quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Os Estados Unidos e a Guerra Sionista no Líbano. A táctica "passo-a-passo" de Kissinger em Hochstein


11 de setembro de 2024  Robert Bibeau  1 Comentário

Por Marie Nassif-Debs (*), Líbano.

Há alguns dias, um amigo enviou-me um artigo de um escritor chinês que dizia que quem quiser vencer os Estados Unidos deve cortar o oxigénio das guerras, dado que a paz mundial é a “principal ameaça” para Washington, porque “põe definitivamente fim ao império do dólar construído em torno da guerra, da economia de guerra e do comércio de guerra” (1).

Não nos deteremos no que diz o artigo sobre as consequências que poderiam resultar da interrupção das guerras imperialistas norte-americanas no mundo de hoje, porque elas são conhecidas de todos, incluindo os dirigentes dos regimes dependentes, que não sofrerão melhor destino do que aquele que já sofreram os regimes implantados pela CIA no Vietname do Sul ou no Afeganistão, para citar apenas dois exemplos.

Citámos o título e o conteúdo do artigo porque vemos nele uma chamada de atenção para o que estamos a viver hoje no nosso país em resultado do recomeço das guerras imperialistas em todo o mundo, começando pela Ucrânia e estendendo-se à Ásia e à África e, claro, ao Médio Oriente, onde a entidade sionista, usurpadora da Palestina, ocupa a ribalta militar, a coberto da NATO liderada por Washington e da administração “democrática” (sic) de Joe Biden, que não é diferente da administração “republicana” que a precedeu ou, na verdade, das sucessivas administrações dos EUA desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

E se recordássemos alguns dos principais marcos desta política, nomeadamente no Líbano, diríamos que a administração americana, “republicana” ou “democrata”, sempre se esforçou por integrar o nosso país nas alianças imperialistas que formou na região, a começar pelo Pacto de Bagdade e pelo Pacto Turquia-Paquistão, e que as forças americanas não hesitaram em atacar o Líbano para se apoderarem dele e tirarem partido da sua situação geopolítica, em primeiro lugar, e depois da passagem de produtos americanos através do Líbano para os países árabes que tinham saído do seio do capitalismo americano durante os anos cinquenta (Egipto, Síria, Iraque). Para não falar da importância deste pequeno país em termos de recursos hídricos, para não falar das fontes de energia contidas no seu mar territorial. E se quiséssemos ser mais específicos neste domínio, referiríamos o embarque dos “Marines” em 1958, depois da Sexta Frota em 1983 e, ainda hoje, o local onde se encontra a nova embaixada americana, que não é mais do que uma base militar com heliporto e guarnição que ultrapassa os padrões convencionais.

Não se trata de minimizar o papel da entidade sionista, nem o seu projecto de estabelecer o utópico “Grande Israel” do Nilo ao Eufrates (sic), mas chamamos a atenção para o facto de que o projecto principal é o controlo unilateral do mundo pelo imperialismo norte-americano, a partir do qual são lançados múltiplos projectos regionais, o mais importante dos quais é talvez o projecto sionista que segue no seu movimento o princípio desenvolvido pelo desprezível Henry Kissinger chamado a política dos três passos “Step by step”: Mordiscar, digerir e depois avançar de novo.

Assim, consideramos que o que a entidade sionista está a fazer hoje na frente norte da Palestina ocupada é mais um passo depois do que foi dado há dois anos relativamente à demarcação das fronteiras marítimas, sob a supervisão dos Estados Unidos, representados pelo enviado especial de Biden, Amos Hochstein, que levou à anexação de 1240 quilómetros quadrados de mar a sul de Naqoura sob o nome de “campo de Karish”(2). O próximo passo é a demarcação das fronteiras terrestres de acordo com um projecto que o mesmo Hochstein acaba de nos enviar em nome da administração Biden. Não esquecendo que desde 1968 a entidade sionista está presente nas quintas de Shebaa, nas colinas de Kafr Shuba e na aldeia de Ghajar sob o pretexto de que são “terras sírias”, quando os documentos na posse das Nações Unidas e emitidos pela sua antecessora, a Sociedade das Nações, em 1926 (3) mostram o contrário.

É por isso que a questão da guerra de agressão sionista no Líbano é triangular.


