Os defensores da corrente “neo-estruturalista” do pensamento
gostam muito de se gabar do “realismo” das suas propostas, que afirmam estar
assentes numa análise das “necessidades” concretas. Em tal classificação
encontram-se, entre outros, e em Portugal, o Bloco de Esquerda e o PCP.
Têm o péssimo hábito de negar a dialéctica marxista e de propor
que um fenómeno deve ser analisado de “per si” e não contextualizado numa
sequência histórica, isto é, como de uma causa que produz um efeito e deriva de
uma luta de contrários. Escamoteiam que para se saber como sair da situação
política em que os partidos do chamado “arco da governação” mergulharam os
trabalhadores e o povo, se torna absolutamente imprescindível saber como
chegámos aqui.
É por isso que defendem uma posição empírica e oportunista
quando interpretam a história de 41 anos de pós-25 de Abril de 1974. É por isso
que confundiram o golpe de estado burguês que nessa data se produziu com o
movimento revolucionário que se lhe seguiu e que foi despoletado pelo libertar
de energias revolucionárias que se tinham acumulado na sociedade portuguesa ao
longo da ditadura fascista e colonialista, assim como branqueiam as suas responsabilidades no desarmar e capitular desse movimento revolucionário.
É também por essa visão estreita, obtusa, reformista e
oportunista que não entendem que a presente situação de Portugal e o genocídio
fiscal a que os trabalhadores e o povo português estão a ser sujeitos – e
continuarão a sê-lo se for o PS a protagonizar o próximo governo -, só poderá
ser resolvida no quadro de uma recusa do pagamento de uma dívida que não foi
contraída pelo povo, nem dela o povo retirou qualquer benefício, da saída do
euro e da adopção do novo escudo, assim como da desvinculação da União
Europeia.
Quando, a par disso, se propõe a expulsão da tróica
germano-imperialista e o derrube de qualquer tipo de governo germanófilo, para
que seja possível levar a cabo um plano de restauração do tecido produtivo,
liquidado pela forças que se venderam por 30 dinheiros aos interesses dos
grandes grupos financeiros, bancários e industriais e traíram os interesses do
povo português e comprometeram a soberania nacional, aceitando que as políticas
fiscais, cambiais e orçamentais passassem a ser determinadas por um directório
europeu ao serviço do imperialismo germânico, estes “neo-estruturalistas”
enfadam-se e encolhem os ombros com o desprezo dos imbecis que não compreendem
que existe uma causa e um efeito em todos os fenómenos, sobretudo os políticos
e sociais.
Como se enfadam, porque não compreendem, que afinal Portugal
não é um país da periferia, podendo mesmo, desde que um governo de unidade
democrática e patriótica possa emergir desta crise, vir a ser protagonista na nova
centralidade europeia, desde que saiba aproveitar as suas vantagens
estratégicas de partida.
Um exemplo claro disto resulta do facto de muito brevemente
estarem terminadas as obras de alargamento do Canal do Panamá, que
possibilitará a navegação de navios que podem transportar entre 17 a 18 mil
contentores. Paralelamente, está em fase de conclusão, o novo Canal da
Nicarágua, ainda mais largo e profundo do que aquele, e que possibilitará a
navegação de navios de ainda maior calado, capacitados a fazer o transporte de
20 mil contentores.
Ora, num quadro mundial em que o transporte marítimo assume
uma cada vez maior relevância, levando potências como os EUA e a China a uma
preocupação crescente com a implantação e controlo de toda uma logística
mundial, quer nas plataformas portuárias, quer nas ferroviárias, com o
objectivo de promover, com a redução dos custos de transporte, preços mais
competitivos num mercado cada vez mais global, não podemos deixar de observar a
justeza da posição daqueles que vêm afirmando que uma estratégia de
desenvolvimento assente nestas vantagens é incompatível com o pagamento de uma
dívida ilegítima, ilegal e odiosa que compromete os fluxos financeiros
necessários a esta aposta estratégica e ao euro que, sendo uma moeda forte para
uma economia frágil como a portuguesa, constitui um autêntico garrote ao seu
desenvolvimento, a uma política de emprego dinâmica e à prossecução de qualquer
programa soberano e independente.
Portugal possui o único porto de águas profundas – Sines –
em toda a Península Ibérica. A simples observação do mapa mundial permitirá
fazer entender porque é que este facto pode vir a tornar Portugal na porta de
entrada e de saída do essencial das mercadorias que vêm e vão para o continente
asiático e americano, de e para a Europa. Um porto que já possui uma plataforma
tecnológica de ponta, como tem vindo a ser assinalado por vários operadores
internacionais.
Complementar esta possibilidade logística com o
apetrechamento e modernização de outros portos ao longo da nossa costa –
Lisboa, Aveiro, Matosinhos, Leixões, etc. – que poderiam receber navios de
menor calado para onde contentores descarregados no porto de Sines dos navios
“super-porta contentores”, acompanhado de uma política de investimentos numa
rede ferroviária de alta velocidade, em bitola europeia, que unisse Sines a
Leixões e Vigo e Portugal à Europa através da rota dos emigrantes – Aveiro, Vilar
Formoso, San Sebastian, Irún e, depois, centro e norte do continente europeu –
teria efeitos muito dinamizadores sobre a economia portuguesa e o trabalho.
Uma actividade destas implicaria a reanimação dos estaleiros
navais e a actividade de construção e reparação naval. Tal implicaria a retoma
da actividade mineira, mormente as minas de carvão e ferro, para alimentar a
siderurgia nacional – e sobretudo a produção de chapa de laminagem a frio – que
é essencial a essa actividade. Implicaria na reabilitação do sector da metalomecânica, quer a pesada, quer a ligeira, que asseguraria a construção de
material circulante – carruagens, vagões, etc. – e carris e material de
fixação.
A obtusidade de BE e PCP face a esta perspectiva está na
razão directa da sua defesa da necessidade de se “renegociar” ou “reestruturar”
a dívida e de permanecer no euro...a não ser que dele sejamos empurrados. Não
perceberam que é precisamente esta necessidade e emergência de levar a cabo uma
política independente, soberana e assente num plano económico que pode
contrariar e reverter o objectivo que as potências que dominam a Europa e o
euro – sobretudo a Alemanha – tinham e têm ao impor que destruíssemos o nosso
tecido produtivo. Não percebem que quando se disse que Portugal entrou na CEE,
foi de facto a CEE que entrou em Portugal.
Não percebem que foi o imperialismo germânico que trabalhou
laboriosamente na estratégia de levar a cabo a destruição do nosso tecido
produtivo para que ficássemos absolutamente dependentes do exterior. Não
percebem que foi essa estratégia que levou a que o conjunto da actividade
industrial e agrícola, que em 1974 representava cerca de 70% do PIB (40% para a
indústria e 30% para a agricultura), não represente mais do que 15% na
actualidade (13% para a indústria e 2% para a agricultura). Não percebem,
portanto, que num quadro destes nunca haverá lugar a uma política sustentada,
progressiva e eficaz de emprego. Nunca o país poderá gerar riqueza. Aliás, só
poderá gerar pobreza, miséria e dependência.
Está bem de ver que para que este plano de recuperação seja
posto em marcha, Portugal necessitaria de recuperar a sua soberania orçamental
e financeira, que proporcionasse emissão de moeda em montantes suficientes para
assegurar os financiamentos estruturais necessários. Claro que, quem tudo fez
para nos capturar esses instrumentos de soberania – no plano fiscal,
orçamental, cambial, financeiro, etc. – e que com isso encheu e continua a
encher os cofres de dinheiro roubado ao povo e a quem trabalha, nunca se
disporá a “facilitar” outra saída que não seja a de amarrar o país e o povo a
uma moeda como o euro que significa um autêntico garrote, impeditivo de
qualquer crescimento e independência.
É vital deitar pela janela, tal como os Conjurados fizeram em 1640, os Miguéis de Vasconcelos, traidores à pátria e corruptos, que abundam nos vários governos e cujos patrões imperiais generosa e abundantemente premeiam. Desde Vítor Constâncio, do PS, premiado com um lugar na vice-presidência do BCE, passando por António Arnaut, do PSD, ao qual foi dado um lugar de destaque na Goldman & Sachs - o banco dos bancos que, para além de ter criado as condições para que elas se formassem, mais tem lucrado com as chamadas "dívidas soberanas" - passando por Gaspar que saíu directamente do governo de traição nacional Coelho/portas, onde foi o ministro das finanças que gizou o maior genocídio fiscal de que há memória sobre o povo português, e acabou num lugar de destaque proporcionado pelo seu patrão FMI.
Derimir argumentos no campo do inimigo, apresentado-lhes um plano de “reestruturação” ou de “renegociação” da dívida, ao mesmíssimo inimigo que nos impôs a destruição do nosso tecido produtivo, conduz à oportunista ideia de que ele estará disposto a ouvir os “ofendidos” com a sua estratégia rapace e dará uma folga à presa que abocanhou. Se não fossem graves as consequências do espalhar destas ilusões no seio do povo e de quem trabalha, seria caso para os classificar de patetas!
Recuperar o tecido produtivo, reagrupar, refinar e replicar todo
o “know how” que a classe operária e outros sectores do mundo do trabalho
acumularam ao longo de décadas, conhecimento e massa crítica que que foi
obrigada a entrar em modo de “suspensão”, repudiar a dívida, sair do euro e da
União Europeia que, através do conceito de “Mar Azul” tenta abocanhar o último
dos nossos recursos – o mar – é a única saída. Uma saída que exige a
constituição de uma Frente de Unidade Democrática e Patriótica capaz de a
materializar. A alternativa a esta saída é bem conhecida e o povo está a
experimentá-la no corpo e na pele, todos os dias há mais de 40 anos!
Sem comentários:
Enviar um comentário