quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Não se eleva a consciência de classe proletária nem se divulga o marxismo participando nas mascaradas eleitorais da burguesia!


Terça-feira, 26 de Fevereiro de 2024

No momento em que se aproximam mais mascaradas eleitorais da burguesia – as eleições legislativas que foram marcadas para o próximo dia 10 de Março de 2024 e as eleiçóes para a Assembleia Legislativa dos Açores (já realizadas), ambas precipitadas pela demissão dos respectivos governos, nacional e regional -  -, proponho a retoma da discussão  sobre a posição que um Partido Comunista deve adoptar face às eleições burguesas – sejam elas de que natureza forem, isto é, presidenciais, para a o parlamento ou autárquicas. Há ainda quem se reclame do marxismo que ainda formula e defende a ideia de que, em determinadas circunstâncias – mormente o risco de um quadro em que pudesse emergir um sistema fascista no país -, se justifica a participação do proletariado revolucionário nessas autênticas mascaradas eleitorais que a burguesia se encarrega de organizar para paralisar a sua luta e capturar a sua autonomia política, ideológica e organizativa. Para esses camaradas, deixo a interpretação deste trecho das “Teses da Urgeiriça”, escritas pelo meu saudoso camarada Arnaldo Matos:

Vivemos num planeta em que o imperialismo, estádio supremo e último do capitalismo, se mundializou e globalizou, ou seja, se tornou dominante ao nível local e ao nível geral.

É agora que se irão intensificar as guerras entre as grandes potências imperialistas. Qualquer dessas guerras tenderá a mundializar-se também, como está a suceder com a guerra imperialista pela conquista do petróleo e matérias-primas no Próximo e no Médio Oriente.

Essa guerra leva já mais de quarenta anos e a tendência é mundializar-se cada vez mais(como o comprovam a Guerra na Ucrânia e, mais recentemente, a guerra de genocídio levada a cabo pela ditadura fascista israelita na faixa de Gaza - NdT). Dessas guerras imperialistas acabarão por nascer as revoluções proletárias socialistas modernas, e que – essas sim – estão em condições de permitir a destruição do modo de produção capitalista e instaurar o novo modo de produção comunista.”

Ler aqui no jornal Luta Popular online:

https://www.lutapopularonline.org/index.php/partido/2620-7-de-novembro-aniversario-da-revolucao-de-outubro?fbclid=IwAR1SQLW1NW_3GjhWyc3RkmHIFjbA3UIGN0bwaMapjxjYk4B9gkRxLArUPrs

Ora, se concordamos com o que o camarada diz, isto é, que por “vivermos num planeta em que o imperialismo, estádio supremo do capitalismo, se mundializou e globalizou, ou seja, se tornou dominante ao nível local e ao nível geral”, e que, neste quadro, se irão “...intensificar as guerras entre as grandes potêncis imperialistas”, o que levará a que “...qualquer dessas guerras tenderá a mundializar-se também...”, das quais “...acabarão por nascer as revoluções proletárias modernas, e que – essas sim – estão em condições de permitir a destruição do modo de produção capitalista e instaurar o novo modo de produção capitalista”, temos de concordar com o que afirmou na sua palestra do 1º de Maio Vermelho de 2018, isto é, de que a nossa táctica é o estudo do marxismo e a nossa estratégia transformar essas guerras imperialistas em guerras cívis revolucionárias, não para instituir ou proteger a “democracia” (ou um regime “democrático”, ou “patriótico”) – ou sequer salvá-la – mas para “...instaurar o novo modo de produção comunista”.

A estratégia do proletariado revolucionário, dos comunistas, dos marxistas, não se deve focar, pois, em “salvar a sociedade” do fascismo ou de qualquer outro regime ditatorial, não é procurar alianças com uma camada da burguesia contra a outra, para evitar esse “desfecho”, mas sim preparar, educar a classe operária, para a inevitabilidade das guerras imperialistas e prepará-la para as transformar em guerras cívis revolucionárias. Não compreender isto é conduzir a classe operária para a armadilha da “luta contra o fascismo”, pela luta pela “democracia” que, em modo de producção capitalista é uma ditadura – ainda que “democrática” – burguesa, é conduzir a classe operária para onde, uma vez mais, servirá de carne para canhão para uma das facções da burguesia em contenda.

Para nos ajudar a compreender melhor a questão em debate, proponho-vos à reflexão várias das teses propostas por Robert Bibeau, o Editor da webmagazine Les 7 du Quebec. Teses que propôs em vários dos seus textos, sobretudo na excelente abordagem marxista contida no seu livro “A democracia nos Estados Unidos – as mascaradas eleitorais “, que passo a reproduzir.

Notas sobre a participação dos comunistas em eleições burguesas

Após a Grande Depressão dos anos trinta, várias esquerdas burguesas uniram-se como uma frente patriótica unida, frente democrática, frente republicana e frente popular e populista. Nesses tempos de estado de graça, os militantes de esquerda eram numerosos e tinham peso, o que não acontece agora, excepto para empurrar o proletariado indefeso para as urnas fúteis.

Existem muitas esquerdas, existem esquerdistas, esquerdas oportunistas (ao centro) e esquerdas reformistas (à direita do centro no espectro político burguês). Nos anos trinta, elas forjaram uma frente popular única com os partidos políticos da direita liberal democrática (sic) para impedir a ascensão da extrema direita qualificada na época como militarista (Japão, China), corporativista (Espanha, Portugal), fascista (Itália, Hungria) e nazi (Alemanha, Áustria). A Terceira Internacional Comunista de George Dimitrov e José Estaline trouxe o seu prestigioso apoio de “esquerda” a essas frentes populistas, patrióticas e chauvinistas unidas. Assim, o proletariado foi convidado a confraternizar com o inimigo de classe da esquerda pequeno-burguesa liberal, a fim de permitir-lhe reter o poder contra os seus amigos e concorrentes capitalistas "extremistas" de direita e totalitários, aliados para conter os avanços do proletariado revoltado.

