
Durante a campanha eleitoral para o Parlamento Europeu
defendemos a saída de Portugal da União Europeia e do euro. Explicámos as
razões porque defendíamos esta posição e apontámos as soluções comunistas e
operárias que deveriam ser adoptadas.
Afirmámos com determinação que o desmantelamento da União
Europeia e do euro eram inevitáveis e que a sua desagregação ocorreria,
independentemente da acção do PCTP/MRPP ou do advento de qualquer ruptura
revolucionária.
Contextualizámos o Brexit
como um episódio que opunha o imperialismo britânico aos imperialistas
franceses e alemães, não sendo comparáveis às nossas exigências de saída de
Portugal da UE e do euro, as exigências
dos conservadores e outras forças políticas do Reino Unido.
Apesar de persistirem em tapar o sol com a peneira, os
chamados europeítas – na Comissão Europeia, no Parlamento Europeu, ou fora
destas instituições –apressaram-se a afirmar que, perante os resultados
eleitorais, tinham vencido as forças da unidade
e progresso europeus contra as forças populistas
e nacionalistas.
O cúmulo do ridículo coube ao presidente Marcelo Rebelo de
Sousa, ao proferir um hilariante discurso, no qual afirmou que a Europa escapou
ao “cataclismo populista” e os portugueses – num contexto de 70% de abstenção –
tinham sufragado “de forma contundente” a escolha em partidos pró-europeus!!!
A realidade encarrega-se, porém, de contrariar esta onda optimista. A situação em França e
as recentes ameaças da Comissão Europeia endereçadas à Itália por alegado
procedimento de défice excessivo estão aí para evidenciar as contradições
antagónicas que atravessam a tão aclamada convergência
e a tão incensada união europeia.
Compilando os dados estatísticos disponíveis, o Observatório
das Desigualdades acaba de publicar o seu terceiro Relatório sobre as
desigualdades que se registam em França.
O Observatório sublinha que o Relatório agora publicado
tenta demonstrar a ligação directa que existe entre a crescente contestação
social em França e os dados recolhidos sobre salários, acesso à educação ou
saúde, no contexto do movimento dos “coletes amarelos” (“gilets jaunes”) que
não mostra sinais de desmobilização ou abrandamento.
Níveis de rendimento, acesso à escolaridade e à
licenciatura, precariedade do emprego, esperança de vida ou práticas culturais,
são os principais temas abordados neste Relatório. Não havendo muitos números
recentes sobre a desigualdade de rendimentos, o Observatório teve de se apoiar,
maioritariamente, em dados trazidos a público pela Insee, que datam de 2016.
Dados eloquentes, que revelam que os 10% mais ricos obtêm
23,8% dos rendimentos. Porém, se tivermos em conta a vertente património, a
diferença na distribuição dos rendimentos é ainda maior, com 1% dos mais ricos do
país a deterem 17% do património.

No último lugar da escala, cinco milhões de pessoas pobres
vivem com menos de 855 euros por mês. A taxa de pobreza fixa-se em alta desde o
início do ano 2000, que coincide com o início da adopção do euro como moeda única
em França – e em praticamente todos os países da chamada União Europeia.
França que, segundo um estudo levado a cabo pelo Centre
d’Études Politiques (CEP), sediado em Friburgo, na Suíça, foi um dos países que
mais perdeu com a adesão ao euro. Nos cerca de 20 anos que leva de introdução
do euro – 1999 a 2017 -, o impacto da moeda única na prosperidade em França
traduziu-se por uma perda de 3.591 mil milhões de euros!
Apesar de uma ligeira diminuição registada entre 2011 e
2016, a taxa de pobreza, no período de 2006 a 2016, passou de 7,3% para 8%!
É ainda difícil medir o impacto que tiveram as várias
medidas tomadas pelo governo francês, no âmbito da presidência Macron, desde o
início do quinquénio. No entanto, é muito provável que a reforma do chamado “imposto de solidariedade sobre a riqueza”, bem
como da atenuação da sua imposição sobre os rendimentos dos mais ricos, tenha
inflaccionado os rendimentos dos mais ricos.
No outro extremo do espectro, é possível que a anunciada
abolição do imposto municipal (o correspondente ao nosso IMI), o aumento do
prémio de actividade ou a velhice, tenham favorecido, ainda que de forma ténue,
os rendimentos da população mais pobre.
O Observatório denuncia que a “democratização social evoluiu pouco”, sendo que o número que mais
se destaca neste capítulo é o da diferença exponencial na origem social dos
estudantes do ensino superior, que sugerem um “determinismo social” em França que se traduz no facto de existirem
2,9% vezes mais jovens filhos de quadros superiores do que filhos de operários
nas fileiras do pós-secundário.

