29 de Novembro de 2023 Robert Bibeau
Por Mona EL-FARRA. De Gaza, com raiva — Mona EL-FARRA (legrandsoir.info)
O que está a acontecer
agora em Gaza é um genocídio. Lamento pelos meus amigos, vizinhos e familiares
na maior tristeza, mas não é só tristeza que sinto.
Os repetidos ataques aéreos israelitas (bombardeamentos criminosos) contra o campo de refugiados de Jabalia, em Gaza, vão para lá de qualquer entendimento. Durante pelo menos 10 dos últimos 40 dias, caíram mísseis sobre o campo de refugiados mais densamente povoado de toda a Faixa de Gaza.
E não apenas durante o
dia, mas também à noite. Os bombardeamentos são realizados no escuro, quando a
electricidade é cortada e a única luz vem dos incêndios em chamas. Ocorrem
quando a Internet é encerrada,
quando jornalistas são fuzilados,
para esconder os seus crimes, a auto-imolação de crianças pelo fogo.
Tenho uma longa história e laços estreitos com as pessoas deste campo. Meus
amigos, ex-colegas, pacientes e pessoas que conheço há décadas através do meu
trabalho como médica no Hospital Al-Awda de Gaza vivem neste campo. Crianças
que cresceram e vieram para a biblioteca que fundei em Jabalia, que agora são
jovens homens e mulheres, com seus próprios filhos e famílias. Há meus vizinhos
maravilhosos, amigos e pacientes, que não são meus pais, mas que são minha
família. São famílias de refugiados, geração após geração que vivem num dos
lugares mais sobrelotados do mundo.
Desde o último massacre, não consegui chegar a nenhum deles.
Estou tão triste. Mas
não é só tristeza que sinto. Também é raiva.
Vejo essas mesmas famílias no vídeo que me foi enviado pelos meus vizinhos, a retirar crianças dos escombros. Vejo-os nas minhas memórias, quando vivíamos e lutávamos sob a dupla ocupação, os bombardeamentos israelitas e o apartheid. Ouço os gritos e o choro das mulheres e das crianças, a esmagadora maioria dos que vivem, são feridos e mortos em Jabalia, e que acordam para continuar, uma e outra vez, a viver angustiados. Eu posso sentir o cheiro dos produtos químicos, dos venenos a flutuar no ar durante horas e dias após essas explosões indiscriminadas. Sinto o cheiro pungente do fósforo branco, utilizado por Israel em Gaza, que cobre as paredes de edifícios e corpos em chamas. Sinto a fome colectiva: por comida, por justiça e para que tudo pare.
Mas agora estou no
Cairo, e é tão difícil e angustiante ouvir mais e mais notícias terríveis todos
os dias, notícias dos meus entes queridos mortos pela ocupação israelita, pelos
crimes de guerra de que as autoridades israelitas se vangloriam quando dizem
que, uma vez que Gaza seja arrasada, não restará nada além de uma "cidade
de tendas".
Sempre vivi em Gaza
durante os bombardeamentos israelitas anteriores, que tantas vezes usam aviões
e mísseis norte-americanos, oferecidos e dados como "ajuda". Esta
"ajuda" é o oposto do que compro hoje. Comida, remédios e até
brinquedos para crianças que perderam tudo. A Middle East Children's Alliance está
a angariar fundos para que possamos comprar estes mantimentos e distribuí-los
às crianças e famílias em Gaza o mais rapidamente possível.
Estou tão triste. Mas não é só tristeza que sinto. Também é raiva.
Como é que se dá de
comer a uma criança que não consegue comer porque tem medo? Como é que se dá um
brinquedo a uma criança que já não quer brincar, olhando para o céu, à espera
da próxima ameaça?
Estou indignada com os bombardeamentos incessantes e impiedosos de Israel, que matam milhares de pessoas, desde os recém-nascidos até aos mais velhos. O que está a acontecer actualmente em Gaza é um genocídio. Aqueles que não são mortos pelas bombas israelitas morrem lentamente, privados de medicamentos, alimentos e água.
Todos os dias choro mais e mais os meus entes queridos, familiares e amigos, e pergunto-me quem será o próximo. Na semana passada, um dos meus queridos amigos foi morto em Jabalia. Éramos amigos há mais de 35 anos, desde que trabalhámos juntos durante a primeira Intifada, em 1987.Costumava ser a minha família. O meu próprio irmão fala num vídeo dos nossos familiares mortos há algumas semanas.
Esta é a nossa história,
e é a tragédia de todas as famílias em Gaza. Mais de um em cada duzentos
palestinianos em Gaza foi morto nos últimos 40 dias.
Sempre assinei as minhas cartas a apoiantes e amigos de todo o mundo com as
palavras: "De Gaza, com amor". Mas, hoje, escrevo com uma raiva que
nenhuma mãe deveria conhecer, a raiva do desespero e da descrença perante o que
é permitido acontecer. Continuo a sentir amor por todo o povo da Palestina e
pelo povo que apoiou a nossa luta comum e demonstrou solidariedade. Mas, por
favor, tomem medidas. E muito mais.
Há que pôr cobro a este genocídio.
* A Dra. Mona El-Farra, directora de projectos de Gaza para a Aliança das
Crianças do Médio Oriente, é médica de formação e activista dos direitos
humanos e das mulheres na Faixa de Gaza ocupada. Ela nasceu em Khan Younis, na
Faixa de Gaza, e tem-se dedicado ao desenvolvimento de programas comunitários
para melhorar a qualidade da saúde e conectar serviços de saúde com serviços
culturais e recreativos em toda a Faixa de Gaza. A Drª. El-Farra é também
Presidente da Secção de Saúde do Crescente Vermelho Palestiniano da Faixa de
Gaza e membro da União dos Comités de Trabalho sobre Saúde. A Drª. El-Farra tem
um filho, duas filhas e dois netos.
O nosso trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons (CC
BY-NC-ND 3.0). Sinta-se livre para repostá-lo e compartilhá-lo amplamente.
Fonte original: Common
Dreams
Tradução: Spirit of Free Speech
»» https://ssofidelis.substack.com/p/de-gaza-avec-rage
Fonte: De Gaza, avec rage – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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