13 de Novembro de
2023 Robert Bibeau
Por Robert Bibeau.
Oferecemos-lhe um debate entre Alastair Crooke (artigo abaixo) e Thierry Meyssan. Anuncia-se "o colapso do paradigma contemporâneo" (sic) que começou com a guerra na Ucrânia e a
guerra de Gaza. O outro analista anuncia "A fundação de uma nova ordem internacional baseada no direito
internacional" (sic), um novo paradigma segundo
Meyssan que poderia emergir da continuação das guerras na Ucrânia e em Gaza
(artigo em anexo). Os dois artigos convergem no mesmo eixo... Estas guerras
regionais e todas as outras guerras latentes – e mesmo as guerras urbanas que
estão a engolir as nossas cidades – estão a preparar as condições para a
próxima guerra mundial. A estratégia do grande capital globalizado parece hoje
mais complicada do que nas duas guerras mundiais anteriores, porque desta vez a
classe proletária é imensamente numerosa, duramente atingida e enfurecida... Só
lhe falta a consciência de classe e a organização revolucionária que virá com a
resistência pela defesa das nossas condições de vida e de trabalho e a luta
pela nossa emancipação. Ambos os artigos contêm boas informações e algumas
observações que nos deixam felizes com o quão longe chegamos na nossa luta
contra o grande capital. Ver: https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2023/11/comunicado-de-imprensa-sobre-greve-do.html
O colapso do
paradigma contemporâneo
Por Alastair Crooke – 16 de Outubro de 2023 –
Fonte Strategic Culture
Escrevi na semana passada, que a origem do actual conflito entre os Estados Unidos e a Rússia foi a omissão, no final da Segunda Guerra Mundial, de um tratado escrito que estabelecesse os limites e a definição dos "interesses" ocidentais e, pari passu, os interesses comerciais e de segurança da Rússia e da China no coração da Ásia.
Tudo ficou vago e não escrito na euforia do pós-Guerra Fria, para dar aos Estados Unidos uma margem de manobra que estes exploraram ao máximo. Manobraram para remilitarizar a Alemanha e para fazer avançar a NATO em direcção ao coração do país. Como muitos previram, esta abordagem americana acabaria por conduzir à guerra.
E, claro, as "frentes de guerra" assimétricas foram abertas horizontalmente em muitas esferas com a operação especial da Rússia na Ucrânia. Embora ostensivamente centrada em bloquear a absorção furtiva da Ucrânia pela NATO, esta operação também abriu a frente principal da Rússia - a de impedir a NATO de penetrar mais.
Hoje, todos os olhos estão postos na "guerra" que alastra pelo Médio Oriente. Muitas perguntas são feitas, mas a principal é: "Porquê”?
Podemos constatar que os problemas são muito semelhantes. No final da Segunda Guerra Mundial, o Ocidente queria que os seus judeus europeus tivessem uma "pátria" e, por isso, em 1947, a Palestina foi perenptoriamente dividida entre judeus e árabes.
A opinião dominante no Ocidente é que as dificuldades e as guerras que se seguiram a este acontecimento - em particular o actual confronto entre Israel/Palestina - são simplesmente o resultado da incapacidade perversa dos Estados árabes de aceitarem a existência do Estado de Israel. Muitos no Ocidente consideram esta incapacidade como, pelo menos, irracional ou, na pior das hipóteses, como uma falha cultural fundamental.
Tal como no caso da situação militar europeia do pós-guerra, nada foi formalmente acordado no que respeita à coabitação de judeus e árabes no mesmo pedaço de terra. Os Acordos de Oslo de 1993 foram uma tentativa de acordo, mas, mais uma vez, tudo era vago e a "chave" de segurança de todo o acordo foi deixada inteiramente ao critério de Israel.