Os comunistas e socialistas insinuaram então que o capital "liberal" é preferível ao capital "totalitário", intransigente, vingativo e belicista. Era esquecer que o capital tem apenas uma vocação, apenas um item na sua agenda, apenas um objectivo estratégico, aprimorar-se –reproduzir-se - e perpetuar-se ... ou morrer. A opção de guerras e crueldades nunca é rejeitada pela esquerda ou pela direita burguesa quando o vento da crise ameaça o navio. A Segunda Guerra Mundial iria confirmá-lo muito em breve.

Na verdade, para atingir este objectivo estratégico, o capital "liberal e totalitário" sabe que deve fazer concessões e às vezes lançar lastro e conceder algumas migalhas momentâneas aos trabalhadores proletarizados, enquanto por vezes terá que apertar o cinto dos seus assalariados, mostrar os dentes, fazer a guerra contra os seus concorrentes e exterminar milhões de assalariados excedentes, choramingando (à esquerda) ou vociferando (à direita), depende. É necessário entender bem que estas duas tácticas - a táctica liberal democrática eleitoralista burguesa e a táctica radical totalitária capitalista se complementam e se sobrepõem (Bad cop, Good cop). Entre esses dois pugilistas, a grande burguesia nunca se sente ameaçada no seu poder hegemónico, especialmente se a esquerda defender esse logro “frentista populista”.

Frente Unida do compromisso para apoiar a burguesia reformista.

A única coisa que pode variar consoante qual  a táctica,  branda, liberal, parlamentar, quer seja privilegiada ou a táctica dura, totalitária e ditatorial, é o nível de intensidade da repressão a que a classe proletária será submetida. A pressão exercida pela repressão é determinada por duas variáveis: a primeira diz respeito à profundidade da crise económica que atravessa o capitalismo, profundidade que determina a extensão dos sacrifícios que serão impostos às classes camponesa, proletária e pequeno-burguesa, carne para canhão e reféns das guerras imperialistas. Assim, durante a Primeira Grande Guerra, a intensidade dos sacrifícios impostos aos camponeses, proletários e pequeno-burgueses nas trincheiras da Europa foi muito grande, mas todos aqueles que conseguiram escapar da frente de guerra tiveram uma vida menos miserável e foi necessário o colapso da frente no leste e a fome generalizada para que a população russa se sentisse globalmente ameaçada pelos abusos da guerra. Ela reagiu então, rejeitando a guerra imperialista, que Lenine entendeu mais rápido do que Trotsky e os outros bolcheviques com o seu slogan "Pão, Terra, Paz" perfeitamente adequado aos milhões de mujiques camponeses que formavam as fileiras do exército e os povos famintos da Rússia czarista feudal e ainda não capitalista. Por outro lado, durante a Segunda Guerra Mundial, muito rapidamente as populações civis foram feitas reféns e postas à prova nesta guerra total, tanto quanto os militares nas frentes de confronto. Em 1939, no entanto, o número de camponeses declinou, compensado pelo aumento do número de proletários da Europa Ocidental, América do Norte e Japão, mas não chineses, onde os camponeses ainda formavam a maior parte do contingente, daí a táctica de guerra popular prolongada dos camponeses em favor de Mao Tsé-Tung, o herói dos “camponeses urbanos” contemporâneos (sic). Em 1939, o proletariado multiétnico e internacionalista alimentou a frente única de guerra, enquadrada pelos esquerdistas burgueses e fascistas. Eles formaram a base sacrificada em nome da pátria adulada e do estado fetichista em perigo. A memória colectiva da classe proletária lembrar-se-á disso para sempre.

Esta guerra total pela sua intensidade e extensão das suas atrocidades exigiu uma intendência muito maior do que as guerras anteriores. Os soldados dos exércitos foram, portanto, recrutados desde a década de 1930 nas milícias comunistas ou fascistas, a fim de aprender desde cedo a suportar tamanha intensidade de destruição na frente e atrás da frente para a salvação da Nação (sic). Na verdade, com os bombardeamentos alemães, japoneses, britânicos e americanos atrás das linhas, a frente estava em toda a parte, os crimes de guerra permanentes e os sacrifícios constantes para os soldados, para os guerrilheiros e para as populações civis de ambos os lados. As terríveis guerras no Médio Oriente e em África (1990-2020) são "remakes" dessas populares carnificinas genocidas e um treino para os massacres virais em massa anunciados pela pandemia de Covid-19. Estamos a viver em tempo real os preparativos para a Terceira Guerra Mundial e Joe Biden terá pouco controle sobre a evolução desse drama corneliano.

A reacção da classe operária a uma próxima guerra bacteriológica e nuclear.

O capital internacional sabe perfeitamente que a próxima guerra mundial com os seus vectores bacteriológicos, virais, nucleares, os seus drones, os seus mísseis, as suas bombas de neutrões e as suas radiações será mil vezes mais intensa, total, global, mortal e devastadora que as anteriores. Nessas condições, é impossível para ele prever qual será a reacção das populações e, especialmente, impossível prever a reacção dos combatentes na frente - estando a frente em todos os lugares ao mesmo tempo, nas cidades para começar: megalópoles urbanas incontroláveis ​​e perigosas para o poder do estado burguês. Compreendam que as guerras localizadas que estamos a testemunhar no Médio Oriente e em África, bem como essa pandemia falsa em que os governos causadores de problemas  estão emaranhados são preparações - exercícios práticos - do que atingirá o mundo inteiro no próximo conflito generalizado. O que nos leva à segunda variável que mencionámos anteriormente e que diz respeito à reacção apreendida da classe operária e do proletariado internacional sacrificado.

