verdes, que deveria tutelar a política de ordenamento florestal, vem afirmar
que o Estado é detentor, “somente” de 3% da área florestal e, simultaneamente,
vem dizer que, num futuro próximo, vai propor e fazer aprovar na Assembleia da
República, legislação que visa, num primeiro momento, reprimir e multar quem
não proceda à limpeza da mata e acessos e, num segundo momento, caso essa
repressão e imposição de multas não tenha sucesso, imporá a expropriação da
propriedade dos “infractores”, o que é que esta ameaça representa?!
Representa que o poder está a dar uma indicação clara de que está disposto
a dar, de facto, um primeiro, mas grande passo, no caucionar de um roubo que,
afinal, não serão os comunistas a praticar, como afirmavam em 1974 os caciques
locais, mas sim aqueles que visam facilitar a acumulação capitalista nos campos
e transformar a agregação de várias parcelas de minifundio em grande
propriedade onde, ao invés da economia de subsistência, se pratique uma
agricultura extensiva e intensiva, incluindo a florestal, mecanizada e com
recursos hídricos fornecidos por meios não naturais – via barragens ou redes
de tranvazes e canais (como está a acontecer no Alqueva).
Ao fim de 40 anos de abandono e traição dos camponeses pobres do país,
pensa a burguesia aproveitar a enorme tragédia dos grandes incêndios recentes –
refiro-me a Pedrogão Grande, a Albergaria a Velha, Pampilhosa da
Serra e muitos outros que, para além de mais de uma centena de mortos
devastaram centenas de kms2 de área florestal e aldeias - para escamotear que
foi por sua acção e vontade que os campos sofreram o abandono que hoje se
regista. O campesinato pobre e os assalariados rurais, que representavam mais
de 20% da população portuguesa em 1974, não representam mais do que 2 a 3% da
população actual!
Ora, foi este abandono, foi este estrangular da agricultura, agravado pela adesão de Portugal – primeiro à CEE e depois à UE – a uma comunidade europeia onde os interesses dos grandes agricultores – sobretudo franceses – determinaram uma política de “quotas” que estrangulou definitivamente a exploração agrícola no nosso país, provocou um êxodo da juventude dos campos para a cidade e para a emigração e promoveu o envelhecimento da população dos campos.
Não existe solução para esta situação no quadro do modo de produção
capitalista. Se alguém defender – como o fazem PCP, BE, Verdes e outras
formações políticas oportunistas – que tal é possível, está evidentemente a
trair a classe operária e os assalariados rurais. Isto porque, só a destruição
do modo de produção dominante – o sistema capitalista e imperialista – e a
instauração do modo de produção comunista poderão resolver a situação a favor
de quem nada mais possui do que a sua força de trabalho.”
Mudou alguma coisa que alterasse este
quadro?! Claro que não! Enquanto os operários, os seus aliados camponeses, os
assalariados rurais e restantes escravos assalariados não adoptarem um atitude de organização e de luta consentânea com os seus interesses, a alternativa será continuarem
a ser despojados e será este o quadro –que necessariamente se agravará – com o
qual terão de contar ano após ano.
Luis Júdice
14 de Agosto de 2025
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