Saíram de Fafe às quatro da manhã, para pegarem ao trabalho
às oito, na recuperação de um prédio do Século XIX, na avenida Alexandre
Herculano, no centro de Lisboa. Ao meio dia e dezassete minutos estavam mortos,
com a derrocada do prédio.
Quem são os criminosos responsáveis pela morte destes dois
operários minhotos, trabalhando para o Grupo Casais Engenharia, de Braga? Os
criminosos são os administradores do grupo Casais e os técnicos da empresa
responsável pela obra.
O crime ocorreu – porque é de um crime que se trata – quando
os dois operários se encontravam num dos pisos superiores do velho prédio de
cinco andares a projectar cimento para as paredes, “sem os pisos inferiores
estarem devidamente escorados”, segundo o comandante da brigada dos Bombeiros
Sapadores de Lisboa, que acorreram imediatamente ao local do crime.
Trabalhavam nessa ocasião na obra uma vintena de
trabalhadores e, na opinião abalizada de um dos sobreviventes, os três andares
inferiores do prédio desabaram devido à manifesta instabilidade das paredes e à
sobrecarga nos andares, que não estavam devidamente escorados.
Ora, segundo declarações à imprensa prestadas no próprio
local do crime pelo inspector-geral da Autoridade para as Condições do Trabalho
(ACT), Dr. Pedro Braz, “a instabilidade era muito grande, e as instabilidades
numa demolição nunca podem existir”.
Nunca podem existir, mas a verdade é que aqui existiam. E o
responsável pela segurança, conforme cartaz da câmara municipal de Lisboa
afixado no tapume da obra, é o Eng.º Rui Ribeiro. Aqui está um dos responsáveis
pelo crime que matou, ao meio dia e dezassete minutos de 28 de Novembro de
2016, os operários:
José Manuel Soares
natural de Quinchães, Fafe, de 56 anos de idade, casado com
uma senhora doente oncológica e pai de dois filhos, com 21 e 24 anos; e
Armindo Durães Bastos
natural de São Gens, Fafe, de 53 anos de idade, pai de duas
filhas, uma com 24 e outra com nove anos.
Esta bárbara matança de operários no trabalho tornou-se numa
das características básicas do modo de produção capitalista em Portugal. Só
neste ano de 2016, que ainda não chegou ao fim, já morreram – melhor se haveria
de dizer já foram mortos – 114 operários e operárias nos chamados acidentes de
trabalho ocorridos em Portugal.
No ano de 2015, morreram no nosso país no trabalho 142
operários, 34 dos quais no sector da construção. Na Suécia, por exemplo, que
tem a mesma população que Portugal – 10 milhões de habitantes – e a mesma
população activa – à volta de 5 milhões de trabalhadores – só morreram 35 operários,
isto é, um quarto da mortandade provocada pelo sistema de exploração
capitalista directamente sobre os trabalhadores em Portugal.
É preciso pôr imediatamente cobro a esta criminosa tragédia.
O sistema de inspecções e vigilância da Autoridade para as Condições do Trabalho
(ACT) deve exercer-se continuamente sobre o trabalho nas obras mais propícias
aos acidentes laborais. A ACT tem de agir sobretudo e principalmente em
prevenção. Tem de estar na obra antes dos acontecimentos, para evitá-los, e não
depois deles, para lamentá-los.
Toda a gente sabe que a recuperação de um edifício do Século
XIX implica para os trabalhadores riscos inúmeros e inominados. É antes de os
chamados acidentes ocorrerem que é preciso inspeccionar se foram ou não
adoptadas todas as medidas de segurança exigidas e aconselháveis.
O seguro dos trabalhadores da obra não remove a
responsabilidade criminal e civil do dono da obra ou do empreiteiro, do
construtor ou do responsável pela segurança.
O Ministério Público não promove – ou promove sob uma
cultura de complacência – a averiguação das responsabilidades de natureza
criminal dos encarregados das condições de trabalho nas fábricas e nas obras,
escapando ao controlo da justiça a esmagadora maioria dos responsáveis pelas
mortes dos operários no trabalho.
Tudo isto tem de acabar de uma vez por todas e
imediatamente!
A própria Câmara Municipal de Lisboa não pode eximir-se das
suas responsabilidades em matéria de segurança dos trabalhadores nas obras de
recuperação em curso na capital do País. Bem se pode dizer que não há na cidade
de Lisboa uma única rua onde não exista um edifício em vias de desabamento ou
em obras de recuperação.
Lisboa está velha e podre, e é um perigo permanente
para os seus moradores, para os trabalhadores de recuperação dos edifícios e
até mesmo para as pessoas que têm de circular a pé pela cidade. Mas a câmara
não destaca nem os seus fiscais nem os agentes da sua polícia municipal para a
vigilância das obras em recuperação.
No cartaz mandado afixar pela câmara municipal de Lisboa na
obra que serviu de túmulo aos dois operários de Fafe havia – e há – este aviso
muito intrigante:
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“Caso pretenda mais informações sobre esta obra ou se
detectar algum incumprimento das regras de segurança, por favor contacte:
a CML – telefone 217988799
ou o UIT (Unidade Intervenção Territorial)
– telefone 217989114”
Como vêem, a câmara Municipal de Lisboa não fiscaliza nem
inspecciona; faz um apelo à denúncia popular. É assim que trabalha o
departamento do vice-presidente, Arquitecto Manuel Salgado, que assinou o
alvará das obras.
Certo, certo é que o autor destas linhas experimentou
telefonar para os telefones acima indicados e os telefones transmitem apenas o
sinal de desactivados. E aquele cartaz está afixado em todas as obras em curso
nos edifícios de Lisboa… Uma canalha, esta gentinha…
Honra aos operários de Fafe, ontem assassinados por falta
absoluta de segurança durante o seu trabalho em Lisboa!
Justiça pesada e justa para todos os responsáveis pelas suas
mortes no trabalho!
Pagamento imediato das indemnizações devidas às vítimas
e aos seus familiares.
29.11.2016
Arnaldo Matos
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