Um revolucionário escreveu certa vez que a guerra imperialista levará à revolução proletária ou então a revolução proletária afastará a guerra imperialista. Na verdade, sabemos hoje que é a guerra imperialista que levará à revolução proletária. Façamos uma comparação entre a classe proletária internacional nas duas guerras mundiais anteriores e a classe proletária hoje, na véspera deste terceiro conflito generalizado. Vamos estudar esta classe sob três variáveis ​​fundamentais: os seus efectivos, a sua organização e a sua consciência de classe.

Os efectivos da classe proletária.

Do ponto de vista dos seus efectivos - um reflexo da sua força - a situação actual é diferente daquela que prevalecia no século XX. Se durante as duas primeiras guerras mundiais o proletariado formou um pequeno contingente de soldados (Primeira Guerra), depois um grande contingente de soldados (Segunda guerra), o campesinato dos países ocidentais e o dos países da África, Ásia e África e da Oceania constituiu uma força militar muito importante. Daí, as temáticas da posse da terra e dos recursos alimentares, do espaço de vida, da demografia galopante, da raça e etnia, da comunidade de pertença, tantos temas camponeses e feudais preponderantes para apoiar a chama patriótica dos combatentes. Já sabemos que esses temas arcaicos, chauvinistas, xenófobos e retrógrados terão pouca influência sobre os soldados-proletários das potências ocidentais e carne para canhão das potências orientais. O proletariado industrial e o sector terciário formam hoje um enorme contingente de milhares de milhões  de indivíduos (incluindo as suas famílias), multiétnicos,  amplamente urbanizados, socializados, treinados, educados, "conectados" e conscientes, amargurados com a sua miséria e que desesperam. Além disso, com o agravamento da crise económica, este proletariado está num processo de empobrecimento e precariedade e a raiva está a rugir nas suas fileiras. A grande burguesia não tem ideia de como esses milhares de milhões de proletários irão reagir numa situação de pandemia e apocalipse nuclear e apressa-se em lançar as suas hordas de pequenos burgueses de extrema direita e extrema esquerda para tentar enquadrar esses desesperados.

A organização das classes burguesa e proletária.

Em termos de organização de classe, durante a Primeira Guerra Mundial, a classe capitalista, embora seriamente dividida entre o campo imperialista alemão-austro-húngaro e o campo da Santa Aliança liberal, de forma alguma foi ameaçada de colapso ou de derrube revolucionário, se exceptuarmos o colapso da Rússia que um hábil estratega político bolchevique conseguiu transformar numa revolução social democrática burguesa. Notemos que essa revolução democrática burguesa permitiu derrubar o feudalismo czarista e construir o capitalismo de estado que Estaline, o “pequeno pai dos povos” levou ao auge, preparando assim a grande vitória patriótica de 1945 e a expansão temporária do campo imperialista soviético. Durante a Segunda Guerra Mundial, as tensões no seio da classe capitalista mundial hegemónica chegaram a um clímax, à imagem das tensões antagonistas que minam a economia capitalista numa crise sistémica.

Além disso, o equilíbrio das forças entre os dois campos imperialistas era apertado e não fosse a necessidade de expansão do capital alemão para o leste - sua área preferida de expansão – e não é seguro que o Eixo Germânico fosse derrotado na Europa. O capital japonês não teve qualquer chance de se opor à imensa máquina de guerra dos Estados Unidos em expansão.

Foi porque o equilíbrio de forças entre os dois campos imperialistas rivais era tão apertado que a burguesia foi forçada a levar a cabo uma intensa campanha de mobilização entre a pequena burguesia, sua ponta de lança e seu cavalo de Tróia; com o campesinato, sua força de reserva; e entre o proletariado, o seu inimigo jurado - enganado pelos "frentistas reformistas e populistas" - que apresentava as facções da direita radical - fascista, corporativista, salazarista, franquista, militarista e nazi - como demónios enfurecidos contra os quais os esquerdistas de esquerda , oportunistas e reformistas amalgamados deviam unir forças agarrando-se à carruagem nacionalista patriótica da burguesia "moderada-liberal-democrática" (sic), como se a democracia burguesa não abrigasse o germe do totalitarismo fascista pedindo apenas para florescer ao sol negro da reacção.

Assim, há muitos anos, são de facto os capitalistas das nações e países ditos "liberais - democráticos - parlamentaristas - eleitoralistas" burgueses que conduzem guerras de extermínio e crimes de guerra genocidas sem necessidade de chamar a cavalaria fascista populista para o resgate. Joe Biden, só seguirá os passos dos seus antecessores, e é precisamente isso que o reformista-frentista “go-left” (falsa esquerda) tenta mascarar ao deixar acreditar, como nos anos 30, que haveria duas classes de capitalistas - uma amiga e "moderada" com o qual o proletariado é convidado a fornicar, e a outra, ditatorial, totalitária e intransigente que o proletariado é convidado a contra-atacar para assegurar o poder da facção capitalista "democrática moderada" mais generosa para os pequeno-burgueses, pelo menos até à crise económica. Essas duas faces de Janus escondem a mesma classe social antagónica, decadente, disposta a tudo para garantir a sua missão histórica e reproduzir o capital, e com a qual o imenso proletariado internacional nunca deve vincular o seu destino.

