terça-feira, 28 de novembro de 2023

Egipto-Israel-EUA: os ciúmes de Sadat em relação a Heykal

 


 28 de Novembro de 2023  René Naba  

RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com a www.madaniya.info.

Egito-Israel-Estados Unidos: os ciúmes de Sadat em relação a Heykal

Por Abdallah As Sinnawi, adaptação da versão francesa René https://www.madaniya.info/

Abdallah As Sinnawi é o autor do livro "Aquiles ferido" sobre a guerra de Outubro de 1973. É também colunista do jornal "Ahram on Line" e colaborador do diário libanês "Al Akhbar". Este artigo é publicado por ocasião do 50º aniversário da Guerra de Outubro.


Sadat desejava entrar em contacto com Henry Kissinger, mas "o mago da diplomacia americana" estava a morrer de vontade de conhecer Mohamad Hassanein Heykal, a quem considerava ser seu igual.


Heykal sobre Sadat: "Sadat não foi um génio à frente do seu tempo, nem um pioneiro da paz."


Mensagem do Presidente Sadat a Henry Kissinger após a destruição da Linha Bar Lev na guerra de outubro de 1973.

Henry Kissinger ocupa um lugar de grande visibilidade na media americana e os seus escritos têm ampla circulação assegurada. Ganhou grande notoriedade entre 1969 e 1977, durante o mandato dos dois presidentes republicanos, Richard Nixon e Gerald Ford, como Conselheiro de Segurança Nacional e depois como Secretário de Estado, lembrado por liderar as negociações de paz EUA-Vietname e a aproximação com a China, bem como pelo seu papel no Médio Oriente.

No que diz respeito ao seu papel na resolução do conflito israelo-árabe, particularmente no rescaldo da guerra de Outubro de 1973, Abdallah As Sinnawi acredita que a diplomacia de vaivém que o secretário de Estado norte-americano conduziu entre o Cairo e Telavive "teve como principal efeito, de facto, aniquilar os ganhos políticos gerados pelo Egipto pela destruição da Linha Bar Lev e pela travessia do Canal do Suez".

"Kissinger realmente teve sucesso na sua missão graças aos graves erros cometidos pelo presidente egípcio Anwar Sadat. É necessário um estudo crítico desta sequência para que ninguém se sinta tentado a imaginar que Sadat estava à frente do seu tempo, um pioneiro da paz e Kissinger um pacificador, continua o jornalista egípcio que faz a seguinte demonstração:

"No seu livro 'The anatomy of two major crisis on policy', publicado em Julho de 2004 por Simon e Schuster, Henry Kissinger escreve na página 10:

"Às 10h (hora de Washington), algumas horas após o início das operações militares no Sinai, recebi uma estranha comunicação de Sadat na forma de uma mensagem do seu conselheiro de segurança nacional, Hafez Ismail, transmitida via inteligência dos EUA. Esta mensagem informou-nos da posição do Egipto face a esta guerra.

"Não obstante a referência à necessidade de regressar às fronteiras de 1967, a nossa interpretação desta mensagem", continuou o secretário de Estado norte-americano, "é que foi um prelúdio para uma maior abertura para nós e que a sua importância residia no perigo que este passo representava para o Presidente egípcio ao assumir o risco de nos contactar desta forma.

Kissinger chegou a esta conclusão articulando o seu raciocínio sobre as seguintes três considerações:

1.      "Ao falar connosco, Sadat dizia-nos que queria o nosso apoio.

2.      Que estava disposto a distanciar-se da URSS.

3.      Que tinha decidido renunciar ao uso de armas, inclusive em conjunto com a Síria.

 

Muito claramente, a mensagem significava que Sadat tinha decidido não continuar a guerra e manter as posições conquistadas pelo exército egípcio depois de atravessar o Canal de Suez. Neste caso, não se tratava de especulação, mas de uma inferência da sua conduta. O significado mais profundo desta mensagem era que o Egipto não pretendia escalar as hostilidades militares.

