2 de Novembro de
2024 Robert Bibeau
Por Prabhat PATNAIK
O facto de a economia mundial ter abrandado desde a crise financeira de 2008 é indiscutível. De facto, até os economistas conservadores dos EUA começaram a utilizar o termo “estagnação secular” para descrever a situação actual (embora tenham a sua própria definição do termo). O objectivo desta nota é apresentar alguns números sobre as taxas de crescimento para estabelecer este ponto específico.
Os cálculos do PIB, notoriamente pouco
fiáveis para alguns países, são ainda menos fiáveis para o conjunto do mundo.
Na Índia, muitos investigadores puseram em causa as estimativas oficiais da
taxa de crescimento do PIB e sugeriram que esta dificilmente poderia ter sido
superior a 4-4,5% ao ano nos últimos anos, quando as estatísticas oficiais
indicam uma taxa de cerca de 7%. A exaltação sobre a aceleração do crescimento
do PIB no período neo-liberal em comparação com o período dirigista parece
totalmente descabida; e se a taxa de crescimento do PIB quase não aumentou em
comparação com o período anterior, enquanto a desigualdade aumentou
consideravelmente, a afirmação de que a condição dos trabalhadores se
deteriorou no período neo-liberal, como outros indicadores, como os números da
ingestão nutricional, deixam claro, seria ainda mais firmemente estabelecida.
Mas, apesar da total fragilidade dos dados do PIB, vejamos o que aconteceu ao
nível do PIB mundial.
Para o efeito, utilizo os dados do Banco
Mundial, com o PIB “real” estimado a preços de 2015 para cada país e agregado
para o mundo no seu conjunto em termos de dólares às taxas de câmbio de 2015.
Dividir todo o período desde 1961 em sub-períodos e comparar esses sub-períodos
é bastante complicado. A tomada em consideração das taxas de crescimento
decenais é problemática, porque se o início da década for um ano baixo, a taxa
de crescimento da década seria exagerada, dando uma imagem distorcida da
situação. Na medida do possível, tomei os anos de pico e calculei as taxas de
crescimento da economia mundial de pico a pico, o que certamente dá uma imagem
mais fiável da evolução secular da taxa de crescimento. Os anos específicos são
1961, 1973, 1984, 1997, 2007 e 2018, o último ano de pico antes da chegada da
pandemia. As taxas de crescimento do PIB mundial durante os sub-períodos
definidos por estes anos são as seguintes:
Período Taxa de crescimento do PIB
Por ano
1961-1973: 5,4%
1973-1984: 2,9%
1984-1997: 3,1%
1997-2007: 3,5%
2007-2018: 2,7%
Três conclusões podem ser tiradas destes números. Em primeiro lugar, a taxa
de crescimento da economia mundial durante o período dirigista foi muito mais
elevada do que durante o período neo-liberal no seu conjunto. Este é um ponto
frequentemente ignorado na discussão habitual, em que a repetição do tema da
“superioridade do mercado” dá a impressão de que a economia mundial deve ter
crescido mais depressa durante a era neo-liberal; no entanto, esta impressão é completamente
falsa. Na realidade, o que se verifica é exactamente o contrário, ou seja, um
abrandamento notável da economia mundial durante o período neo-liberal.
Em segundo lugar, entre o período dirigista e o período neo-liberal, houve
um período intermédio de abrandamento: a taxa de crescimento caiu de 5,4% para
2,9%. Este abrandamento foi uma consequência da estratégia capitalista de
combate à aceleração da inflação que se registou no mundo capitalista no final
dos anos 60 e início dos anos 70, e marcou o fim do período dirigista. Foi este
período intermédio de abrandamento do crescimento do PIB mundial que criou o
quadro para a introdução do regime neo-liberal. O capital financeiro, cada vez
mais importante e cada vez mais internacional, exerceu pressão no sentido da
transicção para o neo-liberalismo. Mas essa pressão acabou por dar frutos sob a
forma da crise do dirigismo, que se manifestou, primeiro, num surto de inflação
e, depois, num abrandamento do crescimento, uma vez que a política oficial em
todo o mundo capitalista procurou combater a inflação cortando nas despesas
públicas e criando desemprego em massa.