E, a Universidade não é excepção a esta regra. Os filhos dos
operários representam 13% dos licenciados, 9% do mestrado e 7% do
doutoramento!!!
A desigualdade no trabalho está intrinsecamente ligada à
evolução da actividade económica. A ausência de um crescimento económico
dinâmico, agrava os níveis da desigualdade. As que mais preocupam os
trabalhadores são as situações de precariedade do emprego que passou de 12%
para 13,6% no período de 10 anos, registando-se neste momento 8 milhões de
trabalhadores em situação de sub-emprego.
Outro indicador inquietante é a taxa de desemprego entre os
jovens activos entre os 20 e os 24 anos. Disparou para os 20,9%, depois de ter
aumentado de forma pronunciada, entre 2001 e 2013, em 8,3 pontos percentuais!
Um número ressalta, ainda, deste relatório. Segundo o
Observatório para a Desigualdade, 13 anos separam a esperança média de vida de
5% dos mais pobres (71 anos), dos 5% dos mais ricos (84 anos). Ainda segundo
este relatório, “...as condições
materiais de vida têm repercussões sobre a saúde, bem como sobre a duração da
vida...”.

Entretanto, e demonstrando que se agrava o clima de
guerrilha inter-imperialista no seio dos países da União Europeia
- que precede os grandes conflitos que se
preparam entre as várias potências mundiais -, a Comissão Europeia, que mais
não é do que um comité de negócios a mando do imperialismo germânico e dos seus
interesses, revelou que se prepara para notificar o governo italiano –
constituído a partir de uma coligação da direita com a extrema-direita italiana
– de que irá proceder à abertura formal de um procedimento por défice
excessivo.
O “Colégio de Comissários” , depois de
ter endereçado vários avisos e ameaças ao governo italiano, considerou, esta 4ª
feira, dia 5 de Junho, que se “justifica” tal procedimento, tendo em conta que
a dívida de Itália está muito acima do que está previsto nas regras do Pacto de
Estabilidade e Crescimento (PEC).
Invocando os procedimentos estipulados pelo artigo 126.3 do
famigerado Tratado de Lisboa – que elemento do povo português não se
recordará da frase “...porreiro pá...” que o traidor Sócrates endereçou ao
traidor Durão Barroso? -, no qual se define que “...se um Estado-Membro não cumprir os requisitos constantes de um ou de
ambos estes critérios (défice e dívida), a Comissão preparará um relatório...” e um procedimento por défice
excessivo deverá ser emitido.

O que, quer o governo italiano, quer a Comissão Europeia
escamoteiam é o facto de que as perspectivas de crescimento e o equilíbrio das
finanças públicas terem piorado e as medidas políticas recentemente aplicadas
por aquele governo terem provocado um retrocesso, um agravamento dos
desequilíbrios
macroeconómicos em Itália, se devem, precisamente, às mesmas
causas que levaram Portugal à situação em que hoje se encontra.
No caso de Itália, e ainda segundo o já citado estudo do
CEP, o impacto da introdução do euro naquele país teve como resultado uma perda
– no período que medeia 1999 a 2017 – de qualquer coisa como 4.325 mil milhões
de euros!!! Enquanto na Alemanha, e no mesmo período, houve um ganho de 1.893
mil milhões de euros!
Certo é que o tipo de
burguesia que pontifica em Itália não é a mesmo que domina em Portugal – um
sector da burguesia nacional compradora, parasitária, que vive da
intermediação. Itália, ao contrário de Portugal, possui uma indústria de bens
de equipamento e bens transaccionáveis, assente em empresas preparadas para a
internacionalização e aquilo a que hoje se designa por “globalização” (um
eufemismo para imperialismo).

A crise que aquele país atravessa deve-se, em grande medida,
ao euro, cujas regras impedem-no de ter uma política cambial e monetária
soberana que lhe permita melhor gerir os seus fluxos e refluxos financeiros e
exponenciar a sua competitividade face a mercados mais agressivos e não
sujeitos ao garrote da moeda única.
A União Europeia, como tivemos ocasião de explicar, é uma
aliança inter-imperialista contra-natura,
num espaço económico e político em que cada uma das potências em competição
tenta agregar a si a maior fatia do bolo e o protagonismo de quem deve
“conduzir” e “representar” a Europa no teatro da guerra imperialista mundial em
preparação acelerada.
É por isso que, sendo importante a imediata saída de
Portugal da União Europeia e do euro, só o desmantelamento daquelas
instituições ao serviço do imperialismo germânico é que poderá garantir alguma
paz na Europa. A UE e o euro, hoje mais do que nunca, representam a guerra.
O Brexit, a situação política e económica em França e
Itália, a crise dos refugiados, são sinais mais do que evidentes de que, mais
cedo do que se espera, seremos confrontados com a seguinte escolha: ou
desmantelamos a UE e o euro...ou é a guerra que, de iminente, passa a real!
Artigo retirado de:
http://www.lutapopularonline.org/index.php/partido/2532-uma-uniao-europeia-em-estado-comatoso