quarta-feira, 29 de abril de 2020

Multiplicam-se evidências científicas de genocídio sanitário




Não foi de forma imponderada que classificámos o quadro pandémico que actualmente se vive, em Portugal e no resto do mundo, como um autêntico genocídio sanitário. À medida que o tempo passa e a poeira que nos lançaram para os olhos – com o objectivo de nos esconder a realidade – começou a assentar, é cada vez mais evidente que essa classificação foi, e continua a ser, inteiramente justa e justificada.
Tal como já havia sido denunciado pelas Ordens dos Médicos, Enfermeiros e Farmacêuticos, o resultado combinado:
•    da insuficiência de meios para lhe dar um combate mais eficiente e eficaz
•    do medo da infecção por COVID-19,
•    do confinamento,
•    da menor procura das urgências para tratamento e seguimento de outras patologias
•    e do cancelamento de consultas e de outros actos médicos  considerados não urgentes
foi agora sintetizado num estudo que investigadores do Instituto de Medicina Baseada na Evidência, da Faculdade de Medicina de Lisboa, levaram a cabo.
Segundo o dito estudo a taxa de letalidade daqueles factores combinados terá sido muito mais elevada do que a provocada pela pandemia de COVID-19. Isto é, entre 1 de Março e 22 de Abril, terão falecido mais 2.400 a 4.000 pessoas do que em igual período do ano passado, podendo ler-se no relatório do supracitado estudo que “...uma parte significativa das mortes poderá ter resultado do adiamento da procura de cuidados de saúde e do cancelamento de consultas e cirurgias não urgentes”.

Para sublinhar as conclusões a que chegaram, os investigadores referem que “...até ao dia 22 de Abril estavam confirmadas 785 vítimas mortas de COVID-19...”, concluindo que o excesso de mortalidade foi de 3,5 a 5 vezes superior à atribuída ao novo vírus!!! Tal como afirma o Director do Instituto e coordenador do estudo, António Vaz Carneiro...não é profissionalmente, cientificamente e eticamente possível ignorar esta indução de mortalidade excessiva por os doentes não terem cuidados...
Só crápulas sem ética, profissionalismo ou sem qualquer qualificação científica, podem defender o contrário. Como o fez, na conferência de imprensa de ontem, o porta-voz da Direcção-Geral da Saúde que afirmou, de forma totalmente imbecil, que “só” teria sido de 307 o excesso de mortalidade, comparativamente à média dos últimos 5 anos! De uma direcção-geral de saúde que já nos brindou com todo o tipo de manipulações e alarvidades – desde ocultação de dados fidedignos sobre contagem de infectados e mortos, até desvalorização do uso de máscara, passando por fazer acreditar que o vírus não se transmitiria entre seres humanos –, é mais uma!
Num quadro em que a esmagadora maioria dos países capitalistas e imperialistas, em nome do lucro e da rentabilidade, levaram os seus serviços públicos de saúde ao colapso, seria mais do que certo e expectável que uma pandemia viral como a do COVID-19, iria colocar a nu todas as suas fragilidades.
O método encontrando, o confinamento, foi o mesmo que as sociedades medievais aplicaram quando pandemias letais como a peste negra eram responsáveis por milhões de mortes e se julgava que o método permitiria retardar a disseminação do vírus e, logo, da sua mortalidade. Tal como a classe dominante de então – os senhores feudais –, a classe dominante na época actual – a burguesia capitalista e imperialista –, pouco ou nada investe no serviço público de saúde.
Depois de ter, sucessivamente, decretado por três vezes o estado de emergência, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou que não iria renovar esse instrumento absolutamente fascista embora constitucional. Não quer fazer mais o papel de polícia mau nesta péssima peça de ópera bufa. Deixa, agora, esse papel para António Costa que, até agora tem desempenhado o papel de “polícia bom”, o tal que até tinha feito acreditar que manifestara algumas reservas aquando do decretar do primeiro estado de emergência.

