Tomar o poder ou
apoderar-se da fábrica? Il Soviet, 22 de Fevereiro de 1920
O texto que se segue é um momento
importante da luta da esquerda marxista contra a tendência representada por
turnos pelo Anarquismo no tempo de Marx e Engels, pelo Economismo no de Lenine,
depois pelo conselhismo dos anos 1930 até aos nossos dias. Quando foi
publicado, a "tendência apolítica" estava expressa na revista de
Gramsci, Ordine Nuovo, entre outros, e baseava-se no movimento dos conselhos operários
que se desenvolvia na época em Itália. Não temos dúvidas de que estas questões
se colocarão – já surgem quando uma luta importante procura organizar-se – e
que a mesma luta terá de ser liderada pelos comunistas – os principais grupos
da esquerda comunista já a tinham de liderar contra a fetichização da
"auto-organização" como no movimento dos "indignados" em Espanha.
Tomar o poder ou apoderar-se da fábrica? Il
Soviet, 22 de Fevereiro de 1920, Vol.III, No.7.
Os distúrbios da classe operária dos
últimos dias na Ligúria viram mais um exemplo de um fenómeno que há já algum
tempo se repete com alguma frequência e que merece ser examinado como sintoma
de um novo nível de consciência entre as massas operárias.
Em vez de abandonarem os seus postos de
trabalho, os operários assumiram, por assim dizer, as suas fábricas e
procuraram operá-las em benefício próprio, ou mais precisamente sem a presença
dos gestores de topo na fábrica. Acima de tudo, isto indica que os operários
têm plena consciência de que a greve nem sempre é a melhor arma a utilizar,
especialmente em determinadas circunstâncias.
"Consigli di Fabbrica" em Itália, 1920
A greve económica, através do dano
imediato que inflige ao próprio operário, deriva a sua utilidade como arma
defensiva para o operário do dano que a paralisação inflige ao industrial,
cortando a produção que lhe pertence.
Esta é a situação em condições normais
na economia capitalista, quando a concorrência e a redução de preços forçam um
aumento contínuo da própria produção. Hoje, os aproveitadores da indústria, em
particular da indústria da engenharia, estão a emergir de um período excepcional
em que foram capazes de acumular enormes lucros com um mínimo de esforço.
Durante a guerra, o Estado forneceu-lhes matérias-primas e carvão e, ao mesmo
tempo, agiu como comprador único e confiável. Além disso, através da
militarização das fábricas, o próprio Estado comprometeu-se a impor uma
disciplina rigorosa às massas operárias. Que condições mais favoráveis poderiam
existir para um lucro gordo? Mas agora estas pessoas já não estão dispostas a
lidar com todas as dificuldades decorrentes da escassez de carvão e de
matérias-primas, da instabilidade do mercado e da fragilidade das massas operárias.
Em particular, não estão dispostos a suportar lucros modestos que são
aproximadamente os mesmos ou talvez um pouco abaixo do seu nível pré-guerra.
É por isso que não estão preocupados com
greves. Na verdade, acolhem-nas positivamente, ao mesmo tempo que proferem
alguns protestos contra as reivindicações absurdas e a insaciabilidade dos operários.
Os operários compreenderam isso e, através da sua acção de tomar conta da
fábrica e continuar a trabalhar em vez de atacar, estão a deixar claro que não
é que não tenham vontade de trabalhar, mas que não têm vontade de trabalhar
como os patrões lhes dizem. Não querem mais ser explorados e trabalhar em
benefício dos patrões; querem trabalhar em benefício próprio, ou seja, apenas
no interesse da mão de obra.
Esta nova consciência, que emerge mais
claramente a cada dia, deve ser tida na mais alta consideração; No entanto, não
gostaríamos que fosse desviado por vãs ilusões.
Há rumores de que os conselhos de
fábrica, onde existiam, funcionavam assumindo a gestão das oficinas e
continuando os trabalhos. Não gostaríamos que as massas operárias se
apropriassem da ideia de que tudo o que precisam fazer era tomar conta das
fábricas e livrar-se dos capitalistas, seria criar conselhos. Seria, de facto,
uma perigosa ilusão. A fábrica só será conquistada pela classe operária – e não
apenas pela força de trabalho nela empregada, que seria muito fraca e não
comunista – depois que a classe operária como um todo tiver tomado o poder
político. Se não o fizer, a Guarda Real, a polícia militar, etc. – ou seja, o
mecanismo de força e opressão de que a burguesia dispõe, o seu aparelho de
poder político – farão com que todas as ilusões sejam dissipadas.
Seria melhor que essas aventuras
intermináveis e inúteis que esgotam diariamente as massas trabalhadoras fossem
todas canalizadas, fundidas e organizadas num grande e abrangente surto visando
directamente o coração da burguesia inimiga.
Só um partido comunista deveria e seria
capaz de levar a cabo um tal empreendimento. Neste momento, tal partido não
deveria e não teria outra tarefa senão a de dirigir toda a sua actividade no
sentido de tornar as massas operárias cada vez mais conscientes da necessidade
deste grande ataque político - a única via mais ou menos directa para a tomada
da fábrica, que, se for tomada por qualquer outra via, pode nunca cair nas suas
mãos.
Bordiga, "prendrere la fabbrica o prendere il
potere?".
Fonte: Seize Power or Seize the Factory? Il Soviet, 22 February 1920 - Révolution ou Guerre
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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