27 de Outubro de
2024 ROBERT GIL
Pesquisa realizada por Robert Gil
ExtraCtos de ume op-ed por Michael Brenner (1) Estados
Unidos: hegemonia ou fracasso"
Os Estados Unidos fecharam-se num caminho que não permite desvios,
adaptações ou desacelerações. Tudo ou
nada: hegemonia ou Armagedão. Esta determinação inabalável cega-os para os
desenvolvimentos que alteram as hipóteses deste resultado. Estes
desenvolvimentos não estão a acontecer apenas na parte do mundo que pertence
aos BRICS. O desempenho vergonhoso da América como cúmplice dos crimes
hediondos cometidos contra os palestinianos dissolveu a posição dos Estados
Unidos no mundo como uma força moral, como um país de integridade e intenções
decentes. É o fim do soft power como costumava ser. É claro que os desejos de
Washington continuam a ser vistos como ordens autoritárias pelo seu círculo de
vassalos desnaturados, cujo grau colectivo de controlo sobre os seus próprios
assuntos, bem como sobre as palavras, está a diminuir ainda mais rapidamente do
que o do seu senhor.
Existe uma outra alternativa radical, baseada na convicção de que é possível desenvolver uma estratégia a longo prazo com o objectivo de manter laços cordiais com a Rússia e a China e de promover áreas de cooperação. Esta estratégia basear-se-ia no reconhecimento partilhado de que um compromisso mútuo de manutenção da estabilidade política e de desenvolvimento de mecanismos de prevenção de conflitos é do interesse de ambos a longo prazo. Esta ideia não é tão rebuscada como pode parecer à primeira vista.
O ponto de partida crucial para um tal projecto é um encontro de vontades entre Washington, Pequim e Moscovo - acompanhado de um diálogo com Nova Deli, Brasília e outros. Há razões para crer que as condições, objectivamente, são favoráveis a um empreendimento deste tipo desde há vários anos. No entanto, o Ocidente nunca o reconheceu, e muito menos o considerou seriamente - uma oportunidade histórica perdida.
O factor suficiente mais importante é o temperamento dos líderes chinês e russo. Xi e Putin são líderes raros. São sóbrios, racionais, inteligentes, muito bem informados, capazes de uma visão alargada e, embora dedicados a defender os seus interesses nacionais - sobretudo o bem-estar dos seus povos - não têm ambições imperiais. Para além disso, são chefes de Estado há muito tempo. Têm o capital político necessário para investir num projecto desta envergadura e alcance. Infelizmente, Washington não tem tido líderes com o mesmo carácter e talento.
As cimeiras de Bush, Obama, Trump ou Biden sempre se centraram em questões de detalhe ou instrucções sobre o que o seu homólogo deve fazer para se conformar com a visão do mundo americana. Em ambos os casos, é uma perda de tempo valioso em comparação com o imperativo de promover uma perspectiva mundial comum a longo prazo. Para iniciar um diálogo sério, seria sensato que um presidente com qualidades de estadista se sentasse sozinho com Putin e Xi e lhes perguntasse: "O que é que quer, presidente Putin/presidente Xi? Como vê o mundo daqui a 20 anos e o lugar do seu país neste mundo? Estariam dispostos a dar uma resposta articulada? Putin, certamente. É exactamente isso que ele propõe desde 2007, em várias ocasiões, pessoalmente ou nos seus escritos. Em vez disso, ele foi rejeitado e, desde 2014, tem sido tratado como um pária ameaçador que deve ser difamado e insultado pessoalmente.
Eis a opinião de Barack Obama: o
presidente russo é um homem "fisicamente comum", comparado
com os "chefes de bairro duros e astutos que dirigiam a máquina de Chicago".