Se o confinamento foi decretado para retardar a propagação do vírus ou escalonar a mortalidade, e assim evitar o congestionamento dos hospitais públicos insuficientemente preparados para fazer face a esta – ou a qualquer outra – pandemia, o que ficou amplamente demonstrado, é que o vírus sempre segue a sua missão, seja em alta velocidade ou em ritmo mais moderado, mas que não é aquele tipo de medida que impedirá, quer a sua propagação, quer a sua progressão letal.

Perante um quadro de total impreparação do SNS para fazer face a esta pandemia – ou qualquer outra com uma taxa de infecção e letalidade como esta – o governo escolheu o caminho que considerava encobrir da maneira mais adequada as suas responsabilidades numa política de liquidação do Serviço Nacional de Saúde.
E, claro está, contou desde logo com todos os escribas vendidos ao grande capital, que se prestaram a ajudar o governo de Costa a instalar o medo e o pânico entre os operários e os trabalhadores. A paralisia foi tal que levou a um decréscimo de mais de 50% da procura dos serviços de urgência e a uma quebra de cerca de 20 milhões de actos clínicos – consultas, exames, urgências, etc.
Sem que fosse caso único, de entre esses escribas destacou-se Rodrigo Guedes de Carvalho. Desde a primeira hora foi um dos que divulgou, com inexcedível oportunismo e total desqualificação intelectual, aquilo que o governo lhe tinha encomendado. Destratando a população, sobretudo aquela que é potencialmente utente dos serviços públicos de saúde, responsabilizando-a directamente por qualquer fracasso na contenção da pandemia, chegou a ser “mais papista do que o papa” ao propor medidas terroristas e fascistas de repressão, para punir aqueles que se atrevessem a colocar em causa o estado de emergência e as suas consequências.
Um tipo de jornalismo acéfalo e terrorista que nada mais tem feito do que escamotear que a progressão da pandemia viral de COVID-19 e a taxa de mortalidade que lhe está associada, são da inteira e exclusiva responsabilidade de um governo que privilegia os credores em relação à saúde, como o demonstra o facto de dedicar verbas muito superiores para o “serviço da dívida” do que aquelas que destina para a saúde.
Para se combater a pandemia do COVID-19, criaram-se as condições para que ocorresse um novo tipo de pandemia, ainda mais mortal. Uma pandemia paralela que se aproveita da paralisia induzida pelo governo, que apelou aos utentes do SNS para que deixassem de procurar as urgências, ao mesmo tempo que procedeu ao cancelamento de milhares de consultas hospitalares e outros actos médicos – onde se incluem consultas programadas para centros de saúde ou unidades de saúde familiar.
Neste contexto, pouca diferença faz se o terror se instala através do decretar de um estado de emergência ou de um estado de calamidade. Os operários e os trabalhadores estão confrontados com um colapso deliberadamente provocado e um desemprego maciço voluntariamente suscitado.
O caos generalizado que se instalou, marcado pelo sofrimento e pela miséria inevitável e iminente, é duplo. Por um lado, o governo pretende fragilizar – quer no plano psicológico, quer no plano social – os operários e os trabalhadores. Tudo isto para os forçar a acreditar que são governantes “benevolentes e generosos”, pelo que devem ter confiança no aparelho de estado que vela...pela sua saúde!

Esticada a corda até a um ponto próximo da ruptura, o estado de calamidade que o governo se prepara para impor tem por objectivo mitigar os efeitos do caos iminente e preservar a ordem económica dominante, restabelecendo o papel proeminente do Estado, com a canina cumplicidade, claro está, de toda a sorte de jornalistas e jornais, rádios e televisões de merda, bem como de comentadores, analistas e outros parasitas que de ciência nada sabem, mas que se arrogam grandes especialistas... na arte de papaguear o que o regime lhes encomenda!
Os operários e os trabalhadores, em Portugal como no mundo inteiro, ganham cada vez mais consciência de que, para a burguesia,  o inimigo não é o coronavirus, mas sim o proletariado, um inimigo de longa data daquela classe e do seu sistema capitalista e imperialista, muito mais ameaçador, esse vírus social mais perigoso e letal do que o coronavirus. A burguesia vê no seu Estado, a única arma para salvar a sua ordem capitalista. Ela sabe que um fracasso pode inflamar o mundo. E parecendo forte ao decretar estados de emergência e de calamidade, impondo a repressão fascista como tem acontecido, só demonstra a sua fraqueza, condição que há-de levar a que o seu modo de produção sucumba ao ataque daqueles que forem afectados pelo vírus da rebelião.

29Abr2020

Retirado de: http://www.lutapopularonline.org/index.php/pais/89-saude/2715-multiplicam-se-evidencias-cientificas-de-genocidio-sanitario



A crise que se segue – A crise dos lucros




Por Gaston Lefranc

O ciclo que se iniciou em 2009 chegará ao fim em breve. Foi particularmente longo, intercalado por uma mini-recessão em 2015-2016. Mas o fim está a chegar. As contradições estão a aumentar e o rebentamento da bolha financeira pode, como em 2008, precipitar a entrada em crise. Ao contrário de 2008, a margem de manobra dos governos agora é muito baixa. Noutras palavras, as consequências serão ainda mais terríveis para os trabalhadores. Mais intensamente do que nunca, será apresentada a alternativa entre barbárie capitalista e socialismo.

O que nos dizem os últimos dados da contabilidade nacional americana ?

A taxa de lucro é o termómetro da saúde da economia capitalista. Ela mede-se relacionando o lucro das empresas (vendas menos custos de produção) ao capital investido. Por razões práticas, o lucro é referido como "capital fixo" (capital investido nos meios de produção). Existem várias maneiras de medir o capital fixo: aqui mantemos a medida pelo “custo de reposição”, uma medida geralmente usada por quem diagnostica uma recuperação acentuada da taxa de lucro desde o início dos anos 80 (o chamado período “neoliberal”). Pode-se calcular uma taxa de lucro antes de impostos e uma taxa de lucro após impostos.

Podemos ver claramente que a taxa de lucro caiu acentuadamente de meados da década de 1960 até o início da década de 1980. Então a taxa de lucro (antes de impostos) estagnou, num nível baixo, a partir da década de 1980. Noutras palavras, não houve, portanto,  destruição suficiente de capital para corrigir a taxa de lucro e fazer regressar a acumulação. A tese da desconexão entre lucro (que teria aumentado) e investimento (que permaneceria lento), transmitida pelos keynesianos anti-liberais e por certos marxistas, é, portanto, um mito.

É interessante comparar (Quadros 1 e 2) a taxa de lucro antes e depois dos impostos: vemos que no chamado período neoliberal, os governos reduziram os impostos pagos pelas empresas na tentativa de melhorar a lucratividade das mesmas. Eles conseguiram, assim, corrigir a taxa de lucro após impostos, especialmente a de empresas financeiras desde 2009.

Quadro 1: Taxa de lucro de empresas financeiras e não financeiras. Neste gráfico e no seguinte, o lucro antes de impostos é avaliado com a escala esquerda, enquanto o lucro após impostos é avaliado com a escala direita
Quadro 2: Taxa de lucro de empresas não financeiras

Se nos focarmos sobre o período recente usando dados trimestrais (Quadro 3), podemos representar as massas de lucro bruto (antes da depreciação), lucro líquido (após depreciação) e lucro líquido após impostos (após depreciação e impostos) .
Podemos notar várias coisas:

–        Por um lado, a massa de lucro (a distinguir da taxa de lucro: a massa de lucro pode aumentar enquanto a taxa de lucro cai) diminui a partir de meados de 2006, ou seja antes do início da crise: isso confirma que a crise de 2008 foi de fato uma crise de rentabilidade.

–      O lucro recupera até 2014. É o lucro após impostos que está a recuperar mais: medimos a extensão dos esforços do governo americano para reduzir a carga tributária das empresas e melhorar a sua lucratividade.

–        Os lucros estagnam desde, e baixam claramente no primeiro trimestre de 2019, antes de recuperar ligeiramente no segundo semestre de 2019.  
Quadro 3 : O lucro bruto, líquido, líquido após impostos foram padronizados a 100 em 2005, o que permite melhor representar as evoluções  
É interessante comparar as evoluções do lucro e do investimento das empresas (Quadro 4). Observaremos que durante a crise de 2008, a queda do lucro (iniciada em meados de 2006) precede num ano e meio a queda do investimento (início de 2008). Temos, portanto, a confirmação empírica da tese de que é a queda dos lucros que causa a queda dos investimentos e a entrada em crise. É o que geralmente observamos durante as crises, como demonstrado pela economista marxista Tapia Granados: https://urlz.fr/aJAR

Vemos também um fenómeno interessante: desde 2016, testemunhamos uma desconexão entre lucro e investimento, mas não é uma desconexão, como é fantasiado por marxo-keynesianos ou pós-keynesianos: há um super-investimento das empresas nos EUA por comparação com o lucro. Essa desconexão é um factor de crise: o investimento terá que se ajustar por baixo, e esse ajuste será tão mais forte quanto a massa de lucros irá, sem dúvida, diminuir nos próximos meses. De facto, os salários estão a crescer mais rapidamente: + 3,2% em Agosto num ano (+0,4 pontos em relação a Julho), o que afectará os lucros no terceiro trimestre. Marx também havia notado (Livro II do Capital) que "as crises são sempre preparadas precisamente  num período de aumento geral dos salários" ... não desagradam aos marxo-keynesianos que pensam que os salários baixos estão na origem das crises. (De facto, as duas visões são complementares. No início da crise económica - enquanto as taxas de lucro persistem, os trabalhadores recebem melhores salários, mas não são esses aumentos salariais que impulsionam a baixa dos lucros, mas o congestionamento dos mercados, consequência do sobre-investimento, enquanto o poder de compra de massa estagna, tendência que os bancos tentam reverter, abrindo todo o crédito até a ruptura. Robert Bibeau, Nota do Editor).

Quadro 4

Interessemo-nos agora pelas componentes da procura interna: o consumo e o investimento (em habitação para famílias e não habitação para empresas). O gráfico seguinte (Quadro 5) contradiz descaradamente as teses sub-consumistas que explicam a crise pela queda no consumo causada por salários baixos e políticas de austeridade. O que cai primeiro é o investimento em habitação no início de 2006 (crise do subprime); o investimento empresarial não imobiliário caiu drasticamente no início de 2008. Nada a ver com o consumo, que se manteve relativamente bem em relação ao investimento e que limitou a queda do PIB. (Sendo um dado adquirido que o consumo assenta fortemente no crédito que não solvente ... esse consumo não se pode transformar em lucro perante os milhões de falências pessoais e empresariais. NdEd).

E o que podemos ver no período recente: uma queda no investimento em habitação desde o início de 2018 ... logo seguida de uma queda no investimento excluindo a habitação no 2º trimestre de 2019. Podemos antecipar uma queda no investimento nos trimestres que se seguem, tendo em conta o excesso de investimento desde 2016. A história certamente não se repete de forma idêntica, mas ainda assim existem determinantes profundos que os sub-consumidores deviam admitir. Mas a ideologia anti-liberal tem certezas de que a clareza dos factos não pode abalar ...

Quadro 5

Quando o investimento aumenta mais rapidamente que o lucro, a dívida das empresas aumenta: elas precisam de recursos adicionais para financiar os seus investimentos. O aumento da dívida também pode ser explicado por razões de especulação financeira (compra de títulos financeiros). No Quadro 6, vemos que a parcela da dívida empresarial no PIB agora é maior do que era antes da crise do início dos anos 2000 e da de 2008-2009. Obviamente, isso não é sustentável, apesar das baixas taxas de juros.

Quadro 6 : A azul claro, o montante das dívidas das sociedades não financeiras e a azul escuro esse montante relacionado com o PIB

Podemos observar o mesmo fenómeno, ainda mais ampliado, nos chamados países "emergentes", antes de tudo na China (Quadro 7), onde o endividamento das empresas, famílias e administrações públicas aumentou acentuadamente desde 2008.


Quadro 7 : A vermelho, a dívida pública em % do PIB, a amarelo a dívida das famílias e a azul a das empresas
Estas análises baseadas no lucro e na taxa de lucro são, obviamente, muito grosseiras, mas, no entanto, permitem-nos tirar lições bastante claras. Enquanto os anti-liberais continuam a repetir-nos que os lucros estão a ir bem, mas que o investimento é lento por causa das "finanças" desagradáveis ​​que absorveriam os lucros, a realidade é realmente o oposto: o investimento aumenta mais rapidamente esses lucros, de modo que a sobre-acumulação de capital (muito pouco valor excedente é extorquida em comparação com a massa de capital investida) aguça e constitui a causa profunda da próxima crise. Obviamente, seria necessário afinar a medida da taxa de lucro, nomeadamente para integrar o capital circulante constante e o capital variável no denominador da taxa de lucro. Se frequentemente medimos (para simplificação) a taxa de lucro como o lucro relacionado ao capital fixo, é porque não podemos obter directamente (no denominador da taxa de lucro) a quantidade de consumo intermediário e o montante dos salários da contabilidade contas nacional. Com efeito, a taxa de lucro mede o lucro relacionado com o capital avançado. É necessário, portanto, medir a velocidade de rotação do capital (ou seja, a velocidade com que um elemento do capital atravessa todo o ciclo AM ... P ... M'-A ' com A a representar a forma dinheiro, M a forma  mercadoria , P, a forma produtiva). Quanto maior for essa velocidade, maior a taxa de lucro, porque uma determinada quantidade de capital pode ser usada com mais frequência durante o ano e, portanto, gera mais ganho de capital num ano o num trimestre.

Economistas marxistas procuram medir a velocidade de rotação do capital circulante (constante e variável) a partir de dados da contabilidade nacional. É o caso de Brian Green (o seu site é:  https://theplanningmotive.com/), que mostrou que nos últimos tempos a velocidade da rotatividade de capital diminuiu nos Estados Unidos e na China, o que indica que a taxa de lucro "real" está ainda mais deprimida o que  indica a medida incompleta que relaciona o lucro com o capital fixo.

O que dizem os últimos dados da contabilidade nacional francesa?

As contas nacionais oferecem-nos uma estrutura contábil rigorosa que dissipa um certo número de fantasmas. Em relação às empresas não financeiras, temos a seguinte igualdade contábil:

Lucro + Empréstimo do ano = Investimento + Receita de capital (juros, dividendos) + Impostos e transferências

Esta igualdade é bastante simples de interpretar: os lucros que as empresas geram permite-lhes investir, pagar dividendos aos capitalistas e pagar impostos. Em geral, o lucro é menor que a soma do investimento, da renda e dos impostos: de repente eles contraem empréstimos (principalmente às famílias ou possivelmente no exterior). A soma dos lucros (excedente operacional bruto em contabilidade nacional) e empréstimos do ano (necessidade de financiamento) constituem os "recursos disponíveis" das empresas para financiar  o investimento, as receitas do capital e os impostos.

Será que que observamos que as empresas investem cada vez menos em proporção dos recursos que libertam? Nem um pouco. Pelo contrário, nos últimos anos, a parte do investimento teve tendência a aumentar, enquanto a da renda do capital tende a diminuir (Quadro 8).

Quadro 8

Medimo-lo ainda mais claramente com o gráfico seguinte, que relaciona as receitas da propriedade com o investimento (Quadro 9).
Quadro 9

O gráfico a seguir (Quadro 10) permite ver que, como nos Estados Unidos, o investimento aumentou mais rapidamente do que os lucros desde 2008. Se a necessidade de financiamento de empresas permanecer razoavelmente baixa (mas a sua relação dívida / PIB aumentar como nos Estados Unidos, devido ao fraco crescimento), a renda e os impostos caíram.
Quadro 10

Como nos Estados Unidos, o governo intensificou as medidas fiscais para melhorar a taxa de lucro após impostos. Dessa forma, 2019 é um ano de choque para os capitalistas, com 20 biliões de CICE e 20 biliões de queda de contribuições. São apenas as medidas fiscais que explicam que a taxa da margem das empresas aumentou acentuadamente no início de 2019. Com efeito, a produtividade estagna, o que mostra a fragilidade da situação, marcada por uma taxa de lucro após impostos tirada à força de braços pelo governo.

Macron conta prosseguir com os presentes para o patronato. Ele prometeu reduzir o imposto sobre as empresas para 25% (contra os 33% no início do seu mandato de cinco anos) em 2022, estando já a redução em andamento. Por fim, embora o governo tenha anunciado que seriam mobilizados 1,5 biliões de cortes nos nichos fiscais das empresas para financiar as medidas  "coletes amarelos" («gilets jaunes» - Nota do tradutor) , não foram senão 620 milhões que foram retirados dos bolsos do patronato: uma miséria em comparação com os 40 biliões de ofertas este ano!


Multiplicam-se os sinais de uma crise em 2020

Em primeiro lugar, convém assinalar que a indústria mundial já está em quasi-recessão. Nos EUA, o índice de produção ISM era de 47,8 em Setembro, o seu nível mais baixo desde Junho de 2009. Na Alemanha, a produção industrial caiu 4,2% entre Julho de 2018 e Julho de 2019, o que provocou na economia como um todo, uma queda de 0,1% do PIB no segundo trimestre de 2019. Na China, segundo estatísticas do governo, os lucros industriais caíram 1,7% nos primeiros sete meses de 2019. Todos os indicadores agora estão a vermelho na indústria.

Os organismos oficiais continuam a prognosticar a ausência de recessão nos dois próximos anos, mesmo que revejam as suas previsões em baixa. O Departamento do Tesouro prevê, após 3,6% de crescimento mundial em 2018, 3,1% de crescimento em 2019 e até uma ligeira recuperação em 2020, com 3,3% de crescimento. O FMI prevê 3,0% para 2019 e 3,4% para 2020. Para a França, o Banque de France prevê pacificamente um crescimento de 1,3% em 2019 e 2020, e depois 1,4% em 2021. Esses organismos oficiais nunca previram recessões: a sua falência intelectual não os impede de continuar a fazer as suas falsas previsões como se nada tivesse acontecido.

Em segundo lugar, as tensões comerciais exacerbam-se tendo como pano de fundo a  desaceleração económica. O comércio mundial deveria crescer três vezes mais lentamente em 2019 do que em 2018: + 1,4% após + 4,5%. Trump está a adoptar um proteccionismo aduaneiro, mas deve ter em conta as pressões que enfrenta das empresas americanas, que estão organizadas à escala mundial e que, portanto, são penalizadas por essas medidas. Mas o desafio com a China está principalmente no controle de novas tecnologias e de saber quem domina as indústrias do futuro (inteligência artificial, robótica, 5G, etc.)
Em terceiro lugar, "a inversão da curva das taxas de juro" este verão nos Estados Unidos é geralmente anunciadora de uma crise dentro de cerca de um ano depois. Foi o que observamos com a inversão da curva em 2007. A inversão da curva das taxas de juro decorre do facto de as taxas de juros de curto prazo se tornarem mais altas que as taxas de juros de longo prazo: trata-se de uma situação anormal que reflecte o facto de que um grande risco é identificado no curto prazo e que o longo prazo se está a tornar mais seguro.

Em quarto lugar, as tensões sobre o mercado interbancário dos EUA em Setembro (cf. https://urlz.fr/aLDH) mostram a febrilidade dos bancos que estão cada vez mais relutantes em se emprestar mutuamente. A Reserva Federal dos EUA teve que injectar quantias enormes de dinheiro para evitar uma crise de liquidez. Mas essas injecções maciças e repetidas (que o Fed foi forçado a prolongar até pelo menos Novembro) apenas alimentarão as bolhas, mas não fornecerão uma solução rápida para os problemas de solvência dos bancos.

Trump está a pressionar a Reserva Federal  a reduzir significativamente as taxas de juros e injectar liquidez maciçamente. O seu objectivo é simples: impedir que a crise comece antes de Novembro de 2020 (a data das eleições americanas), o que poderia custar a sua reeleição. Mas essa corrida precipitada só poderia alimentar o endividamento e as bolhas, o que ampliará a escala da próxima crise. Além disso, uma queda muito acentuada nas taxas de juros também pode ameaçar o estatuto do dólar como moeda de referência mundial. A equação é insolúvel e nada impedirá uma crise no curto prazo.

A próxima crise será terrível para os trabalhadores/as

A grande diferença com 2008 é que a margem de manobra orçamental e monetária dos governos foi consideravelmente reduzida para fazer face à crise. As taxas de juros directoras dos bancos centrais já são muito baixas. Elas são zero na zona euro. Portanto, os governos não poderão reduzir mais acentuadamente as taxas de juros na tentativa de reiniciar o investimento. É por isso que algumas pessoas pensam em medidas sem precedentes para tentar retomar a economia, como distribuir dinheiro gratuitamente às famílias ("dinheiro de helicóptero", como se o banco central estivesse a derramar notas para a população do topo do seu helicóptero) , calculando que esse dinheiro não alimentará bolhas nos mercados financeiros, mas será usado para consumo. No entanto, mesmo que esse dinheiro seja usado para consumo, é uma ilusão completa pensar que distribuir dinheiro é uma solução rápida. Não é o consumo que impulsiona o crescimento, é o investimento das empresas que depende dos lucros. A distribuição de dinheiro não aumentará a produção: fará com que os preços subam e não haja ganho no poder de compra dos trabalhadores. (E, acima de tudo, essa difusão de dinheiro-crédito falso levará à desvalorização das moedas e ao desaparecimento de economias que se evaporarão e empobrecerão milhões de pequenos aforradores que serão despejados das suas casas. NdE).

A margem de manobra orçamental é ela também muito limitada. A crise de 2008 levou a um aumento dos défices públicos e, portanto, da dívida pública (que não foi reduzida desde então). Para resgatar os capitalistas, os governos não se podem dar ao luxo de aumentar o défice público nas mesmas proporções que na crise anterior. (E no entanto, em Março de 2020, os governos do G20 anunciaram mais de 5 triliões de dólares para lidar com o confinamento da economia capitalista e as dezenas de milhões de desempregados. NdEd). Eles terão que o sacar directamente dos bolsos dos trabalhadores / as e, portanto, implementar contra-reformas brutais para tentar retomar a acumulação. Para evitar isso, temos apenas uma maneira alternativa: romper com o sistema capitalista e assumir o controle da economia para impor outra lógica: mobilizar os meios de produção para produzir de acordo com as necessidades, e não de acordo com a rentabilidade do capital.
Gaston Lefranc














Graça Fonseca: a visão da burguesia sobre a crise da cultura em contexto de pandemia


Numa reacção à entrevista que a Ministra da (In)cultura, Graça Fonseca, deu à RTP 1, a propósito da “resposta” que o governo que integra pretende dar à crise no sector provocada pela pandemia de COVID-19, os meus camaradas Sofronisco e Viriato escreveram este texto cujo conteúdo deve despoletar um debate sério na sociedade àcerca do que o sector da cultura deve exigir para que se torne independente e um contributo para o elevar da consciência política, social e cultural dos operários e dos trabalhadores.

15 milhões para os media (75% nacional 25% regional)
1 milhão para os artistas (chega para dar o salário mínimo a 1500 artistas aprox.)
600 mil para os livreiros.
É só fazermos as contas, sabemos quais são as prioridades...
A lógica do dinheiro no cerne de de tudo. Se tiver fins lucrativos, comercializar se facilmente, abranger as massas haverá esse investimento do poder político e da indústria em si, promotores, agentes, entidades etc. É uma espiral, por isso compete a muita gente essa revolução de mentalidades.
Aqueles ditos artistas da alcatifa da fama que andam à boleia, que dominam as ditas rádios, ditas televisões, e ditos festivais, mas não dominam de música ironicamente. Monopolizam a indústria de tal forma que só não vê quem não quer o saque, os interesses e os empurrões. Talvez se as pessoas soubessem dessas ascensões duvidosas os mandassem bugiar, ou talvez até gostassem mais.

E um sistema político que é complacente com isto é tão ou mais culpado. Um serviço público que não tem um sistema de candidatura para as diversas áreas do meio artístico, e insere quem se chega à frente ou quem tem padrinhos, é um serviço podre. Que não existe. Tal e qual aquele festival daquele partido revisionista, que se diz (meramente à toa) defensor de um ideal onde a igualdade e a justiça são critérios prioritários, e isso é tudo falso e prestam a mesma vassalagem. Como se vê aliás na acção que têm no (des)governo.
...Assim vai o país na área da música. A diferença existe naqueles que não compactuam, que não andam à boleia e sabem um pouquinho mais de música. Sendo que ler livros vai no batalha, curiosamente é quem mais falha na hora da batalha. Quem é farinha deste saco a seco engolirá, quem não é um sorriso bradará.
E aqueles que têm a lata e desonra de fazer/pedir crowdfunding para gravar álbuns? Pedir para um luxo..! Tenham vergonha também! Trabalhem! Claro está que a culpa é de quem dá, mas vão enganados na carruagem.
E aqueles que têm amiguinhos com dinheiro e Dick Tracys? Tocam nos bares da vizinhança e enchem a pança com o mesmo consumo rápido dos enchidos sem fome de renome.
Para ”nós “ a cultura tem uma importância determinante no processo civilizacional. A cultura é uma forma superior de comunicação e relacionamento humano. É através dela que é possível identificar as relações sociais de uma determinada época porquanto a consciência do artista, associada à sua capacidade criativa, procedem do movimento que tem por base as relações de produção estabelecidas entre as classes num determinado sistema de organização social.
Em Portugal, assim como em todo o mundo do capitalismo globalizado, a cultura que predomina é a da classe dominante – a burguesia capitalista –, que com o objectivo de perpetuar a sua dominação, utiliza todos os meios para impor uma concepção metafísica do mundo, no intuito de justificar a ordem estabelecida e afastar as massas populares da luta pela sua própria emancipação.
Não temos qualquer perspectiva e postura de carácter serventuário nem de submissão, como os partidos da burguesia que são bengalas e reboque do dinheiro, e como tal defenderemos sempre e acima de tudo os direitos das massas populares contribuindo para uma autêntica afirmação e valorização de uma autêntica cultura popular e progressista.
A música contempla juntamente com outras artes , a definição que conhecemos de cultura. Ela é uma difusor em termos criativos, abrangendo poesia e pintura através do seu lado abstracto proporcionando ideias de cores texturas etc; ela está também associada ao cinema e ao teatro servindo como base na emancipação e engrandecimento dessas mesmas artes; ela reflecte um estado de alma de um povo, sem olhar a classes sociais. Ela, na sua concepção metafísica, espacial e emocional é a personificação da sociedade sem classes, do exteriorizar mais elevado dos sentimentos por parte do autor, e da percepção imediata de sentimentos por parte do ouvinte.

A partir do momento em que é usada como meio de marketing, explorando assim tudo que é susceptível de defraudar, como meio comercial eclodindo no mainstream e monopolizando os meios que a difundem e vice versa, em que determinados artistas têm privilégios e asseguram favores, limitando e condicionando assim outros artistas silenciando e não permitindo a sua entrada na indústria, e que a partir do momento em que a música e movida por grupos, lobbies cujo o principal objectivo é a divulgação rápida e contínua, até à exaustão, da arte sonora, e ela é pré concebida nesses moldes comerciais, ela está moribunda. Deixa de ser música. Uma das nossas propostas nesse sentido seria a criação e implementação (para o público e privado) de uma comissão de análise isenta imparcial e com elementos de variados estilos de música de forma a atender e evitar o boicote dos artistas na sua amplitude. Através de uma análise séria e equitativa, combatendo assim o actual modelo totalmente parcial e injusto , controlado e minado por alguns músicos, promotoras/editoras e directores de emissão (rádio e televisão). Só assim haveria uma revolução justa na cultura e digna do próprio nome. Se continuarmos assim, viveremos numa ditadura artística, além de económica que aliás está na génese do problema.

Sofronisco e Viriato