segunda-feira, 6 de abril de 2020

Os governos não têem outro tratamento senão a coerção para erradicar a pandemia





por Robert Bibeau


Por Khider Mesloub
No campo da saúde, a incúria criminosa dos governos de inúmeros países já não precisava de ser demonstrada. Mas, graças ao Covid-19, essa constatação assume uma dimensão catastrófica. De facto, enquanto a epidemia do coronavírus se espalhou maciçamente em muitos países, principalmente na Ásia, os governantes agiram de má-fé, com muito atraso e na base da improvisação, para agir. Medidas expeditas, não de saúde, mas securitárias. De facto, em  termos de política sanitária e médica, esta mais se parece com uma operação militar: confinamento obrigatório, encerramento de fronteiras, fiscalização policial, mobilização do exército para fornecer pessoal de saúde, cuidadores, sobrecarregados.

Isso assemelha-se a uma operação de "pacificação do país", digna das guerras coloniais, onde as populações indígenas foram confinadas a locais próprios, perseguidas, banidas dos centros urbanos, suspeitas de carregar uma bomba, de atentar contra a vida do ocupante, mantidos à distância como se fossem portadores de doenças contagiosas. Mas, acima de tudo, foram despojados da sua dignidade, privados da sua liberdade, dos seus direitos políticos e cívicos, militar e policialmente controlados, ditatorialmente confinados.

Podemos dar o exemplo da França, tardiamente recrutado para a frente da luta contra a pandemia de coronavírus, o general Macron imediatamente imprimiu sotaques belicosos ao seu discurso à retórica de guerra. "Estamos em guerra!" repisou ele no seu discurso em 16 de Março. Em guerra com quem? Contra o Covid-19 ou contra a população forçada a sofrer um confinamento mais destrutivo do que o coronavírus, entendendo-se que nenhum outro tratamento médico o acompanha, nem sob a forma de tratamento anti-viral nem sob o aspecto de uma célula psicológica, deixando a população presa ao medo e espanto (esta observação  aplica-se à maioria dos países, especialmente à Argélia). Na verdade, o governo Macron, como a maioria das potências de outros países, está a navegar à vista, embarcados no seu navio estatal em pleno naufrágio, sem qualquer controle sobre o leme, entregue às tempestades atribuladas da economia em perdição e as vagas submergentes do desastre político e institucional.

Hoje, face ao Covid-19, a gestão da saúde opera num cenário de escassez de equipamentos médicos e privação de alimentos anunciada. Na maioria dos países, em particular na Argélia, deplora-se uma cruel falta de materiais de protecção. A escassez é geral: nenhum país possui stocks de equipamentos de segurança para conter a pandemia. Os hospitais carecem do equipamento essencial: máscaras, soluções hidro-alcoólicas, macas, vestuário, respiradores. Actualmente, em muitos países, a equipa de enfermagem, perante o racionamento, é reduzida ao uso de máscaras desactualizadas, ver já usadas. Os funcionários hospitalares "na linha da frente" (sic!) encontram-se, pois, directamente expostos à doença.

Por todo o mundo o sistema de saúde está em ruínas, sacrificado no altar do « rigor orçamental »  

Numerosas camas de hospitais foram suprimidas, equipamentos médicos reduzidos. Vale a pena  realçar que, se a Alemanha tem uma taxa de mortalidade por coronavírus muito menor do que a França e a Itália, isso se deve ao alto número de vagas em terapia intensiva (309 vagas em cuidados intensivos para 100.000 habitantes em França contra 601 camas na Alemanha), mas também pela sua política de triagem maciça, completamente ausente nesses dois países.

De resto, incapazes de gerir clinicamente a crise do Covid-19, com a preocupação prioritária de evitar  o impacto sobre o aparelho de produção, muitos países decidiram adoptar uma série de medidas de emergência, mais parecidas com operações securitárias do que campanhas de saúde. A principal medida introduzida foi a contenção tardia com geometria variável. Assim, devido à sua incapacidade de fornecer materiais de protecção (máscaras, luvas, soluções hidro-alcoólicas, testes) a toda a população, os governos optaram por medidas de segurança de contenção geral, cuja ineficácia foi demonstrada pela Itália e pela França. Em França, essa medida instituída tardiamente, no pânico causado pelo colapso económico e não pelo agravamento da epidemia, deu origem a recomendações contraditórias resumidas nessa injunção paradoxal, proferida pelo Presidente Macron: saiam das vossas casas, mas sem sair; fiquem em casa para evitar a contaminação, mas vão trabalhar - para manter a economia dos patrões a funcionar a fim de salvar os seus lucros com o risco da sua própria vida.