A agiotagem racista, étnica e religiosa, islamofóbica, reaccionária, é apenas o último salto de um mundo semifeudal em degradação nos chamados países "emergentes" que, se for convidado para os Campos Elísios, não consegue despertar a histeria das multidões proletárias que compreenderam quem são os que puxam os cordelinhos por detrás das cortinas dos serviços secretos do Estado dos ricos. A pequena burguesia parasita, a eterna defensora da farsa "frentista - unificadora - populista", implora a unidade. A unidade do imenso proletariado planetário não é um ícone a ser implorado, será o resultado que se forjará na e pela luta das classes antagónicas e não o resultado das injunções e encantamentos dos gurus das múltiplas seitas esquerdistas. De resto, é evidente que depois de cinquenta anos de repetidos ataques ao movimento operário, a classe está desorganizada e indefesa. A classe proletária terá que reconstituir as suas forças e a sua "vanguarda" e acreditamos que o fará durante a intensificação da luta de classe contra classe resultante do aprofundamento da crise económica sistémica e na sequência dos inevitáveis ​​ataques do capital que vai provocar a insurreição popular. No entanto, será que a classe operária saberá assumir a direcção desta insurreição popular para transformá-la numa revolução proletária? Tudo vai depender do seu nível de consciência de classe.

A consciência de classe.

Regressemos agora à consciência de classe, outra variável importante nesta problemática. Um famoso revolucionário escreveu certa vez: "Sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário", isso foi um erro. A frase materialista dialética é mais "Sem um movimento de classe revolucionário, nenhuma consciência de classe revolucionária, nenhuma teoria revolucionária e, portanto, nenhuma organização revolucionária", seguindo o preceito de que a consciência procede do movimento e nunca o precede. Por que dizemos que a variável "consciência de classe" não é vital de momento? Porque este vector é uma variável dependente e não independente e determinante, como o fizeram crer os comunistas, marxistas-leninistas, maoístas, trotskistas, anarquistas e outros esquerdistas idealistas. Digamos primeiro que a consciência de classe não pode preceder o estado de avanço económico e político de uma classe.

Foi assim que Marx, que foi um excelente analista económico do modo de producção capitalista - totalmente desenvolvido na Inglaterra vitoriana –foi um pobre analista político na Inglaterra conservadora, onde a classe operária penava para encontrar as suas marcas de combate. Enquanto uma classe social estiver subdesenvolvida como força produtiva - numa sociedade feudal czarista em transformação capitalista, por exemplo - ela não pode ter uma consciência de classe muito aguda - muito desenvolvida - muito revolucionária "para si mesma". Lenine, por exemplo, tinha uma consciência de classe proletária mais nítida do que a emergente classe operária russa, porque Lenine viveu parte da sua vida entre o proletariado da Europa Ocidental. Por outro lado, numa sociedade altamente mecanizada, robotizada, tecnicizada, digitalizada, conectada, amplamente desenvolvida e de alta produtividade como observamos hoje, a consciência da classe que opera essas tecnologias, esses robots, esses meios de produção e de comunicação informatizados e digitalizados, é nítida, e isso, independentemente das tácticas de "contenção", "formatação" do pensamento alienado, propaganda de massa e fabrico do "consentimento" que o capital desdobra para subverter essa consciência de classe que inevitavelmente se desenvolve ao mesmo tempo que as contradições que abalam o moribundo modo de producção e os confrontos de classe que tentam conter os seus efeitos, se apenas o proletariado revolucionário conseguir conter as divagações do "vanguardismo ”que prossegue em marcha atrás.

Assim sendo, quais são as perspectivas económicas, políticas, ideológicas, sociais e militares da burguesia em antecipação do próximo conflito bacteriológico e termonuclear?

Elas são extremamente precárias. Por um lado, a esquerda esquerdista, oportunista e reformista já não consegue cumprir a sua missão de desorganizar a luta de classes do proletariado porque perdeu toda a influência na classe que repudia esta "vanguarda" da qual se protege (lucidez que a pseudo “vanguarda” interpreta como um sinal de senilidade). Assim, se nos anos trinta os comunistas conseguiram agitar o espantalho do fascismo - da extrema direita e do nazismo - para apoiar a ala liberal do capital - já não o conseguem hoje, desacreditados como estão por noventa anos de colaboração de classes e seus fúteis clamores contra a ala direita dos predadores capitalistas.

 O fim dos frentistas de « vanguarda ».

Entre a ala liberal (Churchiliana) e a ala radical (hitlariana e estalinista) do capital, não havia diferença fundamental como Churchill, Roosevelt, Estaline, Hitler, Hirohito, Mussolini, Mao, Tito e de Gaulle o demonstraram. O que atrapalha os preparativos para a guerra imperialista, não é o lamento dos pacifistas, alter globalistas, eco socialistas e outros esquerdistas, comunistas, marxista-leninistas, trotskistas, maoístas e frentistas de serviço, mas sim as "Primaveras" dos levantamentos espontâneos (mesmo se, até agora, recuperados e liquidados); são esses jovens mercenários jihadistas esfomeados que os agentes do estado recrutam e contratam, e de repente os perdem de vista; são essas revoltas violentas e espontâneas em Ferguson, Dallas, Oakland e nos subúrbios de Londres, Bruxelas e Paris que eles não serão capazes de apaziguar ou conter no dia do grande tumulto descontrolado, no dia da inssureição popular, antes da revolução proletária.

Em última análise, o nosso diagnóstico é que a consciência da classe operária está à frente daquela da chamada “vanguarda” e que não há nenhuma hipótese de as frentes populistas unidas e democrático-eleitoralistas do grande capital ressurgirem nestes tempos de crise económica sistémica do capitalismo. O trumpismo terá sido a sua última manifestação.

Igualmente importante para este debate é ainda o artigo que Robert Bibeau publicou  A mascarada eleitoral americana, edição 2020 (Parte 7)”, no dia 11 de Novembro de 2020, a propósito das eleições americanas que levaram ao poder um dos sectores da burguesia americana, mormente o protagonizado por Joe Biden. Trata-se, como certamente constatarão, de um importante desenvolvimento teórico marxista ao brilhante texto que acima reproduzimos.