Este comentário, retirado do primeiro volume das memórias de Obama (2), diz
mais sobre o seu próprio ego, inflado e vulnerável, do que sobre o carácter de
Putin. Na verdade, é a máquina de Chicago, bem como o dinheiro e o incentivo da
rede Pritzker (3), o que
fez de Obama o que ele se tornou. O resultado é que Putin e Xi parecem
perplexos sobre como lidar com os seus homólogos ocidentais incompetentes que
ignoram os preceitos básicos da diplomacia. Isto também nos deve preocupar – a
menos, é claro, que tencionemos travar a nossa "guerra" de forma
linear, prestando pouca atenção ao pensamento das outras partes
Há algo de enigmático no vitríolo (ácido sulfúrico – NdT)) que os seus
homólogos ocidentais lançam tão veementemente contra Putin. Esta atitude é
claramente desproporcionada em relação ao que ele fez ou disse, mesmo que se
distorça a história subjacente da Ucrânia. A condescendência de Obama sugere
uma resposta. No fundo, a sua atitude reflecte inveja no sentido em que
reconheceu inconscientemente em Putin alguém que lhe é claramente superior em
termos de inteligência, conhecimento das questões e da história contemporâneas,
eloquência, perspicácia política e – certamente – habilidade diplomática. Tente
imaginar um dos nossos líderes a imitar o desempenho de Putin, realizando
sessões de perguntas e respostas de três horas com a imprensa internacional ou
com cidadãos de todos os tipos, respondendo directamente, em pormenor, de forma
coerente e com boa graça. Biden? Trudeau?
Scholz? Sunak? Starmer? Macron? Von der Leyen? Kaja Kallis? Nem mesmo Barack
Obama, que nos serviria sermões enlatados numa linguagem de alto vôo que pouco
tem a ver com a realidade. É por isso que a classe política ocidental evita
assiduamente prestar atenção aos discursos e conferências de imprensa de Putin
– fora da vista, fora da mente. Ela prefere agir referindo-se à caricatura em
vez do homem real.
Hoje, na era da Ucrânia, o consenso rígido em Washington é que Vladimir
Putin é o epítome do ditador brutal – louco pelo poder, implacável e com apenas
um ténue controlo da realidade. De facto, tornou-se comum equipará-lo a Hitler,
assim como figuras importantes da elite do poder americano, como Hillary
Clinton e Nancy Pelosi, bem como "formadores de opinião" em
abundância. 203 laureados com o Prémio Nobel emprestaram mesmo o seu cérebro
colectivo e notoriedade a uma "carta aberta" cuja primeira frase
associa o ataque da Rússia à Ucrânia ao assalto de Hitler à Polónia em Setembro
de 1939.
Infelizmente, o argumento de que aqueles que tomam decisões cruciais em
matéria de política externa devem preocupar-se em saber do que estão a falar é
amplamente visto como radical, mesmo subversivo. No que diz respeito a Putin,
não há absolutamente nenhuma desculpa para tamanha ignorância sobre ele.
Apresentou as suas opiniões sobre a forma como a Rússia vê o seu lugar no
mundo, as suas relações com o Ocidente e as regras de um sistema internacional
desejado. Fê-lo de uma forma abrangente, historicamente esclarecida e mais
consistente do que qualquer outro líder nacional que conheço. Afirmações
arrebatadoras "somos o número um e sempre seremos – é melhor
acreditar" (Obama) não são o seu estilo. O facto é que alguém
pode ficar perturbado com as suas conclusões, duvidar da sua sinceridade,
suspeitar de correntes ocultas de pensamento ou denunciar certas acções. Mas
isso só tem credibilidade se alguém se interessou pelo homem com base nos
elementos disponíveis e não em caricaturas de desenhos animados. Do mesmo modo,
devemos reconhecer que a atitude da Rússia não é um espectáculo e que nos
compete ter em conta a realidade mais complexa da governação e da política
russas.
O presidente chinês, Xi, escapou da difamação pessoal a que Putin foi
submetido – até agora. Mas Washington não fez mais nenhum esforço para envolvê-lo
numa discussão sobre a forma futura das relações China-EUA e o sistema mundial
do qual eles estão destinados a ser os principais guardiões juntos. Xi é mais
esquivo do que Putin. Ele é muito menos directo, mais reservado e encarna uma
cultura política muito diferente da dos Estados Unidos ou da Europa. No
entanto, ele não é um ideólogo dogmático ou um imperialista sedento de poder.
As diferenças culturais podem facilmente tornar-se uma desculpa para evitar o
necessário estudo, reflexão e exercício estratégico imaginativo.
Observações:
(1) CF2R (Centro Francês de Pesquisa em Inteligência), Julho de 2024, op-ed
156: "Estados Unidos: hegemonia ou fracasso". (2) Uma Terra
Prometida, Fayard, 2020. (3) Uma família de bilionários americanos que tem
desempenhado um papel importante na vida política dos Estados Unidos durante
várias gerações.
Fonte: Une alternative est possible – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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