Em terceiro lugar, os números mostram que um abrandamento prolongado sob o
neo-liberalismo se seguiu ao colapso da bolha imobiliária nos EUA. Esse colapso
precipitou uma crise financeira no mundo capitalista; mas enquanto o sistema
financeiro foi salvo pela intervenção do Estado (lá se vai a “eficiência do
mercado”), a economia real não recebeu qualquer estímulo, quer sob a forma de
maior despesa pública, quer sob a forma de uma nova bolha comparável à bolha
imobiliária, para reanimar a sua taxa de crescimento.
Escolhemos deliberadamente 2018 como o nosso ano terminal, que representa
um ano recorde. O período desde 2018 tem sido ainda mais sombrio para a
economia mundial; de facto, a taxa de crescimento do PIB entre 2018 e 2022, o
último ano para o qual dispomos de dados, foi de apenas 2,1% ao ano. Os números
da população mundial também não são muito fiáveis, uma vez que a própria Índia
não realizou o seu censo decenal em 2021, quando deveria ter realizado, ou
mesmo depois; mas a estimativa habitual é que cresceu a uma taxa ligeiramente
inferior a 1% (estima-se que seja de 0,8% em 2022). Consequentemente, o
rendimento per capita mundial está actualmente a crescer a um ritmo
ligeiramente superior a 1% por ano.
Com o aumento da desigualdade de rendimentos em todo o mundo, a esmagadora
maioria da população mundial viu os seus rendimentos reais praticamente
estagnarem, em média. Um exemplo representativo ajudará a ilustrar este ponto.
Estima-se que os 10% mais ricos da população mundial recebam actualmente mais
de metade do rendimento total do planeta; assim, se o rendimento destes 10%
mais ricos aumentasse nem que fosse 2% ao ano, o rendimento dos restantes 90%
teria permanecido absolutamente estagnado em média. A conclusão é inevitável: o
sistema capitalista na sua última fase neo-liberal conduziu a esmagadora massa
da população mundial a uma situação de estagnação dos rendimentos, em média,
que faz lembrar a época colonial; para um grande número de pessoas no mundo,
deve ter havido uma queda do rendimento real.
Além disso, não se
trata de um fenómeno passageiro que desaparecerá com o tempo. É isso que o neo-liberalismo
lhes reserva. Uma retoma do crescimento na actual conjuntura económica exigiria
um aumento da procura agregada na economia mundial, o que, por sua vez,
exigiria a intervenção do Estado; e o Estado só pode conseguir aumentar a
procura se financiar o aumento das suas despesas, quer através de um maior défice
orçamental, quer através de uma maior tributação dos capitalistas e, em geral,
dos ricos. Mas ambos os meios de financiamento do aumento das despesas públicas
são mal vistos pelo capital financeiro internacional; e como o Estado é um
Estado-nação, ao passo que a finança está mundializada e pode abandonar um país
em massa num piscar de olhos, o Estado tem de se curvar aos ditames da finança
para evitar essa fuga de capitais. Por conseguinte, está fora de questão que um
determinado Estado-nação intervenha para estimular a procura mundial e aumentar
assim a taxa de crescimento da sua economia. Nem sequer se fala de um estímulo
fiscal coordenado, em que vários Estados aumentam simultaneamente as suas
despesas através de um ou outro dos meios acima referidos, o que poderia evitar
a fuga de capitais do conjunto dos países; a política monetária continua a ser,
portanto, o único meio de intervenção de que o Estado dispõe.
Mas, mesmo neste caso, a taxa de juro de um país não pode ser demasiado baixa em relação à dos países avançados, nomeadamente dos Estados Unidos, porque a finança consideraria este país “pouco atractivo” e abandoná-lo-ia em massa. Só os Estados Unidos têm a capacidade de baixar autonomamente as suas taxas de juro para o nível que consideram adequado para estimular a procura mundial (o que permitiria aos outros países baixar também as suas taxas de juro); no entanto, as taxas de juro nos Estados Unidos estiveram próximas de zero durante grande parte do período recente e a economia mundial não recuperou em consequência disso. Pelo contrário, taxas de juro tão baixas mantidas durante um longo período de tempo tiveram o efeito de encorajar as empresas americanas a aumentar as suas margens de lucro e de conduzir a uma aceleração da inflação, como aconteceu recentemente.
O projecto de Keynes de estabilizar o capitalismo num nível de actividade elevado para que não fosse ultrapassado por uma revolução socialista revelou-se, portanto, uma quimera. O estado actual do capitalismo neo-liberal demonstra-o amplamente.
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Fonte: La stagnation de l’économie mondiale – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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