Nas páginas 115-116 do mesmo livro, Kissinger afirma que "transmitiu a Simha Doenitz, embaixador israelita em Washington, o conteúdo da mensagem de Sadat assegurando-lhe que o Presidente egípcio não pretendia expandir as hostilidades". Kissinger então entrou em contato com o director da CIA, William Colby, chamando-o: "Do que é que eles estão à espera?

Abdallah As Sinnawi acredita que "este compromisso tem sido um serviço eminente prestado a Israel numa fase crítica da sua história. E que esta passagem do livro de Kissinger, relativa à correspondência secreta entre Sadat e a administração americana, era, de facto, uma clara refutação da versão do Presidente Hosni Mubarak, que negara a existência de tal comunicação secreta entre Sadat e os americanos, em plena guerra de Outubro de 1973.

"Se esse canal secreto de comunicação tivesse existido, teria sido conhecido, porque os americanos não têm segredos. Melhor ainda, teriam falado sobre o assunto cem vezes e os documentos que atestam os seus contactos teriam sido tornados públicos. "É claro que qualquer pessoa que tenha apoiado tal afirmação nutre uma forte hostilidade contra o Presidente Sadat", disse Mubarak em defesa do seu antecessor numa longa entrevista televisiva transmitida em Abril de 2005.

Na verdade, Mubarak tinha como alvo Mohamad Hassanein Heykal, ex-conselheiro do presidente Gamal Abdel Nasser. Heykal já tinha dito numa entrevista televisiva que "Kissinger tinha confidenciado aos seus assessores a sua impressão de que Sadat tinha atravessado o Canal do Suez e contentar-se-ia em instalar-se aí, sem ir mais além, duvidando que o Presidente egípcio iria levar mais longe a sua ofensiva" contra o exército israelita.

Sinnawi prossegue: Na verdade, Kissinger não estava a entregar-se a nenhuma especulação, nem foi tomado por qualquer inspiração divina. Tinha pleno conhecimento da situação pela simples razão de que Sadat o tinha informado das suas intenções relativamente às consequências das operações militares egípcias na Frente do Suez.

Sadat estava ansioso para entrar em contacto com Kissinger.

De facto, Sadat estava ansioso por entrar em contacto com "o mago da diplomacia americana", enquanto este último estava ansioso por conhecer ...........Heykal. O Secretário de Estado americano considerava Heykal como seu igual, na medida em que tinha o mesmo espírito, a mesma maneira de pensar. Este facto teve o efeito de irritar imenso Sadat.

A situação agravou-se pelo facto de Heykal se ter comportado de forma totalmente independente, sem referência a Sadat, nomeadamente quando Willy Brandt, Chanceler da República Federal da Alemanha, sugeriu que Heykal se encontrasse com Kissinger em confidência. "Não é o momento", respondeu laconicamente Heykal ao seu interlocutor alemão, recusando a proposta.

No final de 1972, Sadat deu luz verde a Moussa Sabri, chefe de redacção do diário egípcio Al Akhbar, para lançar um ataque em grande escala contra Heykal, descrevendo o então director do influente diário egípcio Al Ahram como "um homem que se considera um escritor único, mas que, na realidade, está no seu crepúsculo" ......

"O novo regime (de Sadat) tem homens novos à sua disposição, mas não inclui esta caneta na sua fase de crepúsculo, esta caneta que se atribui mais importância do que realmente tem", acrescentou Moussa Sabri.

Heykal retaliou, negligenciando explicitamente Sadat e Musa Sabri.

Num artigo intitulado "Moi et Kissinger" ("Eu e Kissinger"), Heykal faz acompanhar o seu artigo de uma série de documentos que sustentam cada uma das suas afirmações no artigo, que publica no seu diário "Al Ahram" com testemunhos de apoio.

Em conclusão, Heykal afirma que o método de negociação de Sadat com os americanos conduziria a concessões pesadas e supérfluas.

Em 18 de Dezembro de 1974, num dos seus últimos artigos publicados no Al Ahram, regista as suas observações num artigo intitulado "O método de negociação israelita":

"Uma das regras científicas da negociação é nunca entrar em pormenores e a decisão nunca deve ser definitiva. Um homem com grandes poderes será constantemente solicitado a fazer concessões porque detém o poder de decisão", adverte os seus dois detractores.

