terça-feira, 12 de novembro de 2024

Hezbollah: Hassan Nasrallah, a “sentinela” da independência libanesa

 


 12 de Novembro de 2024  René Naba  


RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com a www.madaniya.info.

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https://www.madaniya.info/ destaca uma série de artigos sobre Sayyed Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah libanês, morto por um bombardeamento israelita em 27 de Setembro de 2024, durante a sua guerra de apoio aos movimentos palestinianos de Gaza, o Hamas e a Jihad Islâmica.

 

À frente do grupo paramilitar xiita libanês durante 32 anos, este monge-soldado do Islão moderno, que foi a última linha de defesa contra o grande naufrágio árabe, pode orgulhar-se de um percurso glorioso, nomeadamente contra Israel:

·         Obrigou o Estado hebreu a retirar-se militarmente do Líbano em 2000, sem negociações nem tratado de paz - um feito único nos anais da polemologia mundial.

·         O facto de, seis anos mais tarde, em 2006, ter frustrado uma ofensiva terrestre israelita no Líbano, iniciando um conflito móvel em circuito fechado, uma inovação estratégica, provocando uma hecatombe de veículos blindados israelitas no Sul do Líbano e a consequente demissão do Primeiro-Ministro israelita da altura, Ehud Olmert, bem como do seu chefe da Força Aérea, o General Dan Halutz!

O ataque incessante de Israel a Beirute explica-se, sem dúvida, pelo trauma infligido ao Estado hebreu pela capital libanesa, a ponto de lhe valer o título de “Beirute, o Vietname de Israel”.

Para ir mais longe neste tema, consulte este link: https://www.madaniya.info/2015/04/13/liban-beyrouth-le-vietnam-d-israel/

Eleito em 1992 como chefe do Hezbollah libanês, Sayyed Hassan Nasrallah sucedeu Abbas Moussawi em 7 de Fevereiro de 1992, que também sucumbiu a um ataque com mísseis israelitas.

Após a morte do seu líder, o Hezbollah libanês confirmou a sua intenção de continuar a guerra contra Israel em apoio a Gaza.

Vejamos esta figura importante da história contemporânea, sentinela da independência libanesa, que incutiu o espírito de resistência no mundo árabe.


O autor dedica este artigo a Imad Mughniyeh (Hajj Radwane), fundador da ala militar do Hezbollah, ao seu filho Jihad, bem como a Mustafa Badreddine (Zulficar), sucessor de Imad Mughnieh à frente da ala militar do Hezbollah, e finalmente a Samir Kintar, antigo decano dos presos políticos em Israel, todos os quatro mortos no campo de batalha na Síria, a fim de manter vivo o espírito de resistência na consciência árabe, para a salvaguarda da independência e integridade do Líbano..

O vencedor contra Israel e na Síria: Yabroud, Qalmoun, Palmyra

O Hezbollah, com uma folha de serviço militar infinitamente mais prestigiada do que a do seu algoz saudita, que faz esquecer muitos dos protagonistas dos conflitos do Médio Oriente, distinguiu-se por uma série de vitórias magistrais e arrebatadoras, tanto contra Israel como na Síria, conquistando a admiração de muitos especialistas militares ocidentais.

Nestes vários teatros de operações, o Hezbollah aperfeiçoou a sua estratégia, optando por um “método complexo” de combate, uma combinação de operações de guerrilha e de guerra frontal, combinando os métodos de guerra de um exército regular com os da guerrilha.

No Líbano, no seu próprio terreno, num ambiente favorável, o sul do Líbano, de maioria xiita, travará uma guerra defensiva de guerrilha contra Israel. Na Síria, em terreno hostil, contra os jihadistas, travará uma guerra frontal em campo aberto.

Na Síria, actuará em conjunto com o seu alter ego iraniano, o general Qassem Souleimany, chefe da prestigiada “Brigada de Jerusalém” do Pasdaran - cuja transcrição em árabe, “Faylaq Al Qods Lil harath As Saouri Al Irani”, estala como baionetas ao vento: Faylaq Al Qods, “Brigada de Jerusalém”, como que a lembrar a permanência da reivindicação iraniana e xiita na luta pela libertação da Palestina.

O desenrolar da guerra na Síria levou o Hezbollah a combater com tanques e veículos blindados, quando o seu ponto forte era a infantaria. Deu-se ao luxo, único nos anais militares, de fazer explodir a eclusa de Damasco, Yabroud, a 15 de Março de 2014, no próprio dia do referendo sobre a anexação da Crimeia à Rússia, na data em que se comemorava o 3º aniversário da revolta popular na Síria.