A primeira vertente
desta guerra é a terra e o que ela contém como fontes de água necessárias para a agricultura concentrada pelos sionistas no norte da Palestina ocupada, bem como as águas territoriais e o que elas contêm como fontes de energia (gás e petróleo) necessárias para o funcionamento das indústrias capitalistas.

A segunda vertente é a Resistência Armada e o seu papel na actual guerra para apoiar a resistência do povo palestiniano, nomeadamente na Faixa de Gaza.

A terceira vertente é constituída pelas tentativas feitas, e que continuam a ser feitas desde a agressão de 1982 e a queda do “acordo de 17 de maio” pela Frente de Resistência Nacional Libanesa, para normalizar as relações com o ocupante inimigo, com vista a preparar a instalação dos palestinianos no Líbano, a pôr fim ao seu direito de regresso ao seu país, em conformidade com a resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e a construir o Estado nacional palestiniano que reivindicamos em todo o território palestiniano, com Jerusalém como capital. (4).

A importância deste esclarecimento reside na forma como o conflito sionista-libanês é encarado hoje e no futuro. Para nós, a solução reside na retirada do inimigo dos territórios libaneses ocupados, por um lado, e na criação do Estado palestiniano acima referido, por outro. Isto para além da posição imediata relativa à cessação da agressão contra a Faixa de Gaza e à retirada das forças de agressão da mesma.


Consideramos, portanto, que a agressão sionista não cessará num futuro previsível, tanto mais que essa agressão está ligada à política dos EUA que mencionámos, e que essa política está actualmente ligada às eleições presidenciais e ao que delas poderá advir.

Será que isto significa uma escalada regional que conduzirá a uma guerra total?

Pensamos que a entidade sionista é incapaz, por si só e sem o apoio das forças imperialistas americanas e da NATO, de desencadear uma batalha de grande envergadura no norte da Palestina ocupada. Por conseguinte, é provável que tente continuar a sua guerra contra o Líbano entre uma escalada limitada e um regresso às regras de guerra estabelecidas em 8 de Outubro de 2023, intensificando simultaneamente as suas operações de assassinato nos próximos tempos.Veja  https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2024/09/gaza-o-horror-e-as-suas-mentiras.html

No entanto, isso não significa que a possibilidade de uma guerra total esteja totalmente ausente; A crise de Netanyahu está a aprofundar-se internamente, e a oposição sionista está a tentar tirar partido da questão dos reféns e da questão do recrutamento obrigatório do grupo Haredi para se livrar dele e regressar ao poder... De acordo com a experiência passada, qualquer cessar-fogo nestas circunstâncias será uma trégua simples, que pode ser prorrogada ou encurtada de acordo com as necessidades americanas. Daí a necessidade de reorganizar e unir todas as forças de resistência à agressão e normalização num amplo movimento árabe de libertação nacional, do qual o Fórum da Esquerda Árabe pode constituir o núcleo básico. (Veja nosso texto:  https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2024/08/o-metodo-de-gaza-ou-solucao-final.html  NDÉ).

(Este artigo foi publicado na revista palestina Al-Hadaf – final de Agosto de 2024)


Observações

(*) – Ex-coordenador do Encontro da Esquerda Árabe e ex-secretário-geral adjunto do Partido Comunista Libanês.

(1) – O artigo foi publicado em 24 de Março de 2023 e pode ser encontrado na página do X (antigo Twitter).

(2) – Esta área é parte integrante das fronteiras marítimas do Líbano, cedidas ao inimigo para acelerar a implementação do plano de Washington para garantir a venda de gás à Europa depois de impedir a chegada desta substância vital ao velho continente da Rússia devido à guerra na Ucrânia.

(3) – A fronteira entre o Líbano e a Palestina foi redesenhada em 3 de Fevereiro de 1923, de acordo com um mandato da Sociedade das Nações à Comissão Franco-Britânica Boulet-Newcomb, que depositou junto à organização internacional um mapa confirmando a validade da demarcação em vigor desde 1920 e os 38 pontos previstos para ela.

(4) – Esta posição foi tomada no segundo congresso do Partido Comunista Libanês em 1968; uma posição que tinha sido assumida pelo partido em 1948 e tornada pública pelo então secretário-geral do partido, o mártir Farajallah Helou, ao contrário do que era proposto pelo Estado soviético na altura.

 

Fonte: Les États-Unis et la guerre sioniste contre le Liban. La tactique du «pas à pas» de Kissinger à Hochstein – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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