Obviamente, isso foi
feito para dar a Israel a máxima margem de manobra. Mais ainda, esperava-se que
Israel tivesse a "vantagem" estratégica – não apenas a
"vantagem" política, uma vez que os Estados Unidos se comprometeram a
garantir que Israel também teria a "vantagem" militar sobre seus
vizinhos.
É evidente que o objetivo de fazer com que os Estados árabes aceitem a presença de Israel nunca foi perseguido, ou foi forçado através de medidas militares e financeiras (Síria, Iraque, Líbano e Irão). Excepto no caso do Egipto, com a devolução do Sinai ao Cairo. A actual iteracção da "normalização de Abraham" (acomodação de Israel) é, na realidade, o abandono dos palestinianos para que os sauditas possam cumprir a normalização.
Tal como o avanço da
OTAN visava colocar a Ásia sob o domínio dos Estados Unidos, a hegemonia cultural
do Grande Israel no Médio Oriente – pensada nos círculos do Beltway americano –
também colocaria o Médio Oriente nas garras do Ocidente.
O que está por detrás do actual aumento da resistência violenta
palestiniana radica precisamente num entendimento que é oposto ao dos círculos
do Beltway.
A "realidade" oposta é que, na última década,
Israel se afastou cada vez mais dos alicerces sobre os quais poderia ter sido
construída uma paz regional duradoura. Perversamente, Israel avançou na direcção
oposta, destruindo os pilares sobre os quais poderia ter sido possível uma
aproximação regional.
Ao longo da última
década, Netanyahu inclinou o eleitorado israelita para a direita, fazendo do
Irão a fantasia com que assusta o público. (Nem sempre foi assim: após a
revolução iraniana de 1979, Israel aliou-se ao Irão, contra a "vizinhança próxima" árabe.)
Netanyahu também
transmitiu ao seu eleitorado a "mensagem" de que, graças ao "sucesso" dos Acordos de
Abraão, o mundo já não se preocupa com os palestinianos. Que
são "notícias de ontem".
Esta atuação tem impedido o mundo ocidental de compreender plenamente os
planos dos ministros radicais do governo de Netanyahu.
Um dos principais
compromissos dos ministros de Netanyahu é construir o (terceiro) Templo judaico
no Monte do Templo, onde se encontra actualmente a Mesquita de al-Aqsa. Em
termos simples, isto significa um compromisso para demolir al-Aqsa e construir
um Templo judaico no seu lugar.
O segundo compromisso
fundamental é o de fundar Israel na "Terra
de Israel" bíblica. Como o Ministro da Segurança Nacional Ben Gvir
deixou claro, os palestinianos da Cisjordânia seriam confrontados com uma
escolha: partir ou viver sob o domínio de um Estado judeu supremacista.
A terceira é instituir
a lei judaica (Halakha) em vez da lei secular. Isto privaria os não-judeus em
Israel do seu estatuto legal.
Em conjunto - a judaização de Al-Aqsa, a fundação do Estado na bíblica
"Terra de Israel" e o fim
da lei básica secular - a
Palestina e o povo palestiniano são simplesmente apagados. Há três semanas,
Netanyahu ergueu um mapa de Israel durante o seu discurso na Assembleia Geral
das Nações Unidas: Gaza e os territórios palestinianos não constam do mapa. Foram apagados. A situação é tão existencial
como isso.
São estas as questões que, em última análise, estão na base da provocação
extrema das forças militares do Hamas contra Israel. O seu objectivo é quebrar o paradigma (não se trata de um apelo ao regresso ao
quadro de Oslo).
No entanto, ao reagir de forma exagerada, Netanyahu e a sua equipa
arriscam-se a "deitar abaixo" todo o projecto ocidental. Biden não
parece ver o perigo que espreita na sua própria linguagem demasiado zangada,
comparando o Hamas ao ISIS e apoiando uma resposta "rápida, decisiva e esmagadora" de
Netanyahu. Biden disse estar
convencido de que Israel tinha não só o
direito, mas o "dever" de retaliar, acrescentando que "os Estados Unidos apoiam Israel".
