Numa
entrevista que concedeu ao jornal EXPRESSO, António Costa persistiu na
asquerosa cacofonia política de que “o país não precisa de austeridade” e de
que, assim como teria estado contra ela no passado – durante o governo de
Passos/Portas – também agora se lhe oporia, mas que não se pode comprometer com
um não ir haver, ou seja que a vai haver, vai.
Nesta
toada de “falar verdade”, Costa afirma que o que vai ser necessário é “relançar
a economia”. Perante uma realidade obscena, que revela mais de um milhão de trabalhadores em lay off
e mais de 50 mil novos inscritos nos Centros de (Des)Emprego – um aumento de
10%, segundo o IEFP –, e não se sabendo ainda quantas delas irão receber
subsídio de desemprego (as probabilidades estimam que menos de 50%), a que se
juntam mais 75 mil trabalhadores “temporários” – ou seja, precários –, com o
desemprego a subir, segundo o FMI, para os 13,9%, Costa anuncia medidas que
contrariam este quadro.
Entre
elas, Costa prevê que vai ser necessário um Orçamento Suplementar, diz ele que
sem “medidas de contenção”, com programas que vão da reestruturação da floresta
e da agricultura, reforço das instituições de solidariedade, aposta no turismo,
até à revalorização da produção nacional de um conjunto de bens e serviços,
orçamento que visa, segundo revelou, garantir que se mantêm vivas as empresas e
que se impeça a destruição de mais postos de trabalho. Para além disso, Costa
diz que para o seu governo é essencial preservar a estabilidade da banca,
anunciando que se mantém a transferência que estava programada para o Novo
Banco, por via do Fundo de Resolução.
Quanto
a medidas de protecção sanitária, Costa – o paladino do “falar verdade” –
mentiu com todos os dentes que tem na boca ao contrariar a constatação feita
pelas Ordens dos Médicos, Enfermeiros e Farmacêuticos, garantindo que o país
dispõe neste momento de material de protecção individual em abundância e que
tem praticamente montada uma ponte aérea logística entre Lisboa e Pequim para o
abastecimento permanente de um conjunto de materiais e equipamentos.
Escamoteia
é o facto de, quer os profissionais da saúde, quer o PCTP/MRPP, terem
denunciado desde o início desta crise pandémica que não haviam armazenados
esses materiais e equipamentos. Pior, como não existiam máscaras, lançaram a
ideia de que elas seriam dispensáveis e ineficientes. Agora que a capacidade
industrial instalada no país, a par das importações da China, começam a suprir
parte dessa ruptura de stocks, já se fala na “obrigatoriedade” do uso de
máscaras!!! Falar verdade?!!!
Segundo
Costa, com estes programas, e os financiamentos da UE que lhe estão associados,
é muito provável que a dívida pública dispare para os 135% do Produto Interno
Bruto (PIB). Tais programas miraculosos incluem, é claro, ajudas e avales do
Estado a linhas de crédito a mais de 85 mil empresas, sobretudo das áreas do
alojamento, comércio e indústria.
Tal
como o demonstrámos num artigo anteriormente publicado no Luta Popular
online – Virus desfere golpe de misericórdia sobre União Europeia! – “...bem que pode a UE vir
agora cagar milhões...” e o dinheiro até ser de “faz de conta”, que “... as
dívidas continuarão a ser reais e os credores não as perdoarão...”. Mesmo agora
que o homólogo espanhol de Costa venha exigir à UE um montante de 1,5 biliões
de euros sob a pomposa capa de “fundo” de ajuda aos países com maiores
necessidades, um fundo a título de “dívida perpétua”!!! Não existem, em sistema
capitalista, almoços grátis!!!
E
o FMI, o Banco Mundial, o BCE e outras instituições – nacionais e internacionais
– de “supervisão”, lá estarão para assegurar que as dívidas, para além de terem
de ser pagas, continuarão a ser um dos melhores negócios para os credores das
grandes potências financeiras, do continente europeu e de outros continentes,
num momento em que existe um autêntico choque da
procura (procura muito inferior à oferta de bens e serviços)
devido à crise de sobre-produção a que se associou a crise pandémica.
Costa
tenta, nesta entrevista, fazer os operários e os trabalhadores acreditarem que
o capitalismo se transformou num “bondoso” e bonacheirão pai Natal que, antes
do tempo, virá distribuir prebendas à grande e à francesa! Esta nova ortodoxia
do capitalismo, que leva a fazer disparar, sem travão, a rotativa de impressão
de dinheiro e, quando o veículo directo ou indirecto de colocação do mesmo é o
mercado financeiro, levará a uma inflação sem precedentes nos activos
financeiros, que terá como efeito o enriquecimento exponencial dos titulares de
capital fictício1, consequente agravamento da
taxa exploração e, claro, o aprofundamento da crise da procura. Uma autêntica
pescadinha de rabo na boca, típica das “soluções” que o sistema capitalista tem
para “oferecer”.
Esta
estratégia, defendida com unhas e dentes por Costa e Centeno, para além de
desvalorizar os salários, irá redundar, tal como aconteceu na crise de
2008-2009, na “socialização” das perdas das empresas – exactamente o que
aconteceu nessa altura com o resgate dos bancos –, por causa do confinamento
imposto. Ou seja, essas perdas acabarão por transformar dívidas privadas em
“dívida pública”, já que o Estado surge como fiador das linhas de financiamento
patrocinadas pela UE e pelo BCE, que serão materializadas, uma vez mais, pelos
bancos privados e públicos.
Costa
e Centeno, como ficou evidenciado nesta entrevista, pretendem com esta
estratégia manter as “maçãs podres” – empresas falidas ou em pré-falência –
ligadas às máquinas de “suporte de vida”, ou em formol, permitindo assim que
empresas sobre-endividadas se endividem ainda mais, tanto mais que agora esses
empréstimos serão avalizados pelo Estado, isto é, pelos contribuintes, ou seja,
pelos operários e pelos trabalhadores.
Bem
que pode a alquimia capitalista – de que Costa e Centeno são fervorosos
aprendizes – pensar que transforma chumbo em ouro, com programas que assentam
numa autêntica maná de dinheiro caído do céu. Não é sustentável que as taxas de
juro permaneçam a zero ou mesmo negativas. Mais cedo do que tarde elas irão
aumentar, ao mesmo ritmo que o nível de preços e a miséria dos povos.
Se,
como afirma Costa nesta entrevista, a Comissão Europeia e o banco Central
Europeu agiram rapidamente, a classe operária e os trabalhadores devem agir
ainda mais rapidamente. Não aceitar “mais do mesmo” significa, por exemplo e no
imediato, impor a semana das 35 horas, combate que permite a unidade entre
todos os sectores da classe operária e dos trabalhadores.
Significa
aproveitar a crise económica, financeira e política do capitalismo a nível
mundial e a crise pandémica que ele não soube – ou não quis – travar, para
organizar a solidariedade proletária internacional que assegure um combate que
tenha o propósito de acabar de vez com o modo de produção capitalista, parasita
e sangrento, que tem sujeitado operários e trabalhadores a uma autêntica
escravatura assalariada.
21Abr2020
LuiJúdice
1 Capital
fictício: capital investido em títulos de crédito (acções, obrigações) ou de
bens capitalizados (ou seja, transmutados em capital como, por exemplo, a
terra).
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