Uma retrospectiva histórica do movimento dos Coletes
Amarelos
31 de Agosto de 2025 Robert Bibeau
Por Khider Mesloub .
Surgido espontaneamente, no Outono de
2018, num contexto social letárgico, o movimento dos Coletes Amarelos abalou
certamente o panorama político e perturbou radicalmente o clima social.
De facto, se, com a eleição de Macron, o panorama político tradicional da esquerda-direita foi pulverizado com vista a entronizar a chamada Revolução Macroniana no Eliseu, a eclosão do movimento dos Coletes Amarelos não só frustrou (e, portanto, perturbou) os planos da política anti-social do governo, mas, acima de tudo, acentuou correlativamente o fenómeno de putrefação política pela desqualificação de todos os partidos, incluindo a nova formação macroniana (LREM), que deveria estabelecer-se definitivamente na arena política francesa.
Por outro lado, se, no início, o movimento dos Coletes Amarelos abalou as bases do governo com as suas reivindicações radicais e a sua combatividade subversiva, rapidamente ele começou a perder força devido ao seu desvio para caminhos políticos estreitos, expressos pelas suas reivindicações «cidadãs, ecologistas, populistas e referendárias», nomeadamente pelo famoso Referendo de Iniciativa Cidadã (RIC). (sic)
De facto, os políticos profissionais afirmavam que o principal defeito do movimento dos Coletes Amarelos era a sua cruel ausência de um programa político coerente. Isso explica o desaparecimento da classe operária das manifestações semanais. O seu roteiro está marcado por reivindicações fragmentadas e desconexas, improvisadas ao longo da sua trajectória de luta. Traçado no calor da luta por mulheres e homens novatos na política, desprovidos de qualquer formação política proletária e experiência militante operária, orientado por uma pequena burguesia desclassificada, assumindo o papel de mestre de obras para reparar o sistema capitalista abalado, esse roteiro só poderia levar o movimento social a um beco sem saída.
Na
verdade, o movimento dos Coletes Amarelos não aspirava de forma alguma seguir o
caminho da revolta social consciente, muito menos o da revolução.
Inegavelmente, como nos ensina a história, as orientações emancipatórias nunca
são o motor da revolta inicial, elas desenham-se à medida que a luta se
desenvolve, seguindo a relação de forças entre as diferentes classes envolvidas
no combate, de acordo com a repressão desencadeada pela reacção para esmagar o
movimento e em função do amadurecimento do contrapoder popular erguido contra o
poder.
Levado por uma pequena burguesia enfurecida, precária e empobrecida, em fase avançada de proletarização, ainda apegada ao ideal da velha sociedade baseada no fetichizado Estado de bem-estar social , o movimento dos Coletes Amarelos esperava, ingenuamente e em vão, ressuscitar esse capitalismo social efémero que lhe assegurava uma existência privilegiada dentro da "sociedade democrática francesa".
De facto, o movimento dos Coletes Amarelos
lutou pela instauração do poder popular, mas
construiu um capitalismo renovado , garantindo uma redistribuição
justa da riqueza, a suavização das divisões sociais e a erradicação das crises
económicas. Um capitalismo moralizado, humanizado, mais verde, imaculado,
liderado, além disso, por políticos e patrões honestos. Numa palavra: um
capitalismo de sonho. Quimérico. Utópico. Impossível... porque o modo de
produção capitalista não foi concebido para esse projecto social idílico.
Claramente, na época, o encantamento
provocado por esse movimento, particularmente entre muitos activistas revolucionários,
foi motivado pelo seu radicalismo subversivo inicial, materializado nos seus
ataques frontais ao Estado dos ricos ; pelo seu modo
de acção e a sua combatividade insurreccional, operando fora do quadro de
organizações políticas e sindicais, tanto de esquerda quanto de direita. Mas a
ilusão durou pouco. Pois esse radicalismo combativo certamente destruiu alguns
símbolos dos ricos, mas não tinha a intenção de aniquilar o capitalismo.
Baixe o volume gratuito (aqui): https://les7duquebec.net/archives/253109/
Portuguese-AUTOPSIA-DO-MOVIMENTO-DOS-COLETES-AMARELOS-PORTUGUESE.pdf
AUTÓPSIA DO MOVIMENTO DOS COLETES
AMARELOS – les 7 du quebec
A partir da Primavera de 2019, apesar do fracasso evidente do movimento dos Coletes Amarelos, alguns, num impulso de sobrevivência, esforçaram-se, depois de se terem manifestado em vão aos sábados, para perpetuar o movimento. E por uma boa razão. Alguns, nomeadamente os famosos líderes, impulsionados para o centro das atenções pelos meios de comunicação burgueses, habituados às luzes dos estúdios de televisão, temiam com desânimo a sua relegação para as sombras, o seu regresso ao anonimato. Outros, acostumados aos laços de solidariedade e amizade estabelecidos durante esse longo período de luta ao longo dos anos de 2018 e 2019, temiam a ruptura dessa vida fraterna, o retorno à solidão social.
Assim, para garantir a continuidade do movimento, propuseram-se a lançar-se em acções espetaculares e impactantes. Foi assim que anunciaram, no seu relatório aprovado na 2.ª Assembleia das Assembleias, realizada em St-Nazaire a 6 de Abril de 2019, uma série de acções ao longo de vários meses. Acções baseadas nas mesmas fantasias pequeno-burguesas dos cidadãos: «Justiça social», «Justiça fiscal», «Capitalismo ecológico», «Democracia eleitoralista referendária». Tínhamos os revolucionários de fim de semana, descobrimos os revolucionários de calendário, determinados a lutar, mas de acordo com uma agenda organizada, em função de um calendário político que respeita o planeamento familiar e profissional da sociedade e dos membros do movimento, tendo em conta a disponibilidade de cada um, pois os nossos revolucionários de calendário têm imperativos profissionais diários a respeitar e lazeres regulares a consumir.
Quando se quer atacar a sociedade capitalista, não se faz alarde, como o movimento de 10 de Setembro de 2025, planeado desde a Primavera, com a divulgação solene de um calendário de luta onde estão registadas as acções a realizar. Acções, aliás, ineficazes, sem impacto económico. Além disso, muitas vezes adiadas para as calendas gregas. Quando se deseja a Revolução, age-se espontaneamente hic et nunc (aqui e agora).
De qualquer forma, a ideologia do movimento dos Coletes Amarelos permaneceu prisioneira do pensamento da classe dominante. Embora tenham lutado contra o governo (quando, na verdade, a guerra social deve ser travada contra o Estado burguês e contra o capital), os activistas dos Coletes Amarelos certamente não tinham como programa a destruição da governança burguesa.
É certo
que o movimento dos Coletes Amarelos alimentava a esperança de eleger outro
poder «mais democrático», mas no âmbito da manutenção do capitalismo e da
defesa dos interesses da «nação francesa», na continuidade do espírito da
Revolução Burguesa de 1789. De facto, para além do carácter heterogéneo do
movimento (este movimento era composto por um proletariado periférico volátil,
uma classe média precária e uma pequena burguesia empobrecida – pequenos
empresários, artesãos, trabalhadores independentes), expressavam-se
incessantemente as mesmas reivindicações: poder ilusório do povo, democracia
directa através do processo eleitoral bloqueado, evidentemente, pela burguesia,
encerramento (impossível) das fronteiras «nacionais» que não existem mais,
defesa da pátria contra a invasão de migrantes e a dominação estrangeira,
rejeição das finanças cosmopolitas e do capitalismo globalizado.
É evidente que, com o desmantelamento do Estado-providência, o agravamento da precariedade e da pobreza e também o agravamento catastrófico da crise económica, assistiremos no futuro, em muitos países, ao reaparecimento regular dos mesmos modos de acção dos Coletes Amarelos, ou seja, lutas espontâneas e violentas, conduzidas fora do âmbito das organizações políticas e sindicais e fora dos centros de produção, ataques frontais contra o Estado, manifestações não autorizadas e violência multiforme. Em resumo, lutas sem perspectiva de derrubar o capitalismo.
Em todo o caso, graças ao surgimento desse movimento, a natureza reaccionária e repressiva do Estado dos ricos foi amplamente revelada. A democracia burguesa francesa revelou a sua verdadeira essência totalitária e reaccionária, através do desprezo de classe expresso por toda a classe dominante (chefe de Estado, líderes políticos, media a soldo, intelectualidade odiosamente histérica), pelas atrocidades da polícia, pelas mortes e mutilações provocadas durante as manifestações, pelas rusgas aos manifestantes, pelas detenções massivas abusivas, pelas condenações arbitrárias e desproporcionadas, pelas prisões consideráveis de activistas, pelo fichamento sistemático dos militantes, pela aprovação de leis securitárias e liberticidas.
E pensar que a esquerda e a extrema-esquerda (e até Macron) se propunham a bloquear a extrema-direita (o fascismo)! Que farsa! Que hipocrisia! A extrema-direita já está na Assembleia Nacional, no executivo governamental e no aparelho estatal burguês, bem como na mente de todos os partidos políticos, campeões da democracia burguesa , dos múltiplos meios de comunicação franceses. No cerne da regulação da miséria social, do controle social, da gestão dos conflitos sociais, da direcção dos empregadores, da gestão das empresas, da manutenção da ordem, da governança do poder.
Khider MESLOUB
Fonte: Retour
historique sur le mouvement des Gilets jaunes – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice