sábado, 4 de janeiro de 2020

SEM TRÉGUAS





Os Estados Unidos matam o general Suleimani em Bagdad no contexto da guerra aberta com o Irão, enquanto a Turquia se prepara para enviar tropas para a Líbia e a AMLO e Fernández tentam criar uma nova estrutura institucional para o conflito internacional na  América Latina… Este ano, não há trégua de Ano Novo. Resumo e análise da primeira semana de violência em 2020.

O general Qassem Suleimani, chefe da coluna AlQuds, a coluna da Guarda Revolucionária que é a verdadeira força expedicionária do imperialismo iraniano no Oriente Médio, morreu esta manhã num ataque aéreo americano no aeroporto de Bagdad. As promessas de vingança da Guarda Revolucionária "por todo o mundo" foram imediatas. A Guarda Revolucionária Iraniana é um órgão autónomo do Estado, reportando apenas ao "líder da revolução" que, no interior do país, reprime, tortura e massacra os grevistas e os abandona cruelmente e que, no exterior,  é a ponta de lança do imperialismo iraniano, agora através das forças locais que arma, treina e organiza, uma frente aberta do Líbano no Mediterrâneo a Hormuz e do Cáucaso ao Iemen.

A NOVA ROTA IRANIANA PARA O MEDITERRÂNEO, AGORA PASSANDO UNICAMENTE PELOS TERRITÓRIOS ALIADOS.

A nova escalada era previsível e havia sido anunciada pelo envio de novas tropas americanas e pelo cancelamento da viagem de Mike Pompeo à Ucrânia e Chipre, ainda mais assinaláveis por serem duas frentes muito "quentes". Como havíamos sublinhado nos nossos relatos semanais, a revolta iraquiana foi gradualmente capturada e explorada pelo jogo imperialista entre o Irão e os Estados Unidos através do recurso a milícias xiitas de ambos os lados. O incêndio no consulado iraniano em Kerbala, que matou três pessoas, teve como consequência vários atritos e ameaças que levaram ao ataque à embaixada americana por milicianos xiitas organizados pelo Irão.

Assim, a tendência para uma guerra aberta entre o Irão e o bloco árabe aliado aos Estados Unidos toma forma e deixa para trás os cálculos tranquilizadores da própria burguesia iraniana, que repetia que seria demasiado cara para os Estados Unidos uma guerra aberta, ao mesmo tempo que fortalecia constantemente as milícias xiitas locais que estavam próximas  dele no Iraque. A "racionalidade" imperialista não está sujeita a um cálculo de custo-benefício. O que caracteriza os conflitos imperialistas que terminam em guerra é que os ganhos e perdas do adversário são mais significativos do que os seu próprios para ambos os lados. Uma fase já alcançada há muito tempo pelas duas potências.

AS PALAVRAS DE ORDEM DOS TRABALHADORES DE HAFT TAPEH EXPRIMEM O IMPACTO SOBRE A POPULAÇÃO DO ESFORÇO DE GUERRA PERMANENTE DO IMPERIALISMO IRANIANO : « NÃO EXISTE COMIDA SOBRE A MESA”, “NÓS TEMOS FOME”
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Como havíamos sublinhado desde Setembro, logo que o Irão atacou refinarias sauditas e depois o Iraque : 



FRONTEIRAS MARÍTIMAS REIVINDICADAS PELA TURQUIA APÓS ACORDO QUE ESTABELECEU COM A LÍBIA



Porque, ademais, a tendência para a guerra não é algo localizado ou pontual, mas geral e global. Ontem, a Grécia, Israel e Chipre assinaram o acordo para monopolizar o gás do Mediterrâneo oriental, excluindo a Turquia, que votou no parlamento para enviar tropas para a Líbia. A Itália desapareceu do acordo do gás, enquanto a Turquia apoia o governo de Tripoli contra Haftar, apoiado pela Rússia, França, Emirados e Egipto. As frentes estão prontas e todos os ingredientes para uma guerra geral no Mediterrâneo estão reunidos.


Não é a única região que está a"aquecer", mesmo que os sinais estejam ainda hoje em níveis preocupantes. Na Coreia do Norte, Kim anunciou o fim da moratória nuclear e prometeu "acção chocante" contra os Estados Unidos; A China encontra uma crescente resistência entre os países da ASEAN ao seu controle do Mar da China Meridional e, mesmo no Ulster, as negociações para lançar o governo regional são susceptíveis de dar lugar aos primeiros surtos de violência política nacionalista.
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CHAVEZ, MORALES, LULA E CORREA NO TEMPO DA UNASUR.

Na América, o principal "problema" para o desenvolvimento do conflito é que os principais antagonistas regionais não podem entrar no grande jogo imperialista mundial senão da mesma maneira, compensando o poder económico americano com a China. Estrategicamente, o Brasil, a Argentina e até o México competem para se aliar à China e escapar ao controle americano, que se está a tornar cada vez mais coercivo ... o que não reduz as contradições regionais entre eles.
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Assim, as batalhas internas e internacionais cruzam-se e são tecidas continuamente, às vezes de maneira contraditória. Enquanto Lula reorganiza o bloco da aliança PT no Brasil, Alberto Fernández e AMLO recuperam a CELAC para dissolver o grupo Lima - e o Brasil - numa institucionalidade regional concebida para traçar - no estilo fulgurante da UnaSur - linhas ideológicas às Linhas de "bloco" na América do Sul.

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HONG KONG NO NOVO ANO


Mas se há nesta curta semana um exemplo visível do papel e do futuro que aguarda os trabalhadores do mundo inteiro, se eles não se afirmarem enquanto classe, é a China. Enquanto o governo militarizava e expropriara milhares de camponeses de Xinjiang para proletarizá-los e colocá-los a trabalhar na indústria, a revolta da pequena burguesia de Hong Kong começou o novo ano com uma demonstração de força nas ruas e a apelar a uma intervenção imperialista externa. Mas mesmo para conduzir uma cidade numa ameaça credível de guerra, os movimentos da pequena burguesia são impotentes sem antes enquadrar os trabalhadores. O slogan da semana foi, portanto, “ 工會! "(" Junte-se a um sindicato "). Os estudantes criaram 40 novos sindicatos e pediram aos trabalhadores que se juntassem a eles. Bater-se pelas suas próprias reivindicações? Claro que não. O facto de os aposentados terem que recolher cartão na cidade para sobreviver nunca os preocupou ou os moveu. Os novos sindicatos já nasceram com um programa "democrático", ou seja, um programa que coloca as necessidades dos trabalhadores em segundo plano, sujeitando-as a reivindicações de representação no poder político das classes médias locais.

 NÃO EXISTEM TRÉGUAS PARA OS TRABALHADORES

Em apenas três dias, foram-nos reveladas esta semana as chaves não somente para o próximo ano que agora começa, mas também para o período histórico em que nos encontramos. Aquela onde os trabalhadores aceitam seguir a revolta democrática da pequena burguesia, que é incapaz de se afirmar, mas acabará por enquadrá-los no conflito e na guerra imperialista. Ou, todavia, seja no Irão, na Turquia, na China, na América ou na Europa, onde os trabalhadores se afirmarem através de suas próprias lutas e palavras de ordem, o mecanismo infernal da guerra seja bloqueado.