domingo, 17 de junho de 2012

«O REPÚDIO DA DÍVIDA» por Arnaldo Matos


«O REPÚDIO DA DÍVIDA»
(para o “Expresso” de 9 de Abril de 1983)
Arnaldo Matos


Numa época em que o centralão, protagonizado pelo PS e pelo PSD, por vezes acolitado pelo CDS, todos eles comprometidos com a assinatura do memorando com a tróica germano-imperialista, está de acordo, no essencial, na aplicação de toda a sorte de medidas terroristas e fascistas que aquela dita sobre os trabalhadores e o povo português a fim de os obrigar a pagar uma dívida que não contrairam, nem foi contraida para seu benefício;

Numa época em que, face à natureza de classe da dívida - capitalista e burguesa - partidos que se reclamam da esquerda, como o PCP e esse partido/bloco que dá pelo nome de BE, admitem convencer o povo a que se sacrifique e pague, pelo menos, a parte legítima da dita dívida, desde que esta seja previamente reestruturada e renegociada;

E para que os que parece terem memória curta ou se escondem atrás do argumento de que não viveram esse momento histórico e, portanto, dele não podem ter opinião formada, uns e outros com o intento de iludir e desviar o movimento operário e popular da luta pelo derrube do governo de traição PSD/CDS e seus acólitos na presidência da república e do PS - sua oposição violenta...mas construtiva! -, da luta pelo repúdio da dívida e pela constituição de um governo democrático patriótico;

Considero oportuno reeditar o artigo que o meu camarada Arnaldo Matos escreveu, há mais de vinte e sete anos, pois considero que o mesmo mantém, quer a actualidade quanto à dívida e ao papel do chamado bloco central face a ela, quer a acutilância quanto à posição política coerente que os comunistas marxistas-leninistas defendem quanto à dívida e quanto à demarcação que naquela época, como hoje, deve ser feita em relação aos oportunistas de todos os matizes sobre a matéria em questão.

É de lembrar aqui que este artigo, solicitado pelo semanário «Expresso», a 9 de Abril de 1983,
viu a sua publicação ser então truncada e desvirtuada pela direcção daquele jornal.

Daí que tenha sido publicado na íntegra, com a respectiva denúncia de tal acto censório,
no «Luta Popular» de 7 de Abril de 1983.


            "O leitor do “Expresso” terá certamente notado que, um belo dia, o problema da dívida pública externa se transformou de súbito no tema central da acção política de todos os partidos parlamentares na presente campanha eleitoral. A rádio, a televisão e os jornais colocaram ao dispor dos dirigentes e economistas dos partidos da ordem dúzias de horas de transmissão e centenas de páginas de impressão, pelo que o assunto da dívida pública foi glosado em todos os comprimentos de onda e em todas as cores do espectro.
            A dívida pública foi assim catapultada não apenas à categoria de signo sob o qual deveria realizar-se o sufrágio do próximo dia 25, mas, pior ainda do que isso, à categoria de chantagem sobre o cidadão eleitor: o eleitor só poderá escolher com o seu voto os deputados que apresentarem a “melhor” proposta para o pagamento da dívida…
            O que é mais curioso é que esta manobra chantagista, digna dos melhores gangsters dos velhos tempos de Chicago, é imposta ao cidadão eleitor em nome da verdade. “É preciso falar verdade ao povo português” – tal é a introdução ao problema da dívida, como a ouvimos da boca de Soares ou de Mota Pinto, de Barreirinhas Cunhal ou de Lucas Pires.
            Compreende-se que estes dirigentes partidários e seus cães-de-fila, que sempre prometeram ao povo português mundos e fundos e jamais cumpriram, desejem agora ganhar alguma credibilidade, prometendo falar verdade quando sempre falaram a mentira. Só que, desta vez, com a verdade nos pretendem enganar.
           