UM PRESIDENTE AMERICANO COMUM VAI PARA A GUERRA

O 46º Presidente da República dos Estados Unidos da América será entronizado, empossado, munido dos documentos que lhe conferem a legitimidade e lhe conferem os "plenos poderes" que lhe incumbem ... e depois? Depois, “business as usual”. Deixámos bem claro antes da eleição -  https://les7duquebec.net/archives/259547 - e confirmámos depois dessa farsa eleitoral, um presidente dos Estados Unidos é o elo de uma corrente que aprisiona toda a nação multiétnica e multicultural americana, de modo que é a classe capitalista hegemónica que está no poder através das suas plumitivas políticas.

Um presidente é tudo menos um "self-made man", um anti-establishment ou um oponente do estado profundo (sic), um estado que lhe dará corda suficiente para o servir. A retórica eleitoral oposta - utópica - foi apresentada aos perdidos para atrair aqueles que estavam prontos para a batalha contra o poder hegemónico dos ricos. Agora que esta salada deu os votos esperados, que foi engolida e levou um candidato ao auge do Capitólio, é hora de o grande capital começar a trabalhar e continuar os preparativos para a guerra já iniciada por esta pandemia viral.

Terminada a comédia eleitoral, passemos aos assuntos sérios.             

Os assuntos sérios são, por exemplo, todas estas promessas feitas durante a eleição que só envolvem quem nelas acreditou, não quem as promoveu na sua caminhada eleitoral ao sabor do vento do oportunismo que sempre varre este tipo de exercício "Prometo-vos o que vocês querem ouvir e no dia seguinte farei o que agrada aos meus generosos doadores" (o custo da edição das eleições americanas de 2020 foi de 14 mil milhões de dólares). Assim, o proteccionismo, o isolacionismo e o mundialismo nada mais serão do que slogans de campanha para justificar a imposição de tratados de livre comércio. Deixem de lado o vosso boné "America First" e o vosso boné de livre-comércio, que é bom apenas para excitar os parvos e os pequeninos.

Essas intermináveis ​​negociações comerciais dizem respeito a potências imperialistas mais poderosas do que a América e que não serão impostas por um pugilista à frente de um "Estado falido". Nem Trump nem Biden são politicamente ingénuos como a media tentou retratá-los. É por isso que o vencedor colocará falcões, criminosos de guerra endurecidos, à frente dos exércitos ianques e serviços secretos. Vocês gostaram dos programas de assassinato selectivo de Obama, vocês vão adorar o programa de mortes colectivas e de guerra generalizada de Joe Biden, os seus créditos para a guerra, os seus navios de ataque no mar (350 no mínimo ), mais fundos para as 700 bases de agressão militar no exterior e alvos mais rígidos dos três inimigos mais vingativos da América, o Irão do petróleo e dos petrodólares, as etapas das novas rotas da seda, a Alemanha do euro, e a China mecanizada, robotizada, digitalizada, tecnológica e produtivista. As duas fábricas do mundo devem ser colocadas no seu lugar ao serviço do imperialismo mundial. Para a Rússia, é oferecido um corredor de saída se desejar abrigar-se ao lado dos europeus, que são convidados a alinhar-se atrás do comandante em chefe do Pentágono.

Sob Biden, a era Bush está de volta "Vocês estão connosco ou estão contra nós!", os truques do período Obama já duraram bastante, esse é o motivo da eliminação dos pretendentes que prometeram mais oito anos suplementares de tergiversação enquanto o Palácio Imperial arde, e que o fogo está latente em Ferguson, Chicago, Milwaukee e Charlottesville. Joe manterá um olhar atento e a aplicação da lei erradicará a desordem com metralhadoras e canhões devastadores mesmo no seio da nação.

Os imigrantes ilegais serão ameaçados - mas não devolvidos – trata-se simplesmente de os  aterrorizar para fazê-los aceitar piores condições de sujeição. A América não pode prescindir desta força de trabalho barata que mantém uma pressão salutar sobre os salários dos proletários americanos e sobre os trabalhadores pobres (60 horas de trabalho por semana por salários insuficientes para garantir a sua sobrevivência). A falsa esquerda tem orgulho de ter direccionado a atenção para o racismo, a imigração, a pandemia, as minorias, excepto sobre as questões de sobrevivência da maioria proletária. A extrema esquerda sempre fez o papel de imbecil útil. Enquanto gesticula para reformar e salvaguardar o moribundo modo de producção capitalista, enquanto a crise se alastra, à medida que a miséria se espalha por todo o proletariado negro, latino e branco, feminino e masculino, a esquerda atira-se contra uma parede, sobre o casamento gay, os direitos dos animais, os escândalos Hollywood-Me Too e outras questões secundárias.

Défice – dívida – dólar americano – o declínio da Aliança atlântica.

Para financiar esses défices astronómicos recorrentes, haverá impressão de dinheiro. É aqui que vocês podem entender por que é que a  China, o Irão, a Alemanha, a Rússia, o Canadá, a Europa estão sob ameaça, embora cada um desses pretendentes seja tratado de forma diferente pelo grande Timoneiro do Capitólio. Essa profusão de dinheiro de crédito - petrodólar - "dinheiro de fantasia" levará os Estados Unidos directamente para a falência, mais rápido do que o desempenho de Obama, o primeiro presidente negro será desclassificado para o  terceiro lugar da dívida, logo após Donald Trump e Joe Biden, os campeões. Nos próximos anos, os aliados roubados e os concorrentes prejudicados tentarão escapar - para se livrar dos seus dólares de chumbo - é aqui que a cavalaria aerotransportada, os drones, as sete frotas de agressão, os onze porta-aviões e os 540.000 soldados estacionados nas centenas de bases espalhadas, do Mediterrâneo ao Mar da China, servirão para chamar à ordem os recalcitrantes aliados e pretendentes ao posto de comandante dos exércitos da Aliança Atlântica. Para comandar, é preciso mesmo pagar com "dinheiro de fantasia". Infelizmente, tudo isso nada mais são do que divagações desesperadas por parte de uma potência que mal tem meio milhão de soldados aerotransportados treinados para o combate e uma economia estilhaçada, alinhando cerca de 100 milhões de proletários mal pagos, produtores de mais-valia desvalorizada, contra 800 milhões de proletários chineses que são produtivistas e geradores de mais-valia. A América não é mais do que uma sombra de si mesma e não pode esperar impor-se ao mundo inteiro sob Donald ou sob a gestão de Joe ... da mesma forma.