Biden arrisca-se a receber mais do que esperava: tragédia sob a forma de
retribuição total para os palestinianos em Gaza. Netanyahu, preso pela dinâmica
do seu próprio medo e vulnerabilidade, está a desempenhar o papel de Dionísio,
o Deus do excesso. E Biden encoraja-o.
Tal como a equipa de Biden expôs a América e a NATO à humilhação na Ucrânia, a equipa de Biden parece incapaz de imaginar o que poderia resultar da humilhação de Israel através da sua vingança em Gaza. A Ucrânia teve graves consequências financeiras para a Europa. Em Israel, a estrutura militar e dos serviços secretos acabou de implodir . Imaginem se a estrutura política também se tornasse disfuncional.
Quando o Ocidente olha para a situação de um ponto de vista puramente estático e instrumental (ou seja, que o Tsahal é muito mais poderoso do que o Hamas e que, consequentemente, o Hamas está destinado a ser destruído - "É uma questão de engenharia") - se "vocês" adoptarem este ponto de vista, talvez estejam a fazer a pergunta errada.
A questão a colocar é mais
uma questão dinâmica: como é que este
drama se vai desenrolar ao longo do tempo? De
que maneira é que a eventual guerra de Israel em Gaza pode gradualmente moldar
os cálculos do Hezbollah, da Síria e da esfera muçulmana - e abrir
oportunidades políticas que não estavam disponíveis até agora.
Podemos ver uma oportunidade a abrir-se directamente; ouça o que diz o porta-voz do Pentágono, John Kirby: "Por um lado, os rumores sugeriam que Biden estava a planear passar um cheque gigante de 100 mil milhões de dólares para se livrar da Ucrânia", mas agora deixa bem claro que: "Não se tenta obter apoio a longo prazo quando se está no fim da corda". (A Rússia pode agora encerrar prematuramente o episódio ucraniano).
O principal objetivo da tragédia dramática é despertar um sentimento de admiração no público, que vê no herói trágico uma imagem de si próprio. É o que está a acontecer enquanto o mundo islâmico assiste ao desmoronamento de Gaza. O Grande Ayatollah ("pacifista") Seyed al-Sistani lançou um apelo "ao mundo inteiro para que se oponha a esta terrível brutalidade". Irá a Cisjordânia desmembrar-se? Os palestinianos que vivem dentro da Linha Verde vão revoltar-se?
Se as forças israelitas invadirem Gaza, esta poderá facilmente transformar-se em Bakhmut/Artyemovsk - um triturador de carne devastador.
O Hezbollah está a preparar
lentamente a frente norte, mas com cautela. Será que desta vez os EUA vão
exagerar (como fizeram em 1983, quando o USS New Jersey bombardeou posições
drusas no Líbano)? Lembrem-se como acabou: a embaixada americana foi
completamente destruída e o quartel dos fuzileiros arrasado, matando 241
membros das forças armadas americanas. Actualmente, a força de intervenção do
USS Gerald Ford encontra-se ao largo da costa do Líbano, pronta a "dissuadir" o Hezbollah.
O Hezbollah e a Frente de Resistência anunciaram as suas linhas vermelhas . Se estas forem ultrapassadas, Nasrallah prometeu abrir uma nova frente.
Devemos, portanto, tentar ver os acontecimentos de forma dinâmica, e não apenas através da bolha das distracções de hoje: se Netanyahu e o ministro da Defesa Gallant - consumidos pelo desejo de vingar os acontecimentos de sábado - forem longe demais, Israel pode encontrar-se em perigo existencial .
Israel está rodeado por dezenas de milhares de mísseis inteligentes e drones. Um ataque ao Hezbollah ou ao Irão é a "pílula vermelha" para Israel. Irá Netayahu, consumido pela raiva e pelo pânico, arriscar-se? E se ele, Gallant e Gantz tentarem a pílula vermelha, será que o tecto vai desabar?
Alastair Crooke
Traduzido por Zineb, revisto por Wayan, para o le Saker Francophone
Que ordem internacional ?
.
por Thierry Meyssan. Em Quel ordre international ?, par
Thierry Meyssan (voltairenet.org)
Reproduzimos o texto do discurso de Thierry Meyssan em Magdeburgo
(Alemanha), na conferência organizada pela revista Compact,
"Amizade com a Rússia", no dia 4 de Novembro de 2023. Nele, explica o
que considera ser a diferença fundamental entre as duas concepções de ordem
mundial que hoje se confrontam, do Donbass a Gaza: a do bloco ocidental e a do
resto do mundo. Não se trata de saber se esta ordem deve ser dominada por uma
potência (unipolar) ou por um grupo de potências (multipolares), mas se deve ou
não respeitar a soberania de cada uma. O autor baseia-se na história do direito
internacional, tal como concebido pelo czar Nicolau II e pelo Prémio Nobel da
Paz Léon Bourgeois.
Vimos os crimes da NATO,
mas porquê afirmar a nossa amizade com a Rússia? Não haverá o risco de, amanhã,
a Rússia se comportar como a NATO se comporta hoje? Não estaremos a substituir
uma forma de escravatura por outra?
Para responder a esta pergunta, basear-me-ia na minha experiência sucessiva como conselheiro de cinco chefes de Estado. Por toda a parte, os diplomatas russos me disseram: "está no caminho errado: está empenhado em apagar um incêndio aqui, quando outro já começou noutro lugar". O problema é mais profundo e mais vasto.
Gostaria, portanto, de
vos descrever a diferença entre uma ordem mundial assente em regras e uma ordem
baseada no direito internacional. Não é uma história linear, mas uma batalha
entre duas concepções de mundo; É uma luta que temos de continuar.
No século XVII, os Tratados de Vestefália estabeleceram o princípio da soberania do Estado. Todos são iguais aos outros e ninguém pode interferir nos assuntos internos dos outros. Durante séculos, estes tratados regeram as relações entre os actuais Länder, bem como entre os Estados europeus. Eles foram reafirmados pelo Congresso de Viena em 1815, quando Napoleão I foi derrotado.
Na véspera da Primeira
Guerra Mundial, o czar Nicolau II convocou duas Conferências Internacionais de
Paz (1899 e 1907) em Haia para "procurar os meios mais eficazes de
assegurar a todos os povos as bênçãos de uma paz real e duradoura".
Preparou-os com o Papa Bento XV com base no direito canónico e não na lei do
mais forte. (sic) 27 Estados assinaram os trabalhos finais, após dois meses de
deliberações. O presidente do Partido Radical [Republicano] francês, Léon
Bourgeois, apresentou as suas reflexões [1] sobre a
dependência recíproca dos Estados e sobre o interesse que eles têm em se unir
apesar das suas rivalidades.
Por iniciativa de Léon Bourgeois, a Conferência criou um Tribunal
Internacional de Arbitragem para resolver litígios por meios legais e não por
guerra. Segundo Bourgeois, os Estados só aceitarão desarmar quando tiverem
outras garantias de segurança.
O texto final instituiu a noção do "dever dos Estados de evitar a
guerra"... através da arbitragem.
Sob o impulso de um dos ministros do czar, Frederick Fromhold de Martens, a
Conferência concordou que, durante um conflito armado, as populações e os
beligerantes deveriam permanecer sob a proteção dos princípios resultantes dos
"usos estabelecidos entre as nações civilizadas, as leis da humanidade e
os ditames da consciência pública". Em suma, os signatários
comprometeram-se a não voltar a comportar-se como bárbaros.
Este sistema só funciona
entre Estados civilizados que honram as suas assinaturas e são responsáveis
perante a opinião pública. Falhou, em 1914, porque os Estados perderam a sua
soberania ao celebrarem tratados de defesa que os obrigavam a entrar
automaticamente em guerra em determinadas circunstâncias que não podiam avaliar
por si próprios.
As ideias de Léon Bourgeois ganharam terreno, mas encontraram oposição, nomeadamente do seu rival no Partido Radical, Georges Clemenceau. Clemenceau não acreditava que a opinião pública pudesse evitar as guerras. Os anglo-saxónicos, o Presidente norte-americano Woodrow Wilson e o Primeiro-Ministro britânico Lloyd George, também não acreditavam. No final da Primeira Guerra Mundial, os três homens substituíram o direito internacional incipiente pelo poder dos vencedores. Repartiram o mundo e os restos dos impérios austro-húngaro, alemão e otomano.
Responsabilizaram apenas a Alemanha pelos massacres, negando os seus
próprios massacres. Impuseram o desarmamento sem garantias. Para evitar o
aparecimento de um rival do Império Britânico na Europa, os anglo-saxónicos
começaram a opor a Alemanha à URSS e obtiveram o silêncio da França,
assegurando-lhe que podia pilhar o Segundo Reich derrotado. De certa forma,
como disse o primeiro Presidente da República Federal, Theodor Heuss, organizaram as condições para o
desenvolvimento do nazismo.
Tal como tinham acordado entre si, os três homens remodelaram o mundo à sua
imagem (os 14 pontos de Wilson, os
acordos Sykes-Picot, a Declaração de Balfour). Criaram a pátria judaica da
Palestina, dissecaram a África e a Ásia e tentaram reduzir a Turquia ao
essencial. Organizaram todas as desordens actuais no Médio Oriente.
No entanto, foi com base nas ideias do falecido Nicolau II e de Léon
Bourgeois que a Liga das Nações (Liga) foi criada após a Primeira Guerra
Mundial, sem a participação dos Estados Unidos, que assim rejeitaram
oficialmente qualquer ideia de direito internacional. Mas a Liga das Nações
também fracassou. Não porque os Estados Unidos se recusassem a aderir, como se
afirma frequentemente. Tinham esse direito. Mas, em primeiro lugar, porque era
incapaz de restabelecer a igualdade estrita entre os Estados, sendo que o Reino
Unido se opunha a considerar os povos colonizados como iguais. Em segundo
lugar, porque não dispunha de um exército comum. E, finalmente, porque os nazis
massacraram os seus adversários, destruíram a opinião pública alemã, violaram a
assinatura de Berlim e não hesitaram em comportar-se como bárbaros.
Logo na Carta do Atlântico, em 1942, o novo Presidente americano, Franklin
Roosevelt, e o novo Primeiro-Ministro britânico, Winston Churchill, fixaram o objetivo comum de estabelecer um
governo mundial no final do conflito. Os anglo-saxónicos, que imaginavam
poder governar o mundo, não chegaram, no entanto, a acordo entre si sobre a
forma de o fazer. Washington não queria que Londres se intrometesse nos seus
assuntos na América Latina, enquanto Londres não tinha qualquer intenção de
partilhar a hegemonia do Império sobre o qual "o sol nunca se punha".
Durante a guerra, os anglo-saxónicos assinaram um grande número de tratados com
os governos aliados, em particular com os exilados, que acolheram em Londres.
De resto, os
anglo-saxónicos não conseguiram derrotar o Terceiro Reich; foram os soviéticos
que o derrubaram e tomaram Berlim. Joseph Estaline, o primeiro secretário do
PCUS, opunha-se à ideia de um governo mundial, e ainda por cima anglo-saxónico.
Tudo o que ele queria era uma organização capaz de prevenir futuros conflitos.
Seja como for, foram as ideias russas que deram origem ao sistema: a Carta das
Nações Unidas, na conferência de São Francisco.