“O Hezbollah conseguiu assumir um papel cada vez mais destacado na direcção das operações do exército sírio durante as grandes ofensivas das forças governamentais”. Em Qusayr (Junho de 2013), o Hezbollah assumiu o controlo directo das operações, ao mesmo tempo que assegurava uma vigilância aérea permanente do campo de batalha com recurso a drones”, observa o The Brookings Doha Center Report, na sua edição de Maio de 2014, da autoria de Charles Lister.

Ao longo de dois anos (2012-2014), o Hezbollah frustrou seis grandes ofensivas de jihadistas sírios que visavam romper as linhas de defesa do partido xiita, utilizando vagas de tropas no sector Ersal-Brital, na fronteira sírio-libanesa, dizimando as unidades de elite dos atacantes takfiristas, constituídas por tropas conjuntas do Daech e do Jabhat An Nosra com apoio israelita.

Por quatro vezes na Síria (Al-Qoussayr, Yabroud e em torno da base militar de Minbej, na região de Alepo, sitiada durante vários meses pelo georgiano Tarkhan Batirashvili - Abu Omar al-Shishani), assim como em Palmira, no deserto sírio (Março de 2016), Hassan Nasrallah, à frente dos seus homens, demonstrou a sua ciência militar e o seu domínio do comando.

Posando como igual aos míticos “barbudos” cubanos, ele assumirá um papel comparável ao do lendário Camilo Gorriarán Cienfuegos, o adjunto operacional de Fidel Castro e Ernesto Che Guevara de La Serna, o principal aviador do exército revolucionário cubano, o comandante da linha da frente, o homem que, à frente da Coluna nº 2 “Antonio Maceo”, fez o avanço decisivo para Havana, que conquistou a 2 de Janeiro de 1959, aos 27 anos.

Experiente na guerrilha, as suas tropas de elite conseguiram a proeza não só de inverter o rumo da guerra, mas também de mudar radicalmente as regras de combate na zona de confronto israelo-libanesa, mantendo Israel à distância, a principal potência militar do Médio Oriente, o terror absoluto dos árabes, que vai provocar com um drone da sua própria autoria, o drone “Ayoub”, enquanto o seu cúmplice iraniano sequestra um drone americano em seu próprio benefício, demonstrando ambos o domínio tecnológico da vigilância aérea.

O lançamento, em 2 de Outubro de 2012, de um avião não tripulado do Hezbollah em direcção a Israel foi a primeira incursão aérea bem sucedida da força aérea árabe desde a guerra de Outubro de 1973, há 40 anos.

O seu voo sobre a central nuclear de Dimona, no Negev, demonstrou as fugas na “cúpula de aço” de Israel, construída a grande custo com a ajuda americana para proteger o céu israelita de qualquer ataque hostil. Esta proeza militar do Hezbollah e, consequentemente, do Irão, pareceu ser uma demonstração espetacular da sua capacidade tecnológica, com um forte impacto psicológico tanto em Israel como nos Estados Unidos e no grupo de países sunitas que gravitam na órbita atlantista.

Este avanço tecnológico foi confirmado dois anos mais tarde pelo Hamas na sua batalha em Gaza, em Julho de 2014, infligindo uma grande bofetada na cara de Israel ao fornecer provas claras de que a sua “cúpula de aço” não era completamente estanque, o que acabou por se revelar um guarda-chuva com um buraco.

Na lista de organizações terroristas da Liga Árabe, mas a última linha de contenção face à resignação árabe generalizada ao Diktat israelita

É verdade que o Hezbollah está na “lista das organizações terroristas” tanto da União Europeia, pelo menos do seu ramo militar, como da Liga Árabe, a pedido da Arábia Saudita, tal como os antigos pupilos do Ocidente, a Irmandade Muçulmana, o Jobhat An Nosra e o Da'ech.

Mas, em comparação com as organizações sunitas, o Hezbollah tem uma inegável vantagem comparativa em termos de credibilidade dissuasora, dada pela sua presença solitária no derradeiro campo de batalha contra Israel, como última linha de defesa contra uma rendição árabe geral ao diktat israelo-americano.

Esta credibilidade reflecte-se no facto de que, de todos os protagonistas do conflito, Hassan Nasrallah nunca abandonará o campo de batalha, ao contrário dos seus adversários sunitas: Saad Hariri, o chefe do campo saudita-americano no Líbano, escondido na Arábia Saudita, o líder político do Hamas palestiniano, Khaled Mecha'al, escondido em Doha, a cerca de trinta quilómetros da maior base militar americana no Terceiro Mundo, e o pregador Ahmad Al-Assir, o salafista do Qatar, punhal do Hezbollah, interceptado no aeroporto de Beirute quando tentava seguir o exemplo do seu líder sunita Saad Hariri, fugindo do Líbano para escapar aos seus crimes.