Portanto, é fácil prever que o jogo está perdido de antemão para a aliança imperialista americana, que está a murchar perante os ventos de sucessivas derrotas militares que alguns classificam como estratégias ponderadas do "caos" (sic). No entanto, teme-se que o leão ferido se aventure numa saga desesperada. Não é a esquerda americana ou a esquerda "de vanguarda" mundial que nos salvará, mas o proletariado americano e internacional. No entanto, ao contrário de Lenine, não acreditamos que a Revolução impedirá a guerra, mas sim que a guerra levará ao levantamento popular e depois à Revolução Proletária.

Fonte:  https://les7duquebec.net/archives/259648

En français sur le site web de l’Harmattan  (13 euros en PDF)

 HARMATTAN : http://www.editions-harmattan.fr/index.asp?navig=catalogue&obj=livre&no=59199

AMAZON : https://www.amazon.ca/démocratie-aux-Etats-Unis-Robert-Bibeau/dp/2343144672/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1521149336&sr=81&keywords=robert+Bibeau&dpID=41f0Kjchz1L&preST=_SY264_BO1,204,203,200_QL40_&dpSrc=srch

O ARCO

 


 30 de Novembro de 2023   POETE PROLETAIRE 

O ARCO

O pontão avança

Sozinho, indefinidamente

Sem combustível?

 

Depende apenas

do sol?

Não tenho nada a ver com isso?

 

Mas sou eu que mando!

Escolho para onde ir

Como eu quiser?

 

Observo e anoto,

Sem saber do milagre?

Avançamos... gratuitamente?

 

O sistema funciona?

Mas isso é impossível?

Eu não pago nada a ninguém?

 

Não há lógica?

Mas vivemos na dependência

Na mais total anarquia?

 

John Mallette
, o poeta proletário

Fonte: L’ARCHE – les 7 du quebec

Este poema foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




E os migrantes numa sociedade capitalista?

 


 30 de Novembro de 2023  Robert Bibeau 


Apresentação de Robert Bibeau.

Os camaradas do grupo Communia em Espanha têm razão: não são os "conspiradores" do grande capital mundial, do Estado profundo, dos oligarcas burgueses nacionais, ou de qualquer outra seita secreta mundialista que estão a conspirar a "invasão" dos países industrializados (Europa, América, Ocidente e os países BRICS em processo de expansão) por vagas de migrantes de países pobres - subdesenvolvidos - subindustrializados. Como o texto abaixo demonstra, o desenvolvimento do modo de produção capitalista e o imperativo da acumulação do capital conduzem inexoravelmente à MUNDIALIZAÇÃO DA ECONOMIA CAPITALISTA E CONSEQUENTEMENTE À MUNDIALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO CAPITALISTA... daí a transferência maciça de trabalhadores não qualificados (e também qualificados) de áreas de subdesenvolvimento, onde aparecem como excedentes, para áreas de exploração intensiva - mecanizada - tecnologizada - organizada, onde permanece, por algum tempo ainda, um mercado de burgueses e populo em processo de pauperização e proletarização acelerada, enquanto o proletariado "nacional" desses países, "invadido" pela pobreza, organiza a sua resistência às evoluções mecânicas (de acordo com as regras do sistema) do capitalismo moribundo. De facto, proletários de todo o mundo uní-vos se não quiserem desaparecer como o campesinato durante a revolução burguesa dos séculos XVIII e XIX. O artigo abaixo dá alguns exemplos de novas formas de organizar a luta proletária pela emancipação.




Em https://es.communia.blog/migrantes-luchas

 

A mundialização do mercado de trabalho

Rumo a uma transferência mundial de trabalhadores não qualificados

Há alguns meses, o Fórum Económico Mundial foi a melhor forma de os países utilizarem as reservas de mão de obra – da forma mais eficiente possível, apesar das mudanças geopolíticas a nível mundial. A utilização de eufemismos não esconde que se trata de discutir a melhor forma de distribuir os trabalhadores migrantes, como a gestão do rebanho operário.

Um exemplo do sucesso do fórum é o plano de parceria entre Portugal e a Índia que visa trazer – de forma bem regulamentada e controlada – para os empregos menos qualificados. As terríveis condições de trabalho dos trabalhadores indianos no campo português são bem conhecidas, e a sua acumulação em certos sectores e regiões aumenta as tensões entreos trabalhadores e os residentes locais.

Esta realidade não se limita a Portugal ou à Europa. Taiwan, por exemplo, está a aumentar as suas quotas para trabalhadores estrangeiros da construção e da agricultura, e legisladores de vários partidos sul-coreanos estão a tentar aprovar legislação para levar os trabalhadores domésticos ao preço mais baixo possível, sob o pretexto de que compensaria a baixa taxa de natalidade do país:

A República da Coreia enfrenta uma falsa taxa de natalidade. É necessária uma solução prática para a geração mais jovem, onde as famílias com dois rendimentos são a norma.

Tudo isso é baseado no sistema notoriamente infame de Singapura, onde os trabalhadores vivem superlotados e transportados em caminhões como se fossem móveis ou gado.