            Examinemos, então, o problema da dívida pública na perspectiva dos comunistas marxistas-leninistas, na perspectiva do proletariado consciente e do povo trabalhador.
            A dívida pública externa do Estado português não é, nem de perto nem de longe, o principal problema do nosso povo. O problema fundamental do povo trabalhador é derrubar o capitalismo e edificar o socialismo. Tudo o resto é música.
            Ainda assim, falemos da verdade da dívida.
            Quando forem apresentadas as Contas Públicas de 1982 – e convém lembrar que, ao contrário do que é expressamente exigido por lei, nenhum dos governos constitucionais apresentou até agora as Contas Públicas da sua gestão – ver-se-á que a dívida externa do Estado ultrapassará os 1 500 milhões de contos, uma parte importante da qual dívida é já exigível, enquanto mais de metade dela é exigível a curto prazo. Como a população activa de Portugal ronda os três milhões e meio de indivíduos, cada trabalhador no activo, pois que os activos são os únicos que produzem, terá de vir a esportular para satisfação dos interesses de rapina estrangeiros a quantia média de quatrocentos e trinta contos. Ter-se-á uma ideia mais concreta do endividamento externo do país, se dissermos que cada trabalhador português, ao valor do salário mínimo da indústria, terá de trabalhar vinte e oito meses seguidos, sem comer nem beber, para pagar o calote do Estado a Washington, Bona, Londres, Paris e alguns outros.
            Sucede que a dívida do Estado não é apenas a dívida externa, medida da exploração do nosso povo e do nosso país pelo imperialismo estrangeiro (incluindo russos) e seus lacaios locais. A dívida é também a dívida interna, que em termos globais ultrapassa o dobro do valor da dívida externa. Para pagar aos exploradores estrangeiros e aos lacaios nacionais a dívida total do Estado, o povo português teria de trabalhar continuamente durante oito anos, sem receber um só tostão de salário.
 

               Esta verdade, porém, só se transforma em mentira e em chantagem, quando todos os partidos da ordem, do P”C”P ao CDS e do PS ao PPD, passando pelos cães-de-trela de uns e de outros, afirmam que o problema que a dívida põe é o problema de pagá-la, de pagá-la bem e de pagá-la depressa.
            Quanto ao povo português, o problema não é esse. Quanto ao povo, o problema é de rejeitar inteiramente essa dívida, visto que não foi o povo que a contraiu, nem foi o povo que beneficiou dela. A dívida tem de ser repudiada. Evidentemente, o repúdio da dívida passa pelo repúdio dos partidos que em nome da burguesia e do imperialismo a contraíram para exclusivo benefício da classe dominante.
            O endividamento crescente do país é o resultado de uma política capitalista de exploração e opressão, é o resultado de uma política de submissão aos interesses dos monopólios estrangeiros. A única contra-medida eficaz é o repúdio da dívida e a adopção de uma política externa independente e patriótica e de uma política económica nacional e popular que assente na nacionalização dos sectores básicos da economia, no confisco dos latifúndios e das grandes empresas nacionais e estrangeiras e no lançamento de um novo sistema económico baseado nos nossos recursos e riquezas, no trabalho nacional, na planificação, no controlo operário, com vista à edificação da sociedade socialista.
            O Programa Eleitoral do meu Partido insiste fundamentalmente sobre este ponto, completando-o e desenvolvendo-o em toda uma série de medidas específicas. A questão da dívida externa pode constituir para o eleitor uma pedra de toque na presente campanha eleitoral. Porém, em sentido inteiramente contrário ao sentido que lhe querem dar os partidos da ordem. É que todo o partido que se proponha pagar essa dívida externa deve ser considerado um partido anti-popular e anti-patriótico, um partido ao serviço do imperialismo, do social-imperialismo e da reacção mundial. Os empréstimos foram contraídos pelos capitalistas e seus agentes nos sucessivos governos. Que os capitalistas a paguem, é com eles. Agora, que não a paguem e pretendam fazer o povo pagá-la, é já com os trabalhadores. O povo trabalhador não deve nada a ninguém. Não tem, pois, que pagar nada. Tem é que exigir que lhe seja restituído o produto do roubo e da exploração a que diariamente é submetido nos campos e nas fábricas. "

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