A
quem ainda tiver dúvidas sobre a natureaza de classe de um golpe de estado,
aconselho vivamente a leitura de uma obra fundamental de Karl Marx – “O 18 de
Brumário de Luis Bonaparte”.
Marx explicita nesta obra que, ao contrário de uma Revolução Proletária, um golpe de estado, mesmo que se reclamando de “revolucionário”, é uma forma de um sector da burguesia se tentar impor sobre outro ou outros sectores da mesma classe e, nunca por nunca, uma acção da qual a classe operária e os escravos assalariados possam esperar uma solução para a sua angústia, humilhação e miséria.
No espaço do último meio século, Portugal foi confrontado com dois golpes de estado. O primeiro, ocorrido a 25 de Abril de 1974, foi dirigido pela oficialagem miliciana do exército colonial português, sob a tutela de um general fascista e colonialista, o General Spínola, mais tarde alcandorado ao marechalato.
Este sector da burguesia – mais propriamente da pequena burguesia – serviu de tropa de choque a camadas da burguesia que se tinham unido contra a hegemonia da burguesia nacional compradora e fundiária – rural – que havia levado o país para um beco sem saída, e que levara Portugal a um isolamento internacional total, quando o imperialismo apostava nos movimentos anti-coloniais.
Ao mesmo tempo que se preparava afincadamente para impor o neo-colonialismo, onde as burguesias patrióticas e nacionalistas por si controladas e manipuladas, haveriam de substituir um sistema de apartheid, de exploração sem limites dos recursos naturais de diversas nações e continentes, que tinham levado à fome extrema, à humilhação e à morte milhões de pessoas em todo o mundo, por países independentes e, se possível, democráticos, onde essa exploração, genocídio e humilhação estão a ser exponenciados.
No passado dia 7 de Novembro de 2023, escudado atrás de uma pretensa “luta contra a corrupção, o compadrio e a influência ilegítima”, um sector da burguesia portuguesa – a mais trauliteira, reaccionária e tramontana -, respaldada pela corrente justicialista que foi fundada por Laborinho Lúcio e a sua “reforma” judicial – que levou à criação do famigerado Centro de Estudos Judiciários -, apoiada por uma grande parte do Magistério Público e pela Direcção da Procuradoria-Geral da República, levou a cabo – com sucesso – um verdadeiro coup d’état.
Golpe de Estado que, aparentemente – e nesta questões a aparência mimetiza muitas vezes a realidade –, parece ter sido apadrinhado por Marcelo Rebelo de Sousa. Um golpe de estado palaciano, ao velho estilo bonapartista, que envolveu vários palácios – desde logo o de Belém e o de S. Bento (mas, também, o da Rua da Escola Politécnica).
E, para que o teatro tivesse foros de um pretenso realismo, dramatismo quanto baste e alguma credibilidade jurídica, não poderia faltar – nas buscas a S. Bento – o Procurador da República mais profícuo em brindar o país e a jurisprudência com mais um nado morto jurídico – Rosário Teixeira... o próprio, ao vivo e a cores!!!
Se restassem dúvidas sobre o carnaval rocambolesco que se viveu nesta última semana, basta atender, por um lado, às medidas de coação pretendidas pelos magistrados público envolvidos e, por outro, à decisão do Juiz em colocar em liberdade todos os detidos da “Operação Influencer”. Pior ainda! Descredibilizando sem apelo nem agravo a investigação dos procuradores, e o modelo de investigação em que assentou, o juiz considerou não existirem, sequer, indícios de crimes de corrupção e prevaricação.
Não que nos deixemos iludir por esta decisão judicial, já que a corrupção, o compadrio, o jogo de influências, a prevaricação, são, para os marxistas, decorrências naturais do sistema capitalista, do egoismo burguês, da prossecução do lucro a todo o custo – normalmente à custa do suor e do sangue de quem trabalha.
O que é certo é que um governo da República, constituído na base de uma maioria parlamentar, caíu fragorosamente. Tão fragorosamente que os visados nem tossiram, nem mugiram. Aceitaram o karma e já se dispõem a seguir com a vida em frente, sem sequer aludirem ao golpe de que acabaram de ser vítimas. Porque será?
Porque, todos os sectores da burguesia possuiem, no seu ADN, a hipótese de, num momento que achem mais adequado para defender os seus interesses particulares, de vir a utilizar este instrumento de regulação das contradições entre os diferentes sectores da sua classe – a burguesia!
Tal como em 25 de Abril de 1974 os comunistas revolucionários, os marxistas, alertaram a classe operária e restantes escravos assalariados, também agora, na emergência deste golpe de estado burguês, aqueles que só possuiem a sua força de trabalho para vender, não deverão ter ilusões quanto ao seu futuro – a prossecução dos seus interesses de classe – em qualquer dos sectores da burguesia que presentemente se assanham para ver qual deles abocanha o maior pedaço do bolo da exploração.
Este importante aviso à navegação operária e popular faz todo o sentido quando a “solução” da burguesia para a crise que planeou, a intriga que montou, e o golpe de estado que animou, se “resolverá”, uma vez mais, com o Carnaval Eleitoral onde os eleitos já estão, à partida, definidos e se prevê que o actual empate que existe entre os diferentes sectores da burguesia capitalista e imperialista, e estes e a classe operária, se venha a manter.
E manter-se-á, enquanto a autonomia operária e popular não for o único garante para uma luta que tenha como desfecho final a destruição do Modo de Produção Capitalista, do Imperialismo e da Guerra, da exploração do homem pelo homem, pela construção de uma sociedade sem classes.
Luis Júdice
13 de Novembro de 2023
Salvo melhor opinião falta acrescentar ao artigo que o juiz que faz esse despacho será o mesmo que assina os mandados de busca e detenção fora de flagrante delito. Ou seja assinou de cruz sem qualquer juízo critico o que o MP lhe apresentou (o que é a cada vez mais frequente) e, só depois, se terá dado conta do disparate que fez.
ResponderEliminarNão ficava nada mal ao juiz dizer que tinha feito asneira ao assinar os mandatos