Mas esta situação não se limita às grandes economias, houve grandes escândalos de exploração de trabalhadores migrantes em países como o Iraque, e corrupção e semi-escravidão noutros países, como a Malásia, onde uma grande parte da população é composta por trabalhadores estrangeiros:

Há um grande número de trabalhadores migrantes na Malásia, estimado em 4 a 5 milhões. Oficialmente, são menos de dois milhões, mas há muitos trabalhadores em situação irregular, que é, pois, uma grande parte da população activa; é uma quantidade enorme, obviamente não é como no Médio Oriente, onde às vezes é de 75% a 85% da população, mas como sabe, 5.000.000 é um grande número. A Malásia emprega 15 milhões de pessoas, quase um terço da mão de obra, e tem estado fortemente concentrada em indústrias de exportação com grande intensidade de mão de obra.

Numa lógica de "dividir para reerguer".

Nalguns casos, estamos a falar de um grande número de trabalhadores, o que implica uma forma de manter esses trabalhadores tão baratos quanto possível. O principal é mantê-los divididos – não só afastados do resto dos trabalhadores não migrantes dentro do país – mas também confrontados uns com os outros com base na sua etnia. E não é apenas um processo acidental ou espontâneo, é algo directamente previsto, como no caso do sistema de trabalho estrangeiro no Canadá, onde os agricultores empregam trabalhadores de um ou outro para combater as lutas salariais:

Essa divisão entre trabalhadores mexicanos e caribenhos faz parte do programa quase desde o início. O SAWP começou em 1966 com os trabalhadores jamaicanos, Lozanski, e expandiu-se para as Índias Ocidentais até 1974, quando decidiram incluir o México. Ele disse que a adição foi feita para remover o poder dos trabalhadores caribenhos que defendiam condições no programa, então o programa foi construído com base na concorrência (entre os trabalhadores).

"Havia uma sensação de que as Índias Ocidentais estavam a acumular muito poder, e que precisavam equilibrar esse poder", disse ele.

Os trabalhadores sabem que os seus meios de subsistência estão inteiramente nas mãos dos empregadores, que podem decidir não reter um trabalhador sem aviso prévio, disse Lozanski. E assim, muito simplesmente, um agricultor pode decidir substituir a sua actual força de trabalho por trabalhadores de outro país, o que acentua ainda mais a concorrência entre trabalhadores.

Não se trata apenas de que os trabalhadores locais podem ser substituídos por trabalhadores estrangeiros com salários mais baixos, como nos autocarros da Nova Zelândia. Eles ainda podem usar o velho truque de usar trabalhadores estrangeiros como escudos durante uma greve, enquanto a empresa de autocarros Transdev recentemente aspirava a "acolher refugiados ucranianos" (supostamente devido à falta de mão de obra). Después de varias huelgas de conductores |

No entanto, os trabalhadores estão a ultrapassar divisões

Embora os trabalhadores migrantes estejam sob todas essas pressões externas para isolá-los e separá-los do resto da classe operária, a tendência para centralizar as lutas, para unir forças entre todos os trabalhadores através do fosso criado pelos capitalistas, aparece espontaneamente uma e outra vez entre os trabalhadores.

Por exemplo, na indústria metalúrgica e têxtil no sul da Turquia, onde várias vagas de greves selvagens desde 2017 viram trabalhadores turcos juntarem-se a colegas seus migrantes sírios na luta pelos seus salários e condições, escolhendo os seus próprios representantes em assembleias abertas.

Como resultado de um processo semelhante, os trabalhadores agrícolas migrantes no Canadá – que ambos tentaram dividir artificialmente e viram mais além– estão agora a organizar-se para se apoiarem uns aos outros na divisão Caribe/México:

Ele diz que se ofereceu para ajudar os trabalhadores a obter informações e apoio que gostaria de ter quando chegou. Ele acrescenta que viu em primeira mão como os trabalhadores se tentam ajudar uns aos outros, mesmo que não falem a mesma língua.

"As pessoas estão conscientes agora, porque o mundo do trabalho está a mudar", disse. Ajudam-se mutuamente a estar vigilantes e conscientes do que se passa no seu ambiente de trabalho.

E para completar, no campo italiano, os habitantes que querem lutar pelas condições dos migrantes não o fazem como activistas externos, mas começam a trabalhar como jornaleiros lado a lado com os demais, o que, por exemplo, resultou num bom caso de libertação de escravos índios no campo.

No entanto, este fenómeno não se limita a países e regiões em circunstâncias particularmente difíceis, esta tendência para a aproximação e a união de esforços entre trabalhadores migrantes e locais também foi observada recentemente em locais como a Grã-Bretanha, onde grandes greves sanitárias uniram os profissionais de saúde locais aos seus colegas migrantes que trazem consigo as suas próprias experiências:

Durante o mesmo período, milhares de enfermeiros emigraram de Portugal para outros países, sendo o Reino Unido um dos destinos preferidos. Muitos destes enfermeiros migrantes também estão em greve, diz Macedo, porque têm consciência da sua responsabilidade de lutar por serviços de saúde de qualidade e acessíveis a todos. Os enfermeiros que emigraram de Portugal para o Reino Unido estão perfeitamente conscientes dos processos subjacentes que têm prejudicado os sistemas públicos de saúde, pondo em causa o direito dos cidadãos à saúde.

O Estado britânico não perdeu a oportunidade de enfraquecer o movimento ao usar a posição vulnerável dos migrantes e optou por enviar mensagens para os telemóveis dos profissionais de saúde migrantes que os ameaçavam de deportação se continuassem a fazer greve. Isso foi amplamente denunciado pelos profissionais de saúde britânicos, o Estado alega que foi um erro.

Através das suas lutas, os trabalhadores de diferentes origens tendem a unir-se para defender as suas condições e necessidades que, afinal, são universais e empurram para uma luta que só pode ocorrer satisfatoriamente com a centralização de todos os esforços.