Por último, a sua credibilidade dissuasora é demonstrada pelo facto de o grupo xiita ser a única entidade árabe a proclamar o seu empenhamento efectivo na luta pela libertação da Palestina, como o demonstram os seus combates contra Israel e o seu empenhamento na celebração do Dia Mundial de “Al Quds”, comemorado todos os anos na última sexta-feira do mês do Ramadão, sem a mínima participação sunita, apesar de a Palestina ser esmagadoramente povoada por sunitas e por uma minoria árabe cristã, cuja população não inclui nenhum xiita; e a responsabilidade de defender os lugares santos muçulmanos caber aos vinte países árabes que se declaram sunitas, o ramo maioritário do Islão.

Enquanto Israel completa a fagocitose da Palestina, a última etapa antes do golpe final, o reconhecimento de Israel como “Estado judeu”, bloqueando assim qualquer reivindicação futura dos palestinianos a um hipotético “direito de regresso” à terra dos seus antepassados, O Hamas, tal como os outros ramos da nebulosa islamista sunita, empenharam-se curiosamente na luta contra Assad, em vez de se lançarem na reconquista da sua pátria, a Palestina, num trágico desvio da sua estratégia.

Nasrallah contra Bandar: Combate por KO

Fruto de uma cópula acessória entre o príncipe Sultão Ben Abdel Aziz e uma plebeia de origem modesta, o antigo “Grande Gatsby” da vida diplomática americana impôs-se como o homem forte do Reino, devido à doença de uma grande parte da equipa dirigente, afectada por uma patologia debilitante.

Empossado pelo general David Petraeus, antigo chefe dos serviços secretos americanos, Bandar era visto como o novo homem providencial da estratégia saudita-americana. No entanto, por cinco vezes, Bandar bateu o pé a Hassan Nasrallah, obrigando-o a exilar-se, arrastando consigo todos os seus irmãos, o mais velho, Khaled Ben Sultan, vice-ministro da Defesa e proprietário do jornal “Al Hayat”, e o mais novo, Salman Ben Sultan, chefe operacional do quartel-general conjunto islâmico-atlântico em Amã.

Ver as declarações do general Welsley Clark, antigo comandante-em-chefe da NATO (1997-2000): “Nós e os nossos aliados criámos a Daech para combater o Hezbollah”. Ver o vídeo com legendas em francês:

§  https://www.youtube.com/watch?v=ml-piXRdnow

Em 2006, a retaliação balística vitoriosa do Hezbollah libanês contra a força aérea israelita, bem como a destruição do navio-almirante da frota israelita, causaram consternação no campo saudita-americano, enfraquecendo o herdeiro político do clã Hariri.

Em 2007, a neutralização do campo palestiniano de Nahr el Bared (norte do Líbano), ao colocar fora de acção o líder dos jihadistas Chaker Absi, a soldo da Arábia Saudita, contrariou o plano jihadista de o transformar numa zona sem lei, com vista a parasitar o Hezbollah na sua rectaguarda.

Em 2008, o caso da rede de transmissão estratégica do Hezbollah resultou numa capitulação em campo aberto dos seus adversários, nomeadamente do líder druso Walid Joumblatt, na altura a ponta de lança do clã Hariri.

Por fim, em 2013-2014, os reveses da Síria acumularam-se à perda considerável que representou o assassinato do seu punhal de segurança, o capitão Wissam Hassan, chefe da secção de informações das forças de segurança interna libanesas, explodido três meses após a decapitação da hierarquia militar síria.

Este número de mortos não inclui a erradicação do salafista do Qatar, Ahmad al Assir, a 25 de Junho de 2013, no mesmo dia em que o seu patrocinador, o emir do Qatar, o xeque Khalifa Ben Hamad Al Thani, foi destituído do seu cargo disfarçado, no 13º aniversário da retirada militar israelita, sob fogo do Hezbollah.

O mais recente actor no campo de batalha sírio, depois de esquadrões de jihadistas da Chechénia à Tunísia, passando pela Bélgica, Kosovo e França, bem como dos Mujahedin Khalq, um grupo de oposição islamo-marxista iraniano, e o clã Hariri, o Hezbollah destruiu a estratégia islamo-atlantista, esmagando os seus antigos camaradas de armas, os soldados perdidos do Hamas, na memorável batalha dos túneis de Qussyar: “Pelos seus brilhantes desempenhos não só em Qusayr, Latakia e Homs, mas também na sua contribuição para a defesa da base aérea de Menagh (norte da Síria), Hassan Nasrallah mereceu bem o título de “Senhor da Resistência”, admitiu o site nasserita do Cairo.