De 5 de Outubro de 1973 a 1 de Fevereiro de 1974 - período compreendido entre as vésperas da guerra de Outubro de 1973 e a véspera da sua expulsão do Al Ahram - Heykal escreveu uma série de artigos que conduziram à sua ruptura definitiva com Sadat. Estes artigos foram publicados num livro intitulado "At the Crossroads".

Ao fazê-lo, Heykal quis enviar a Sadat a mensagem de que era diferente dele e que assumia a responsabilidade por essa diferença.

O diferendo Heykal Sadat reflectiu uma divergência estratégica.

O diferendo Sadat-Heykal não era pessoal nem uma disputa passageira. Reflectia uma divergência estratégica sobre as opções contraditórias de Sadat na condução da Guerra de Outubro, bem como sobre o jogo diplomático que estava a ser jogado nos bastidores.

"A grande diferença entre o pensamento estratégico israelita e o pensamento estratégico árabe é que os israelitas jogam xadrez, enquanto os árabes jogam gamão", observou Heykal, criticando a abordagem diplomática egípcia.

Sadat não tentou esconder a sua irritação perante a mensagem codificada de Heykal, nomeadamente a referência ao gamão, pela razão óbvia de que o jogo de xadrez exige uma reflexão cuidadosa, enquanto o gamão se baseia na sorte dos dados.

Kissinger leu o artigo de Heykal a caminho da sua primeira viagem ao Cairo. O Secretário de Estado americano não escondeu a sua admiração por esta comparação e contou-a a Heykal.

Oito meses depois de Heykal ter sido expulso do Al Ahram, Sadat contactou o antigo confidente de Nasser e convidou-o a reatar as suas relações.

Heykal participou, de uma forma ou de outra, nas negociações com Henry Kissinger na primeira fase das conversações que visavam a segunda retirada das forças egípcias e israelitas. Estas negociações tiveram lugar em Assuão, em Março de 1975. "Estas negociações falharam e não lamento o seu fracasso. Além disso, apraz-me acreditar que fui parcialmente responsável por esse fracasso", admite Heykal.

Embora não escondendo a sua admiração por Kissinger, Heykal insistiu durante muito tempo em alertar para as armadilhas que o Secretário de Estado americano poderia colocar aos egípcios com o objectivo de os privar dos benefícios da vitória militar que tinham obtido na frente do Suez.

Heykal opõe-se à escolha de Sadat. Formulou as suas objecções em documentos certificados que serviram de argumento ao movimento nacional egípcio de oposição aos Acordos de Camp David, prelúdio do tratado de paz de Washington celebrado entre o Egipto e Israel em Março de 1979.

"Sadat não era um génio à frente do seu tempo, nem um pioneiro da paz", como disse Mohamad Hassanein Heykal. Não foi preciso muito esforço para Kissinger pôr em marcha o chamado "processo de paz" que conduziu à "paz dos corajosos", à "normalização livre" que lhe está associada e ao fim da imunidade do espaço nacional árabe, conclui Abdallah As Sinnawi.

Para o orador árabe ver este link:

Nas raízes da relação entre Mohamad Hassanein Heykal, Anwar El Sadat e Henry Kissinger – Al Akhbar quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Do mesmo autor:

§  https://www.madaniya.info/2021/06/05/egypte-le-legs-de-nasser-comment-le-chef-est-tombe-dans-le-piege-qui-lui-a-ete-tendu/

§  https://www.madaniya.info/2021/06/12/egypte-la-sequence-sadate-le-coup-detat-de-linterieur-2-4/

Sobre o mesmo tema:

§  https://www.madaniya.info/2021/10/12/lart-de-la-negociation-du-president-syrien-hafez-al-assad/

§  https://www.madaniya.info/2021/10/06/sequence-hafez-al-assad-sadate-et-son-projet-de-voyage-a-jerusalem/

§  https://www.madaniya.info/2021/06/18/la-surprenante-eviction-du-general-saad-eddine-chazli-en-pleine-guerre-doctobre-1973/

 

 

Fonte: Égypte-Israël-États-Unis: La jalousie de Sadate vis à vis de Heykal – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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