 Neste capítulo do incivismo (falta de civismo – Nota do Tradutor), o poder tende à reversão contraditória. Nesta gestão caótica da crise, os verdadeiros delinquentes não são os proletários pobres que são deixados à sua própria sorte por falta de protecção médica, mas os líderes incompetentes e criminosos, apenas capazes de administrar um drama de saúde por meio de medidas coercivas. De facto, por falta de meios sanitários para impedir a propagação do coronavírus, os governos da maioria dos países não têm outra escolha, para evitar a hecatombe, do que estabelecer medidas de contenção e toque a recolher, apoiados por um exército de policias e militares destacados sobre todo o território, responsáveis ​​por manter sob respeito as suas  populações respectivas, atordoadas, aterrorizadas (e em breve esfomeadas) pelo medo de serem contaminadas pelo coronavírus, sem nenhuma chance de serem tratadas por falta de vagas em hospitais mal equipados, que também estão sobrecarregados.

 Na verdade, os governos da maioria dos países, no meio da crise da Covid-19, associada a um colapso económico, criminalmente privados de soluções sanitárias por falta de equipamento médico, não podem fazer outra coisa senão mobilizar as suas forças da ordem. Esta política securitária, em vez de uma campanha de saúde, visa acostumar a população à militarização da sociedade quando o "inimigo interno" não for mais o coronavírus, mas a classe trabalhadora, as classes populares famintas, em luta.
Como prova da celerada mistificação dos governos supostamente preocupados com a saúde dos trabalhadores, a escandalosa manutenção da abertura de empresas não absolutamente indispensáveis para as actividades económicas essenciais neste período de pandemia. De facto, ao mesmo tempo que os governos impõem o confinamento generalizado para combater a disseminação do coronavírus, afirmam que estão a forçar milhões de trabalhadores (sob o golpe propagandistico da "sagrada união nacional", da requisição estatal ou da ameaça de sanções) a empilhar-se diariamente nos transportes públicos, a movimentar-se dentro das fábricas, administrações, supermercados, locais por excelência de contágio.

"A minha prioridade é salvar o aparelho de produção francês", recordava recentemente o ministro da Economia da França, Bruno Le Maire (e não salvar prioritariamente a vida do povo: a confissão tem pelo menos o mérito de ser explícita). Essa admissão soa como uma profissão de fé, que todos os líderes de todos os países adoptam por conta própria, sem formulá-la com tanto cinismo burguês e desprezo de classe. Assim, para o deus-capital , em plena fase paroxística da pandemia, o ministro está pronto para sacrificar a vida de milhões de trabalhadores, enviados para a linha de frente, sobre a frente da produção de lucros, para morrer no  "campo de batalha" (casse-pipe, em francês – Nota do tradutor), com os riscos de contaminação inerentes às concentrações de trabalhadores nas unidades de produção e nos transportes públicos.

A esse respeito, não é de somenos mencionar aqui as reais razões para a mortalidade excepcionalmente alta, em comparação com outros países, registada em Itália. Além das já mencionadas deficiências nos equipamentos médicos, a outra principal explicação para o excesso de mortalidade está na economia. É frequentemente esquecido, mas as principais vítimas do genocídio italiano da "saúde" residiam na região industrial e de trabalho vital da Itália, ao redor de Milão, onde todas as empresas e transportes públicos continuavam a operar, apesar dos riscos. de contagiosidade do coronavírus, em pandemia total. O poder criminoso italiano estabeleceu o confinamento a todo o território, mas manteve a "liberdade de movimento e concentração" dos trabalhadores obrigados a ir todos os dias para o seu local de exploração, usando o transporte público comum, com todos os riscos de contagiosidade e disseminação do coronavírus. Isso explica o número dramaticamente alto de mortes nessa população nessa região industrial. Não foi a inconsciência dos pobres proletários italianos que provocou o genocídio da saúde coronavirisca, mas a irresponsabilidade criminosa das classes dominantes italianas preocupadas principalmente com a preservação dos seus lucros proporcionados pelas empresas mantidas abertas, nas quais os trabalhadores estavam forçados a fazer rodar o mecanismo da produção. Portanto, moverem-se massivamente, concentrarem-se estreitamente, circularem amplamente, transportarem o coronavírus, infectarem colegas, vizinhos, parentes.

Claro que a contenção é eficaz, mas apenas quando é totalmente aplicada. De facto, para ser eficiente, a contenção deve ser completa, com uma interrupção geral na produção e circulação, encerramento absoluto de todas as empresas que não sejam essenciais para gerir a luta contra a disseminação do coronavírus. Pelo menos tempo suficiente para parar a pandemia. No entanto, hoje, o confinamento ilusório, aplicado pela maioria dos governos, é uma mistificação, porque eles mantêm a produção capitalista a operar para não penalizar os lucros das classes ricas. É uma farsa. Esse confinamento não tem efectividade para a saúde (a França, a Espanha e a Itália demonstram isso dramaticamente com a explosão de casos e mortes corona-positivos).

Uma coisa é certa: na maioria dos países, as pessoas não se sentem protegidas pelos seus respectivos governos, devido à inércia em termos de gestão da crise sanitária do Covid-19, conduzida com uma ímperícia impregnada de uma escandalosa hipocrisia. Em vez de lhes proporcionar saúde e protecção médica,  terrivelmente em falta, as autoridades oferecem-lhes para todo o tipo de tratamento a espera,  o confinamento sob controle policial.

O confinamento selectivo inscreve-se na lógica do capitalismo.

A funesta pandemia não deve impedir a "sustentabilidade" da economia nacional. No entanto, qualquer gestão eficiente de uma crise sanitária viral envolve duas variáveis ​​de ajuste: contenção total e triagem sistemática. Os dois estão intimamente associados e complementarizam-se. Uma política de contenção parcial é uma operação de quarentena própria das sociedades da Idade Média, essencialmente sem saúde e infraestrutura médica, ou seja, atrasada. Isso explica a taxa de mortalidade excepcionalmente alta em Itália, devido a uma política de contenção parcial, ainda por cima amputadas de medidas de teste de despistagem. É como travar uma guerra contra um exército moderno com bestas.

Na verdade, para ser eficiente, a fim de impedir a pandemia, uma autêntica gestão da sanitária deve implicar uma política de contenção total por um período de pelo menos quatro semanas, acompanhada pelo encerramento de todas as empresas não essenciais, transporte público , a requisição de todas as grandes superfícies a serem geridas directamente pelos habitantes da cidade, a fim de organizar a distribuição directa de alimentos aos residentes, a fim de evitar a concentração de clientes nas lojas, a proibição do tráfego de pedestres e automóveis, tudo isso combinado com a protecção da saúde materializada por testes maciços de despistagem à escala nacional, distribuição gratuita de máscaras de protecção respiratória e outros equipamentos de segurança para os raros trabalhadores requisitados pelo interesse público de trabalhar em áreas vitais para a sobrevivência da população confinada.

Tudo isso aliado a uma comunicação pública transparente, baseada no respeito dos direitos do povo e não sobre a coerção apoiada por uma política de segurança policial e militar, ditada exclusivamente pela preocupação com a protecção dos interesses financeiros e a perpetuação do domínio político das classes ricas, apavoradas porque ameaçadas de desaparecer sob o efeito da erupção de terremotos sociais iminentes e inevitáveis. Uma coisa é certa: a gestão da actual crise sanitária, associada a uma crise económica, deve ser cuidada colectivamente por todos os membros do povo e não ser delegada nos actuais representantes oficiais do estado, desqualificados, responsáveis, além disso, pela incúria sanitária e pelo colapso económico. Também não deve ser "governada" pelas forças da ordem, braços armados das classes dominantes, ligadas à manutenção da sua ordem social e, consequentemente, da sua riqueza, porque se trata de resolver um problema de saúde e económico "civil", e não de supervisionar uma operação securitária e de aplicação da lei e da ordem.


O povo não deve confiar nos governantes responsáveis ​​pela actual crise económica e sanitária. Hoje, graças à mortal crise económica, a prioridade das classes dominantes, como podemos ver, é a de salvar as suas riquezas (as suas empresas, os seus bancos, os seus investimentos, os seus bens imóveis) e não a de proteger a vida das pessoas. A união nacional defendida pelos governos para lutar supostamente contra o coronavírus visa defender apenas o seu sistema de exploração e opressão ameaçado pela crise económica e pelas inevitáveis ​​revoltas sociais insurreccionais,  não para salvar a vida das pessoas que já estão há muito mortas socialmente.

E se o coronavírus era o melhor aliado do proletariado, ele vem relembrar-lhe, no momento certo, a natureza criminosa das classes dominantes e do seu sistema dominante alienante, especialmente a necessidade de, finalmente, ter de resolver tomar o seu destino económico, social e político em mãos, livrando-se definitivamente do vírus capitalista (personificado pelas classes dominantes) e do coronavírus. De facto, o coronavírus é menos perigoso que o "capitalismo-vírus" porque o primeiro acaba por morrer naturalmente no corpo humano, pelo menos em 98% dos casos. Pelo contrário, o "capitalismo-vírus", mata de forma permanente o "nosso" corpo social, sem descanso.

Mesloub Khider


















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