E desenvolver novas formas de luta e organização

Os trabalhadores migrantes, devido à sua própria situação, não só superam divisões, mas também trazem meios particulares de luta. Principalmente devido ao seu menor nível de sindicalismo e enquadramento nacional, a sua capacidade de greve e parceria difere da norma. Por exemplo, as greves de camionistas migrantes não estão sob o controlo dos sindicatos nacionais e espalham-se por vários países através das fronteiras:

Camionistas migrantes frustrados na Geórgia e no Uzbequistão estão em greve em vários países europeus há mais de duas semanas devido aos salários miseráveis do seu empregador e ao tratamento abusivo. A greve começou em Itália e espalhou-se para a Alemanha.

A greve começou numa zona de descanso na autoestrada A22, em Itália, há cerca de duas semanas e, desde então, foi prolongada com mais condutores em zonas de estacionamento em Grafenhausen, na Alemanha.

Este tipo de acção contrasta fortemente com o comportamento das grandes greves sindicais, em que a coordenação transfronteiriça dos trabalhadores é evitada a todo o custo. Nos últimos anos, houve greves quase simultâneas em ambos os lados de várias fronteiras europeias, desde greves em armazéns da Amazon em vários países até greves na educação em ambos os lados da fronteira franco-belga, diferentes sectores da classe estavam completamente descoordenados, embora estivessem a travar a mesma batalha.

Mesmo no campo das greves locais, como nas greves no sector da distribuição em Itália, os trabalhadores e comerciantes de logística – principalmente migrantes –organizaram-se de forma independente, a primeira em 2012:

Bolonha tem tradicionalmente um grande número de trabalhadores migrantes e, com o boom logístico da década de 2010, uma nova geração de trabalhadores migrantes encontrou trabalho em armazéns. A cidade abriga várias instalações logísticas, incluindo o extenso local de transbordo do Interporto, nos arredores da cidade. Está longe dos holofotes, mas a economia e a política de Bolonha estão intimamente ligadas ao que está a acontecer aí.

A presença de trabalhadores migrantes é bem conhecida, mas a sua relevância no sector da logística passou quase despercebida até que uma série de protestos em 2012 levou à primeira maior greve do sector em Março de 2013 e a disputas laborais numa escala nunca vista em Itália há décadas.

Bolonha tem uma forte tradição de grandes sindicatos e activismo político, mas isso não parece ajudar os trabalhadores imigrantes, então eles procuram novos aliados em grupos auto-organizados e organizações de base. Podem temer repercussões, mas são uma parte essencial da economia e estão longe de ser dóceis.

E depois, em 2018, através de aplicativos e assembleias para coordenar os seus ataques (greves):

A 15 de abril de 2018, realizou-se em Bolonha a primeira assembleia italiana de comerciantes de produtos alimentares caseiros. É evidente que a dimensão urbana é o espaço de organização dos comerciantes, mas sem uma rede de coordenação, é difícil fazer frente ao poder económico das plataformas. Nessa tarde, algo mudou em Bolonha. O episódio foi a faísca que acendeu uma das experiências mais significativas de auto-organização dos "chickadees" (no sentido de duros que nem uma rocha – NdT) das plataformas de entrega de comida, o sindicato dos "riders". Não havia estatutos nem cartões de sócio: apenas uma reunião por semana, um grupo de WhatsApp para manter as pessoas constantemente informadas e vários espaços de solidariedade urbana prontos a apoiar as actividades do sindicato.

Não foi uma tarefa fácil. A Glovo e a Deliveroo recusaram-se a aceitar o convite, enquanto as greves dos comerciantes em Bolonha aumentavam. Apenas duas empresas locais aceitaram a proposta. Os sindicatos tradicionais pareciam desdenhar a iniciativa, que se afastava demasiado dos cânones das relações laborais a que estavam habituados. O sindicato dos motociclistas, pelo contrário, aposta numa mobilização sem tréguas, ao mesmo tempo que encontra o apoio de um grupo de advogados e de espaços sociais dispostos a apoiar a sua luta.

E entre os trabalhadores agrícolas, que estão mais isolados do resto da classe, outros tipos de acções também são desenvolvidas. Desde justificá-lo por vários lugares, até transmitir menus secretos em centenas de restaurantes para trazer a realidade da exploração do campo para a mesa, literalmente:

Lançado em Fevereiro, o Menu Secreto foi coberto por códigos QR das ementas de centenas de restaurantes, bares e outros estabelecimentos em Toronto e Ottawa, numa manobra de marketing de guerrilha. Quando o código QR era lido, os visitantes eram levados para o sítio Web do Menu Secreto, onde podiam aprender mais sobre o custo humano da alimentação através de nove pratos, como "Dangerous Corn Bread", "Pisciore Tide Fruit Salad", "Ravioli Ravioli" e "Souridy Monkey Whisky".

Uma situação complicada

Todos os itens acima são apenas exemplos dos últimos meses, muito mais está a acontecer todos os dias sem que apareça na media.

No entanto, este espírito de luta está sempre num equilíbrio precário. A sua própria actividade e condição de trabalhadores leva os trabalhadores migrantes a lutar com o resto da classe, mas a dificuldade da sua situação no estrangeiro como migrantes pode empurrá-los para a identidade étnica e religiosa e para o isolamento.

Os movimentos identitários, de cor política ou religiosa, estão sempre à procura de trabalhadores migrantes e/ou dos sectores mais precários da classe para se expandirem. A capacidade dos próprios trabalhadores migrantes, bem como dos trabalhadores locais, para construírem em conjunto organizações e estruturas independentes e de classe é a chave para melhorar as condições para todos. 

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Fonte: Qu’en est-il des migrants en société capitaliste? – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice