ACORDOS DE ÉVIAN 18 de Março de 1962 |
15 de Outubro de 2024 René Naba
RENÉ NABA — Este texto é publicado em
parceria com www.madaniya.info.
“De
tanto nos matarmos uns aos outros, um dia acabaremos por falar apenas com os
mortos”. Estas foram as palavras de Ammy Simane, cujo retrato é a capa do livro
de Kamar Idir sobre o trauma psiquiátrico sofrido pelos argelinos em Marselha.
Este artigo foi publicado por ocasião do 56º aniversário dos Acordos de Evian, de 18 de Março de 1962, que puseram fim a sete anos de guerra colonial francesa na Argélia e conduziram à independência do país após 130 anos de colonização. Um olhar retrospectivo sobre um aspecto pouco conhecido desta tragédia.
1 – 80 % dos pacientes internados em estabelecimentos
psiquiátricos de Marselha são argelinos
Há um número que resume o trauma psiquiátrico sofrido pelos argelinos em
Marselha e que dispensa comentários: 80% dos pacientes que frequentam os
estabelecimentos psiquiátricos de Marselha são argelinos, resultado das
convulsões da história, da conquista colonial, dos problemas pós-independência,
da aculturação, da despersonalização, do fedor da vida, da fragilidade humana e
da lei de ferro do capitalismo desenfreado.
Em dezassete retratos, Kamar Idir, autor de “D'une vie à l'autre: Des vies
fragiles” (Édition La FRACHI) (1), oferece-nos um panorama impressionante da
miséria destes ‘condenados do exílio’, ”que ficaram retidos nos passeios, nos
dormitórios ou nos buracos infernais da cidade de Marselha; Homens cuja única
casa é a rua, um abrigo para os sem-abrigo, uma ocupação ou, na melhor das hipóteses,
um hotel miserável”, como diz Fathi Bouaroua, Director Regional PACA da
Fundação Abbé Pierre, co-editor do livro.
Desde as grutas cheias de fumo, aquando da conquista colonial, até ao
massacre de 40. 000 argelinos em Sétif, cem anos mais tarde, a 8 de Maio de
1945, dia da vitória dos Aliados na 2ª Guerra Mundial; da “carne para canhão”,
para “fazer suar os queimados”, da deportação para a Nova Caledónia, às
deportações durante a guerra da Argélia da ordem dos dois milhões de pessoas
(2), aos espancamentos (“ratonnades” ou espancamento sobre uma minoria racial –
NdT) e à tortura, poucos argelinos saíram ilesos deste processo secular de
aculturação e despersonalização.
A acrescentar a este quadro sombrio, a discriminação etno-religiosa causada
pelo Decreto Crémieux, que concedia a cidadania francesa aos judeus autóctones
da Argélia, mas a negava aos nativos muçulmanos, bem como o terrorismo da OEA
como ramo final da Independência, explicam indirectamente o grande êxodo de
franceses da Argélia.
O terrorismo da Organisation de l'Armée Secrète (Organização do Exército
Secreto), comandada na altura pelo General Raoul Salan, antigo
Comandante-em-Chefe da Argélia, provocou a morte de mais de 2.200 civis e
militares. As “nuits bleues” (noites azuis), múltiplas explosões nos quatro
cantos de Argel, atingiram o seu auge em Janeiro e Fevereiro de 1962, visando
personalidades e jornais comunistas.
Na Argélia, a partir de Maio de 1961, até 350 explosões por mês abalaram a
capital. O assassinato, a 15 de Março de 1962, alguns dias antes do
cessar-fogo, de seis dirigentes de centros sociais educativos, permanecerá como
um dos exemplos deste terrorismo cego, cuja acção foi aprovada pela maioria da
população europeia da Argélia.
Este comportamento fez aumentar o fluxo de repatriados para o sul de
França, a ponto de criar um forte “lobby dos pieds noirs”, o único país do
mundo, entre as antigas potências coloniais europeias, a ter um grupo de
pressão de antigos colonos, viveiro da extrema-direita francesa.