No espírito das conferências de Haia, todos
os Estados membros da ONU são iguais. A Organização inclui um tribunal
interno, o Tribunal Internacional de Justiça, responsável pela resolução de
litígios entre os seus membros. No entanto, tendo em conta a experiência
anterior, as cinco potências vencedoras têm um lugar permanente no Conselho de
Segurança com direito de veto. Dada a falta de confiança entre elas (os
anglo-saxões tinham pensado em continuar a guerra com as tropas alemãs que
restavam contra a URSS) e desconhecendo o comportamento da Assembleia Geral, as
diferentes potências vencedoras quiseram garantir que a ONU não se voltaria
contra elas (os Estados Unidos tinham cometido crimes de guerra hediondos ao
lançarem duas bombas atómicas contra civis, enquanto o Japão se preparava para
se render aos soviéticos). Mas as grandes potências não entendiam o veto da
mesma forma. Para uns, era um direito de censurar as decisões dos
outros; para outros, era uma obrigação de tomar decisões por unanimidade dos
vencedores.
Só que, desde o
início, os anglo-saxões não jogaram: um Estado israelita declarou-se (14 de Maio
de 1948) antes de as suas fronteiras terem sido acordadas, e depois o enviado
especial do Secretário-Geral da ONU para supervisionar a criação de um Estado
palestiniano, o Conde Folke Bernadotte, foi assassinado por supremacistas
judeus sob o comando de Yitzhak Shamir. Além disso, o lugar no Conselho de
Segurança atribuído à China, no contexto do fim da guerra civil chinesa, foi
entregue ao Kuomintang de Chiang Kai-shek e não a Pequim. Os anglo-saxónicos
proclamaram a independência da sua zona de ocupação coreana sob o nome de
"República da Coreia" (15 de Agosto de 1948), criaram a NATO (4 de Abril
de 1949) e, em seguida, proclamaram a independência da sua zona de ocupação
alemã sob o nome de "Alemanha Federal" (23 de Maio de 1949).
A URSS considerou que tinha sido enganada e bateu com a porta (política do "lugar vazio"). O georgiano Joseph Estaline acreditou erradamente que o veto não era um direito de censura, mas uma condição da unanimidade dos vencedores. Pensou que podia bloquear a organização boicotando-a.
Os anglo-saxónicos
interpretaram o texto da Carta que tinham redigido e aproveitaram a ausência
dos soviéticos para colocar "capacetes azuis" na cabeça dos seus
soldados e fazer a guerra contra os norte-coreanos (25 de Junho de 1950) em
"nome da comunidade internacional" (sic). Finalmente, a 1 de Agosto
de 1950, os soviéticos regressam à ONU após uma ausência de seis meses e meio.
O Tratado do Atlântico Norte pode ser legal, mas o regulamento interno da NATO viola a Carta das Nações Unidas. Coloca os exércitos aliados sob o comando anglo-saxónico. O seu Comandante-em-Chefe, o SACEUR, era necessariamente um oficial americano. Segundo o seu primeiro secretário-geral, Lord Ismay, o verdadeiro objectivo da Aliança não era nem preservar a paz nem lutar contra os soviéticos, mas "manter os americanos dentro, os russos fora e os alemães sob controlo" [2]. Em suma, era o braço armado do governo mundial que Roosevelt e Churchill queriam criar. Foi para atingir este objectivo que o Presidente Joe Biden ordenou a sabotagem do gasoduto Nord Stream, que liga a Rússia à Alemanha.
Aquando da Libertação, o MI6 e o OPC (a futura CIA) criaram secretamente uma rede de permanência na Alemanha. Colocaram lá milhares de dirigentes nazis e ajudaram-nos a escapar à justiça. Klaus Barbie, que torturou o coordenador da Resistência Francesa Jean Moulin, tornou-se o primeiro comandante deste exército sombra. A rede foi depois integrada na NATO, onde foi fortemente reduzida. Foi então utilizada pelos anglo-saxónicos para interferir na vida política dos seus pretensos aliados, que eram na realidade seus vassalos.
Os antigos colaboradores de Joseph Goebbels criaram a Volksbund für Frieden und Freiheit. Perseguiram os comunistas alemães com a ajuda dos Estados Unidos. Mais tarde, os agentes da NATO que ficaram para trás conseguiram manipular a extrema-esquerda para a tornar detestável. Veja-se o caso do bando Bader, por exemplo. Mas quando estes homens foram detidos, os agentes infiltrados vieram assassiná-los na prisão, antes de poderem ser julgados e levados a tribunal. A partir de 1992, a Dinamarca espiava os políticos alemães, incluindo a chanceler Angela Merkel, por ordem da NATO, tal como, em 2022, a Noruega, outro membro da NATO, ajudou os Estados Unidos a sabotar o Nord Stream...
Voltando ao direito internacional, as coisas foram voltando à normalidade até que, em 1968, durante a Primavera de Praga, o ucraniano Leonid Brejnev fez na Europa Central o que os anglo-saxónicos faziam em todo o lado: proibiu os aliados da URSS de escolherem um modelo económico diferente do seu.
Foi com a dissolução da
URSS que as coisas começaram a piorar. O subsecretário da Defesa
norte-americano, Paul Wolfowitz, desenvolveu uma doutrina segundo a qual, para
se manterem senhores do mundo, os Estados Unidos deviam fazer tudo o que
estivesse ao seu alcance para impedir a emergência de um novo rival, a começar
pela União Europeia. Foi em aplicação desta ideia que o secretário de Estado
James Baker impôs o alargamento da União Europeia a todos os antigos Estados do
Pacto de Varsóvia e da URSS. Ao alargar-se desta forma, a União estava a
privar-se da possibilidade de se tornar uma entidade política. Foi também em
aplicação desta doutrina que o Tratado de Maastricht colocou a UE sob a protecção
da NATO. E é ainda em aplicação desta doutrina que a Alemanha e a França estão a
pagar e a armar a Ucrânia.
Depois veio o professor checo-americano Josef Korbel. Propôs que os anglo-saxónicos dominassem o mundo, reescrevendo os tratados internacionais. Bastava substituir o direito anglo-saxónico, baseado nos costumes, pela racionalidade do direito romano. Desta forma, a longo prazo, todos os tratados dariam vantagem às potências dominantes: os Estados Unidos e o Reino Unido, ligados por uma "relação especial", nas palavras de Winston Churchill. A filha do professor Korbel, a democrata Madeleine Albright, tornou-se embaixadora na ONU e depois Secretária de Estado. Depois, quando a Casa Branca passou para as mãos dos republicanos, a filha adoptiva do Professora Korbel, Condoleeza Rice, sucedeu-lhe como Conselheira de Segurança Nacional e depois como Secretária de Estado. Durante duas décadas, as duas "irmãs" [3] reescreveram pacientemente os principais textos internacionais, aparentemente para os modernizar, mas na realidade para lhes mudar o espírito.
Actualmente, as instituições internacionais funcionam de acordo com regras estabelecidas pelos anglo-saxões, com base em violações anteriores do direito internacional. Este direito não está escrito em nenhum código, pois é uma interpretação do costume pela potência dominante. Todos os dias, substituímos o Direito Internacional por regras injustas e violamos a nossa própria assinatura.
Por exemplo:
Quando os Estados Bálticos foram criados, em 1990, comprometeram-se por escrito a preservar os monumentos que honram os sacrifícios do Exército Vermelho. A destruição destes monumentos constitui, por conseguinte, uma violação da sua própria assinatura.
A Finlândia comprometeu-se por escrito, em 1947, a manter-se neutral. A adesão à NATO é, portanto, uma violação da sua própria assinatura.
Em 25 de Outubro de 1971, as Nações Unidas adoptaram a Resolução 2758 que reconhece que Pequim, e não Taiwan, é o único representante legítimo da China. Em consequência, o governo de Chiang Kai-shek foi expulso do Conselho de Segurança e substituído pelo de Mao Zedong. Por conseguinte, as recentes manobras navais da China no Estreito de Taiwan não constituem uma agressão contra um Estado soberano, mas sim a livre projecção das suas forças nas suas próprias águas territoriais.
Os acordos de Minsk destinavam-se a proteger os ucranianos de língua russa do assédio dos "nacionalistas integrais". A França e a Alemanha defenderam-nos perante o Conselho de Segurança. Mas, como afirmaram Angela Merkel e François Hollande, nenhum deles tinha qualquer intenção de os aplicar. As suas assinaturas não valem nada. Se assim não fosse, nunca teria havido uma guerra na Ucrânia.
A perversão do direito
internacional atingiu o seu auge em 2012, com a nomeação do americano Jeffrey
Feltman como Director dos Assuntos Políticos. A partir do seu gabinete em Nova
Iorque, supervisionou a guerra ocidental contra a Síria. Utilizar as
instituições da paz para fazer a guerra [4].
Até os Estados Unidos a ameaçarem com o armazenamento de armas na sua fronteira, a Federação da Rússia respeitava todos os compromissos que tinha assinado ou que a União Soviética tinha assinado. O Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) obriga as potências nucleares a não espalharem o seu arsenal nuclear pelo mundo. Os Estados Unidos, em violação da sua assinatura, armazenam há décadas bombas atómicas em cinco países vassalos. Treinam os soldados aliados para a utilização dessas armas na base de Kleine Brogel, na Bélgica, na base de Büchel, aqui na Alemanha (Renânia-Palatinado), nas bases de Aviano e Ghedi, em Itália, na base de Volkel, nos Países Baixos, e na base de Incirlik, na Turquia.
Depois dizem, em virtude da sua tomada de poder, que isso se tornou habitual. Agora, a Federação Russa, considerando-se cercada depois de um bombardeiro nuclear americano ter sobrevoado o Golfo da Finlândia, também brincou com o Tratado de Não Proliferação e instalou bombas atómicas em território bielorrusso. É claro que a Bielorrússia não é Cuba. Colocar ali bombas nucleares russas não muda nada. É apenas uma mensagem para Washington: se querem restabelecer a regra do mais forte, também podemos aceitá-la, excepto que, a partir de agora, somos nós os mais fortes. Note-se que a Rússia não violou a letra do Tratado, porque não está a treinar os militares bielorrussos com estas armas, mas tomou liberdades em relação ao espírito do Tratado.
Como explicou Léon
Bourgeois no século passado, para serem eficazes e duradouros, os tratados de
desarmamento devem basear-se em garantias jurídicas. É urgente regressar ao
direito internacional, caso contrário estaremos a mergulhar de cabeça numa
guerra devastadora.
A nossa honra e o nosso interesse são restabelecer o direito internacional.
Trata-se de uma construção frágil. Se queremos evitar a guerra, temos de o
restabelecer, e estamos certos de que a Rússia pensa como nós, que não o
violará.
Podemos apoiar a NATO, que reuniu os seus 31 ministros da Defesa em
Bruxelas, a 11 de Outubro, para ouvir por videoconferência o seu homólogo
israelita anunciar que ia arrasar Gaza. E nenhum desses ministros, incluindo o
alemão Boris Pistorius, se atreveu a pronunciar-se contra o planeamento deste
crime em massa contra civis. A honra do povo alemão já foi traída pelos nazis,
que acabaram por vos sacrificar. Não se deixem trair de novo, desta vez pelos
Sociais-Democratas e pelos Verdes.
Não temos de escolher
entre dois senhores, mas sim proteger a
paz, do Donbass a Gaza, e, em última análise, defender o direito internacional.
Em complemento: https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2023/11/judeus-de-franca-manifestam-se-contra-o.html
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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