§  CF. Hassan Nasrallah, Senhor da Resistência http://www.al-akhbar.com/node/190273

Invencível até hoje, artífice de duas retiradas militares israelitas do Líbano sem negociação nem tratado de paz, firme apoiante do Hamas face às ofensivas israelitas, o Hezbollah continua a ser, a contragosto, o maior fenómeno político-militar da história árabe contemporânea; o último dique de contenção face ao grande naufrágio árabe, ganhando assim o invejado título de “sentinela da independência libanesa”.

Sem palácio, nem limusina, dedo no gatilho com Israel na mira

Sem palácio, nem limusina, incorruptível num mundo que se alimenta de petrodólares, esta figura de destaque do mundo árabe muçulmano impõe o respeito dos seus interlocutores pela contenção do seu comportamento, pelo seu sentido de humor e pela sua credibilidade inabalável, a sua imagem de marca, o seu viático para a eternidade. “Al Wahd al Sadeq”, a ‘promessa sincera’, será uma promessa cumprida.

Em 2007, deu a demonstração mais marcante da sua fiabilidade ao conseguir a libertação do prisioneiro árabe mais velho de Israel, o druso libanês Samir Kintar, na maior operação de troca de prisioneiros de sempre, que levou também à devolução dos restos mortais de Dalal Moughrabi, um combatente da resistência palestiniana morto durante uma operação de comando dentro do território israelita.

Nenhum porto, nenhum aeroporto, nenhuma estrada, nenhuma auto-estrada, nenhum beco ou faixa presta homenagem ao homem que fez parte do destino do Líbano e do mundo árabe, uma figura-chave na ordem regional. Nenhum monumento, nenhuma obra humana para imortalizar a passagem deste homem pela terra. Nenhum traço, nenhum outro que não seja o que a história reservará a este homem cuja travessia bem sucedida das Termópilas, no Verão de 2006, no Sul do Líbano, no campo de honra da resistência, reacendeu a busca do mundo árabe para recuperar a sua dignidade.

Oitocentos dos seus próprios cidadãos pereceram nesse Verão, de armas na mão, para que o Líbano pudesse continuar a viver na sua integridade territorial e na sua soberania nacional e para que a exigência nacional palestiniana de um Estado independente pudesse manter-se viva.

Não se percam mais uma vez em pesquisas fúteis: “O Islão das Luzes” é ele e não a coorte das monarquias obscurantistas do petróleo do Golfo.

Também não se deixem enganar pelos borbulhadores ocidentais: o “Islão moderno” é ele e não essa coorte de ditadores burocráticos libidinosos com tendências dinásticas.

Ele é o novo líder de um nacionalismo árabe revigorado que vocês tentam desmantelar há meio século; ele é o xiita minoritário num mundo árabe predominantemente sunita, o digno herdeiro do sunita Nasser; ele é a sentinela da independência libanesa.

Ele, e não o verdadeiro peru do caso afegão, Osama Bin Laden, celebrado por vós durante uma década inteira como “combatente da liberdade” por ter desviado 50.000 combatentes e vinte mil milhões de dólares para disparar contra os russos no Afeganistão, a milhares de quilómetros do principal campo de batalha, a Palestina.

Ele, o ídolo dos jovens e dos menos jovens, ele, o teólogo da libertação sem sucessor predestinado, ele, Hassan Nasrallah, o indomável, o homem que nunca fez um pacto com os seus inimigos, nem com os inimigos dos seus inimigos.

Ele, cujo único foco é Israel, e cujo olhar e gatilho nunca se desviarão dele por qualquer outra das vossas miragens incertas, por qualquer outro dos vossos alvos incertos, por nenhum outro alvo, por nenhum outro objetivo que não seja a libertação do solo nacional e a garantia do espaço nacional árabe.

Para ir mais longe

Do Grande Médio Oriente ao Novo Próximo Oriente ou a história de uma loucura vulgar. Por Roger Naba'a, académico e filósofo libanês, em “Liban: chroniques d'un pays en sursis”, em co-autoria com Roger Naba'a e René Naba, Éditions du Cygne, 2007.

 

Fonte: Hezbollah: Hassan Nasrallah, la «sentinelle de l’indépendance libanaise» – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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