A elevada taxa de psiquiatria na Argélia - quatro vezes superior à dos
doentes de outras nacionalidades, nomeadamente do Magrebe - explica-se
facilmente pela duração da colonização francesa na Argélia (130 anos) e pela
dureza desta colonização, com o código do indigena e uma guerra de libertação
de seis anos; a isto junta-se o suave ostracismo que afecta a comunidade
argelina em Marselha - cerca de 250. 000, ou seja, um quarto da população da
cidade, mas cuja presença maciça permanece invisível, apesar da presença de um
grande número de académicos, empresários, artistas e actores da sociedade civil.
Combinada com a sua sobre-exploração, num destino comparável ao dos
Chibanis - trabalhadores imigrantes velhos, mal pagos, sem protecção social e
sem abrigo - esta perda de orientação tem sido fatal para muitos emigrantes
argelinos em França. Um fenómeno amplificado pela sua precariedade e exclusão
social, que acaba por conduzir à sua desestruturação e alienação.
Poucas pessoas no mundo terão vivido tais provações com tanta serenidade e
bonomia. Poucos saberão “manter a cabeça” durante este percurso caótico, cheio
de ruído e fúria.
Um factor agravante é o estado precário dos cuidados psiquiátricos em
Marselha. O parente pobre dos cuidados de saúde em França, esta especialidade
tem vindo a pagar, desde há anos, um preço elevado pelos cortes nas despesas de
saúde.
“Muito simplesmente porque a psiquiatria é o sector onde é mais fácil fazer
poupanças”, analisa o professor Christophe Lançon, chefe da unidade de
psiquiatria do Sul de Marselha, que aponta também a falta de opção política.
Embora as alternativas à hospitalização tenham sido encorajadas desde os anos 60, a fim de romper com o confinamento e a psiquiatria “asyline”, faltam recursos. Muitas vezes, são necessários vários meses para conseguir uma marcação para um centro de dia.
§ http://www.laprovence.com/article/edition-marseille/4605018/labandon-insense-des.html
A relação entre Marselha e a imigração argelina é curiosa, funcionando
segundo o princípio da atracção-repulsão, o que, por vezes, dá crédito à ideia
de Marselha como a 49 me Wilayas da Argélia.
Para o provar, basta ver o número de candidatos a cargos políticos. Com
excepção de Samia Hallali, a senadora do PS de Marselha, todos os candidatos ao
sufrágio universal neste departamento eram, até às eleições legislativas de
2017, candidatos suplentes, angariando votos junto do eleitorado norte-africano
num papel auxiliar, uma reminiscência longínqua dos auxiliares harki do
exército francês na Argélia.
Não um papel decisivo, de decisão, mas um papel subordinado, figurativo. Era como se um tecto de vidro pairasse sobre todos os candidatos a cargos electivos provenientes da população imigrante de cor (árabes, africanos, indianos ocidentais), apesar da vitalidade e criatividade da população basca.
2 – As vítimas do colonialismo tratadas por profissionais neo-coloniais.
No caso da psiquiatria, a grande maioria dos clínicos dos estabelecimentos
psiquiátricos de Marselha eram originários da Argélia francesa, “pieds noirs”
transplantados para Marselha na sequência do êxodo argelino pós-independência e
dedicados ao tratamento de argelinos.
Muitos deles já estavam a trabalhar em Blida, a maior clínica psiquiátrica
da Argélia, imortalizada pelo psiquiatra martinicano Frantz Fanon, companheiro
de viagem da Revolução Argelina e autor do memorável livro Les Damnés de la
Terre (Os Desgraçados da Terra).
Esta situação surrealista levou um observador astuto a descrever a
incongruência com a frase desiludida de que “as vítimas do colonialismo estão a
ser tratadas por médicos neo-colonialistas”.
De facto, os clínicos aproveitaram este afluxo para aprofundar os seus conhecimentos
sobre os traumas mentais, na medida em que a perícia terapêutica adquirida
neste domínio serviu de apelo a muitos pacientes do Magrebe que não hesitaram
em enfrentar o mar na tentativa de encontrar abrigo para o seu sofrimento ou,
mais simplesmente, para aliviar os seus tormentos reais ou supostos.
Um motivo de orgulho para os nostálgicos do Império francês e uma fonte de desolação para muitos argelinos obrigados a confiar a sua psique aos seus antigos colonizadores. Uma perversão absoluta.
3- “ Palavras para curar os males ” ou a lenta viagem do exílio à psiquiatria
O livro é uma descrição do lento percurso do exílio à psiquiatria. Em 17
quadros e outros tantos relatos pessoais, num total de cerca de uma centena, o
autor propõe-se “curar os males com a palavra”, centrando o seu trabalho em
três períodos fulcrais da história da Argélia: a Guerra da Independência
(1954-1962), a Década Negra (1989-2000) e a época contemporânea.
O autor da presente resenha seleccionou três casos emblemáticos desta deriva. Os restantes testemunhos serão incluídos no documentário que será lançado com o livro no Outono de 2017.
A – Ammy Slimane (Tio Slimane).
Membro do grupo do general Bellounis (3), defensor acérrimo de Messali
Hadj, pioneiro da independência argelina, hostil tanto à FNL (Frente Nacional
de Libertação) como ao exército francês, Ammy Slimane recusou, aquando da independência,
tanto a nacionalidade francesa, “a nacionalidade do colonizador”, como a
nacionalidade argelina, “a nacionalidade do Estado da FLN”.
Apátrida, rompeu os laços com a sua pátria e acabou em Marselha, porta de
entrada para a Europa, mas também, para muitos, local de descarrilamento da
vida. De errante a desviado, este homem piedoso, mas psicologicamente rígido e
intratável, sem recursos, encontrou-se, em 2010, na UHE de Marselha (Unité
d'hébergement en urgence), uma agência responsável pelo alojamento de pessoas
em grande perigo. O alojamento é assegurado das 18h00 às 8h00 do dia seguinte.
Durante o dia, Ammy Slimane acampa na zona soalheira em torno do Vieux Port e
do Mucem.
Uma dádiva de Deus nos dias de sol; uma maldição nos dias em que sopra o mistral. Aos oitenta anos, o homem só tem como companhia as suas recordações, que repete vezes sem conta, e o seu eterno solilóquio. Tudo isto com drogas pesadas e álcool forte, consumidos e absorvidos ao longo de quarenta anos de vida nómada na metrópole de Fócae,
B- Ammy Ahmad
Antigo combatente na zona de Oujda, sob o comando de Abdel Aziz Bouteflika, actual Presidente argelino, e então Comandante si Abdel Kader, Ammy Ahmad também rompeu as fileiras na sequência de um conflito com os seus superiores. Foi colocado num posto diplomático no norte de França antes de se encontrar no cais do Vieux Port de Marselha e nos rigores da vida de rua.
C- H’Mida.
Um “grande alcoolizado”, para usar a gíria médica, que procurava afogar as
feridas da sua alma e do seu corpo no álcool e no esquecimento.
Com o passar dos dias, com grandes goles de álcool intercalados com
baforadas aveludadas de ervas de todo o mundo, este antigo quadro de uma
empresa argelina, habituado a frequentar cursos de formação profissional em
França, viu-se sob cuidados médicos em Marselha, recebendo o Cotorep, o
subsídio para adultos deficientes, com a obrigação de frequentar aulas
semanais. O subsídio, no valor de 810,89 euros por mês, não está sujeito a
imposto sobre o rendimento. É o suficiente para o manter entre as consultas de
psiquiatria, e a lei da selva nas ruas de Marselha é-lhe indulgente. À mercê dos chefes da droga..
4 – Kamar Idir
Kamar Idir, fotógrafo e locutor de rádio, vive e trabalha em Marselha desde
1993, onde foi impelido pela violência da “década negra” argelina. Desde então,
trabalha na Radio Galère, onde tem sido um observador privilegiado do mal-estar
argelino.
Para produzir o seu 4º livro, “D'une rive à l'autre: Des vies fragiles”, o
autor passou um ano com “Les entendeurs de voix”, na companhia do psiquiatra
Thomas Bossetti. As sessões decorriam todas as quartas-feiras, das 14h00 às
16h00, com o animador a introduzir os “doentes psiquiátricos” na poesia slam,
com uma aparição na rádio uma vez por mês, na última quinta-feira. Às
sextas-feiras, dirige um atelier para “mulheres com problemas de alcoolismo e
toxicodependência”, ajudando-as a tomar as rédeas da sua vida através da
apresentação de uma variedade de empregos.
Às quintas-feiras, apresenta o programa “Harragas” sobre os aspirantes a
exilados, na Radio Galère; um programa em que o signatário deste texto
apresenta uma revista de imprensa de trinta minutos intitulada “Revista de
imprensa Halal sobre assuntos Haram”, dedicada a tratar dos pontos cegos da actualidade
internacional.
Reincidente, Kamar Idir é autor de dois livros publicados pela ART Tribales
e produzidos conjuntamente por Kamar Idir (fotografia) e Dominique Carpentier
(texto):
“Présence invisible: Une histoire de l'émigration
algérienne à Marseille dans la période post-coloniale”.
-Brûlez moi, comme ça je peux chanter“ Fantasmes et
réalités autour d'une immigration comme les autres” (livro antologia sobre os
ciganos).
“As mulheres do exílio”, publicado por La Franchi.
Para ir mais longe sobre este assunto:
5- Enquanto negação dos princípios fundadores da República Francesa, o
colonialismo é um crime contra a humanidade.
Os factos angustiantes acima referidos não devem obscurecer o debate. Longe
de ser um exercício de flagelação, este artigo não é sobre polémica, mas sobre
a verdade histórica.
Atrevemo-nos a dizê-lo: A colonização foi um exemplo perfeito de “crime
contra a humanidade”, em particular a colonização francesa em África e, mais
especificamente, a colonização francesa na Argélia, cujos estragos ainda hoje
se fazem sentir através dos efeitos corrosivos a longo prazo do Código
Indigénat e do fenómeno de aculturação que gerou entre a população argelina.
Não se trata de um exercício demagógico, nem de um caso de populismo
bem-humorado, que é, de facto, um jogo limpo neste tipo de manifestação. O seu
objectivo é contribuir para a clarificação semântica e psicológica do debate
pós-colonial, rastreando os aspectos não ditos da consciência nacional através
de uma viagem aos meandros do imaginário francês. Nem populismo, nem demagogia,
nem difamação.
Mas a aplicação da análise de conteúdo a constatações que, embora concisas,
não são de modo algum sumárias ou rudimentares. Em suma, uma terapia de electrochoque.
Uma viagem que revela os pressupostos de um povo, as fontes psicológicas de uma
nação e a compleição mental dos seus dirigentes.
- O tríptico republicano (Liberté, Égalité, Fraternité), o mito fundador do excepcionalismo francês posto à prova pela colonização.
A) – A liberdade :
A colonização é a negação da liberdade. A colonização não é, longe disso,
“o desenvolvimento das riquezas de um país transformado em colónia”, segundo a
definição mais recente do diccionário “Le Petit Robert” Edição -2007.
Liberdade e colonização são diametralmente opostas. Porque a colonização é
a exploração de um país, a pilhagem das suas riquezas, a escravização da sua
população em benefício de uma Metrópole para a qual é, de facto, um mercado
cativo, o reservatório das suas matérias-primas e o escoamento do seu excedente
demográfico, da sua mão de obra e da sua sobrepopulação, a roda reguladora do
seu desemprego.
Contrariamente aos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade -
princípios fundadores da Revolução Francesa - a colonização é o coveiro do
ideal republicano. Isto apesar de figuras francesas ilustres como Léon Blum, a
consciência moral do socialismo, já celebrarem os seus benefícios como um dever
de levar a civilização aos povos primitivos. O famoso “direito de nascença” da
França em relação aos povos que tinha declarado “menores”.
Transposta para o debate actual, a retórica de Léon Blum é comparável à da
antiga consciência da Nova Esquerda francesa, o filósofo André Glucksman, que
apresentou a invasão americana do Iraque, em 2003, como uma contribuição
ocidental para a instauração da democracia em terras árabes e não como uma
tomada americana dos campos petrolíferos desse país. Uma posição retomada pelo
seu filho e pelo seu sucessor na impostura Raphaël Glucksman sobre a Síria.
O “fardo do homem branco”, teorizado pelo inglês Kipling, é um álibi cómodo, o tema recorrente de todas as aventuras predadoras do mundo ocidental.
B) – A Igualdade :
A excepção francesa é uma singularidade: o primeiro país a ter
institucionalizado o terror como modo de governo, com Maximilien de
Robespierre, no âmbito da Revolução Francesa (1794), a França seria também o
primeiro país a inaugurar a pirataria aérea, em 1955, com o desvio do avião dos
líderes históricos do movimento independentista argelino Ahmad Ben Bella,
Mohamad Khider, Mohamad Boudiaf e Krim Belkacem), dando assim o exemplo aos
militantes do Terceiro Mundo que lutam pela sua independência.
A reincidência na singularidade é também uma característica da excepção
francesa: de facto, este país jacobino, igualizador e igualitário também se
destacou por ser o único país do mundo a ter oficializado o “gobino-darwinismo
legal”, a ter codificado na lei “a teoria da desigualdade das raças”, uma
codificação realizada indiscriminadamente para promover não a igualdade, mas a
segregação.
O “país dos direitos humanos” e das modernas compilações jurídicas - o
Código Civil e o Código Penal - é também o país da codificação discriminatória,
o país da codificação da abominação: o país do “Código Negro” da escravatura,
sob a Monarquia, do “Código Indígena” na Argélia, sob a República, que se
concretizaria com as “exposições etnológicas”, Estes “jardins zoológicos
humanos” foram criados para fixar no imaginário colectivo dos povos do Terceiro
Mundo a ideia da inferioridade permanente dos “povos de cor” e, por extensão,
da superioridade da raça branca, como se o branco não fosse uma cor, mesmo que
fosse imaculado, o que está longe de ser o caso.
Ora, este princípio de igualdade é um dos princípios fundadores da
República, consagrado como um bem comum da nação desde há dois séculos. Porque
é que ninguém pensou em pô-lo em prática antes? Parece que o laicismo, esse
conceito único no mundo, só foi forjado para servir de cortina de fumo ao
chauvinismo recorrente da sociedade francesa.
Os chocalhos oferecidos ocasionalmente, não aos mais merecedores mas aos mais dóceis, como prémio de consolação, longe de atenuarem esta política discriminatória, sublinham a sua total contradição com a mensagem universalista da França. Expõem-na a uma dolorosa reacção negativa.
C) – Fraternidade :
A Bougnoule, a marca da estigmatização absoluta, o símbolo da ingratidão
absoluta.
Pode ter havido confraternização nos campos de batalha, mas nunca houve
fraternidade. Nunca no mundo um país foi tão devedor ao povo basco pela sua
liberdade e, no entanto, nunca no mundo um país reprimiu tão compulsivamente os
seus aliados coloniais, a quem deve a sua sobrevivência como grande nação.
Não há Fraternidade, mas sim estigmatização, discriminação, repressão em
abundância e, por último, mas não menos importante, a “cristalização das pensões
dos veteranos”, que, apesar da linguagem complicada, é, em rigor, um salário
étnico, iníquo e cínico.
Duas vezes no mesmo século, fenómeno raro na história, estes soldados da
frente, vanguardas da morte e da vitória, terão sido arrastados para conflitos
que lhes eram, etimologicamente, totalmente estranhos, para uma “querela de
brancos”, antes de serem atirados, numa espécie de catarse, para as trevas da
inferioridade, devolvidos à sua condição subalterna, gravemente reprimidos logo
após o cumprimento do seu dever, como aconteceu repetidamente, para não ser
coincidência, em Sétif (Argélia) em 1945, cruelmente no dia da vitória dos
Aliados na Segunda Guerra Mundial, no campo de Thiaroye (Senegal) em 1946, e em
Madagáscar em 1947, sem dúvida como represália pela sua contribuição para o
esforço de guerra francês..
Para
ir mais longe sobre este tema :
§
http://www.madaniya.info/2016/05/12/de-repentance-a-minima-pour-solde-de-tout-compte/
Note-se que na Grã-Bretanha, ao contrário da França, a contribuição
ultramarina para o esforço de guerra britânico foi de carácter paritário, com o
grupo de países anglo-saxónicos pertencentes à população Wasp (White Anglo
Saxon Protestant) - Canadá, Austrália e Nova Zelândia - a fornecerem um número
de tropas sensivelmente igual ao dos povos de cor do Império Britânico
(indianos, paquistaneses, etc.).
Isto conduziu à proclamação da independência da Índia e do Paquistão em
1948, no final da guerra, ao contrário da França, que se lançou em dez anos de
guerras coloniais ruinosas (Indochina, Argélia).
A afirmação pode parecer peremptória, e não sejamos maliciosos, mas
corresponde à realidade histórica: a fractura comunitária já existia em França
no espírito das autoridades e dos cidadãos do país de acolhimento muito antes
de se concretizar no espírito dos migrantes.
Ao transpor o modelo colonial para a França metropolitana, os imigrantes em
França foram durante muito tempo vistos como nativos, o que, paradoxalmente,
fez dos imigrantes, os nativos daqueles que são etimologicamente nativos,
cómodos empregados domésticos, cuja expatriação lhes assegurava a subsistência
e, consequentemente, os obrigava a ter uma dívida de gratidão para com o país
de acolhimento.
6- A França, o “Pátria da Declaração dos Direitos do Homem” e não a “Pátria
dos Direitos do Homem”.
Longe de ser a “Pátria
dos Direitos do Homem”, a França é, no máximo, a “Pátria da Declaração dos
Direitos do Homem”, para utilizar a expressão do antigo ministro socialista da
Justiça, Robert Badinter, arquitecto da abolição da pena de morte.
O título de “Pátria
dos Direitos do Homem” caberia a países com mais mérito neste domínio, como a
Suécia.
Quanto à França, carrega
as cicatrizes das violações dos direitos humanos que cometeu em nome dos
direitos humanos. Os residentes das instituições psiquiátricas da região de
Marselha são testemunhas silenciosas e dolorosas desse facto.
“A França não gosta de
ser confrontada com a factura da sua história. Prefere apresentar-se como o
ganso branco inocente que nunca foi. Não é assim que uma grande nação
sobrevive, mas respeitando os seus valores. Dizer isso é servir o seu país.
Negá-lo é ofendê-lo. Noël Mamère, antigo deputado ecologista. Ver “Não longe de
um paradoxo, a França reconhece o genocídio de . CF blogs.rue89.nouvelobs.com'
Rue89 ' Natal todo o ano.
Referências
1 - “De uma margem à outra, vidas frágeis” Fotografias e recolha de
palavras. Publicado por La Frachi. Produzido com o apoio
financeiro da Diretion régionale et départementale de la jeunesse, des sports
et de la cohésion sociale e da Fondation de l'Abbé Pierre, bem como da AMPIL,
Action méditerranéenne pour l'insertion par le logement. ISBN 978- 2- 9546- 761
1, Preço 18,00 euros
2- Deportados argelinos na Nova Caledónia: Cerca de dois mil argelinos
foram deportados para a Nova Caledónia. No total, 1.822 deportados foram
condenados pelo direito comum, muitos dos quais por actos de rebelião puníveis
pelo Código do Indigenato ou pela sua participação nas sucessivas revoltas que
a Argélia sofreu quando foi conquistada pela França. Os mais célebres,
incluindo 76 notáveis, são os deportados que lideraram e participaram nas
revoltas de 1870 e 1871 na Argélia, que começaram em Souk Ahras e se estenderam
a Borj Bou Arreridj, culminando na revolta de Mokrani na Cabília. Esta revolta
levou à deportação de todos os instigadores da revolta, nomeadamente das
famílias Rezgui e Mokrani.
Para mais pormenores sobre as pessoas deportadas durante a guerra da
Argélia, ver este link
http://www.les-crises.fr/quand-la-france-deportait-2-millions-d-algeriens/
3- Bellounis, militante messalista desde o início, este líder de um grupo
do MNA assinou um acordo com o exército francês entre Abril de 1957 e Março de
1958 para “pacificar” a Argélia, ou seja, livrar o país da ALN. Confrontado com
a ofensiva da FLN e com as repetidas acções do exército francês, o MNA estava
de costas voltadas para a parede. Só havia duas saídas: juntar-se ao exército
francês ou juntar-se à FLN. Hostil - para muitos militantes messalistas e
maquisards este era um eufemismo - aos “frontistas” e aos seus desígnios
hegemónicos, propôs às autoridades militares não uma mobilização, mas uma
espécie de trégua. E assim, Bellounis e o seu exército, a ANPA, recebem armas,
munições, dinheiro e medicamentos das autoridades francesas. Em contrapartida,
o auto-proclamado general comprometeu-se a lutar contra a FLN e a depor as
armas “só depois de o problema argelino estar resolvido”.
Na sua estratégia de criação de contra-maquis aos maquis da ALN, o exército
francês foi muito mais bem sucedido com Bellounis do que com o episódio dos
Iflissens Kabyle, que terminou em desastre para as autoridades coloniais em
1956 (ver Camille Lacoste-Dujardin, Opération oiseau bleu, La Découverte,
1997).
No início de 1958, o exército de Bellounis tinha passado de uma centena de
homens em Maio de 1957 para quase 8000, armados, treinados e, a acreditar no
autor deste documento, convencidos de que um dia seria necessário “voltar ao
Jebel” e retomar a luta pela independência, ou seja, pôr fim a este acordo, que
mais não era do que “suspender a luta contra a França”.
O exército de Bellounis respeitará os termos do acordo, mas apenas em
parte. As suas relações com as autoridades militares são marcadas pela
desconfiança e pela tensão, perceptíveis a partir de Setembro de 1957. As
pressões do exército francês continuaram e aumentaram, ao ponto de, em Março de
1958, Bellounis ter ordenado aos seus homens que voltassem a ocupar as
florestas.
Parece que o fracasso de Bellounis - morto em Julho de 1958 durante uma
escaramuça com uma unidade francesa - teve menos a ver com a reacção francesa,
que passou à ofensiva a 21 de Maio de 1958 contra um dos grupos de Bellounis,
do que com a incapacidade do “general” messalista de gerir politicamente os
frutos de uma estrutura militar que, inicialmente e no terreno, servia os seus
interesses. Nunca foi capaz de fazer frente ao bluff da direcção do MNA e de
Messali Hadj.
Fonte: https://les7duquebec.net/archives/231496
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice
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