Anda por aí uma esquerda a cheirar a mofo
social-democrata, reaccionária e diletante, a elogiar o senador norte-americano
Bernie Sanders e a querer fazer-nos crer que ele representa a esquerda que
reformará o capitalismo e o imperialismo americano, transformando o sistema
capitalista e imperialista arrogante, odioso e agressivo daquela super-potência
num paraíso de solidariedade e igualdade para os povos. Os leitores deverão
retirar as suas conclusões da breve síntese do que este lobo disfarçado de
cordeiro representa:
1.
Tal como Hilary Clinton, Sanders aprovou a
invasão do Afeganistão, o direito de Israel a bombardear o Líbano e os ataques
da OTAN à ex-Jugoslávia.
2.
Sanders assegura que nos anos seguintes à Segunda
Guerra o imperialismo norte americano cumpriu um papel progressista no mundo e que,
se for eleito presidente dos EUA, pretende voltar a ele. Como bem sabemos, não
existe isso de um imperialismo progressista!
3.
Sanders verte “lágrimas de crocodilo” perante os milhares de mortos no Afeganistão, mas nada diz
sobre se aplicaria a única medida que poderia aliviar o sofrimento do povo
afegão, isto é, a retirada imediata das
tropas de ocupação. Continua a defender o seu voto de 2001 a autorizar a guerra,
ao mesmo tempo que repete o mito de que os EUA estavam “a caçar os terroristas
que nos atacaram”.
4.
O senador advoga uma retirada gradual. Recorde-se
que Obama também prometia uma retirada por etapas de todas as tropas,mas no
final de seu mandato ainda estavam no Afeganistão cerca de 8500 soldados.
5.
Sendo verdade que Sanders apelou à retirada do
apoio ao regime repressivo da Arábia Saudita, há que denunciar que nunca fez menção
aos muitos outros regimes igualmente repressivos que existem ou existiram no
passado recente, por esse mundo fora, graças à generosidade dos EUA, como é o
caso do apoio a Erdogan na Turquia, que mantém nas prisões do regime fascista
que dirige dezenas de milhares de cidadãos turcos e curdos ou do entretanto
deposto El-Sisi no Egipto, que mandou prender pessoas LGBT, jornalistas e
trabalhadores grevistas enquanto mandava torturar e assassinar os seus
opositores.
6.
A mais notória omissão no discurso de Sanders é a
ocupação israelita da Palestina, um dos conflitos geopolíticos mais importantes
do mundo actual. De facto, Sanders nem sequer fala de Israel nos seus longos
discursos. Fala de uma política mais equilibrada no conflito e até sugere que
os EUA deviam suspender a ajuda militar se Israel não contribuísse para o
processo de paz, ao mesmo tempo que rechaça a política de boicote, desinversão
e sanções. Além disso, junto com outros Republicanos e Democratas, fez um apelo
à ONU para que “melhorasse o tratamento que Israel recebe”.
7.
Vive no passado voltando à era do pós- II Guerra
Mundial, quando elogia o Plano Marshall afirmando que o mesmo foi“radical”e que “não teve precedentes”, escamoteando o
facto de que a era do pós-guerra foi construída sobre a carnificina
imperialista, a destruição da Europa e a derrota das revoluções do ocidente.
Não foi o consenso pacífico e a cooperação internacional, e sim a destruição
dos competidores imperialistas. Sanders assume ingenuamente que ainda se pode chegar
a um novo consenso sem maiores confrontos comerciais, conflitos
inter-imperialistas e até mesmo guerras.
8.
O erro de Sanders não é apenas um simples erro histórico, já que
coloca uma suposta diferença entre a benévola liderança dos EUA na criação da
ONU e a implementação do Plano Marshall e o mau imperialismo que apoiou os
golpes de estado no Irão e no Chile e causou a guerra no Vietname. O que
Sanders, uma vez mais escamoteia, de forma arbitrária, é que os EUA sempre
defenderam os interesses de sua própria burguesia, algumas vezes através da
“ajuda” diplomática, outras directamente pela força.
9.
O exemplo mais claro é justamente o Plano Marshall, que se
desenvolveu para reconstruir a Europa que tinha ficado em ruínas depois do
massacre da Segunda Guerra Mundial. Enquanto Sanders o descreve como um acto de
benevolência sem precedentes, o plano foi fundamental para garantir lucros às
companhias americanas, já que a maioria dos fundos dedicados ao projecto foram
usados para comprar bens fabricados nos Estados Unidos. Além disso, o Plano
cumpriu um papel chave na contenção das revoluções do pós-guerra nos países que
tiveram que lidar com a destruição e a miséria. A CIA nasceu quase
paralelamente com o Plano e recebeu financiamento dele para formar grupos nos
países soviéticos e disseminar propaganda anti-soviética. Harry Truman disse numa
entrevista em 1950 que “o Plano Marshall controlou o perigo da subversão
comunista na Europa e, desde esse momento, conseguiu uma aproximação entre os
países livres e um forte laço económico”.
10.
Vemos então que o Plano Marshall que Sanders tanto elogia e
defende, compartia os objectivos com o golpe no Irão que depôs o primeiro
ministro Mossadegh num momento em que se estava a aproximar da URSS e o golpe
no Chile, em que Salvador Allende havia expropriado sectores chave da economia
e ameaçava os interesses mineiros americanos. Os objectivos dessas intervenções
eram proteger os lucros das companhias dos EUA e derrotar os movimentos
socialistas.
11.
Naquilo que pretende fazer passar como um ataque à retórica
racista de Donald Trump e à direita xenófoba em todo o mundo, Sanders defende
no seu discurso que o “nosso trabalho é
construir uma humanidade em comum e fazer todo o possível para nos opormos a
todas as forças, sejam governos ou corporações irresponsáveis, que tratam de
nos dividir e nos colocar uns contra os outros”.
12.
A elaborada linguagem de Sanders é, no entanto, a cobertura para
uma política que não ataca os problemas mais importantes do mundo actual. As
tropas no Afeganistão, a ocupação ilegal da Palestina por parte de Israel e os
regimes ditatoriais que são aliados dos EUA. As propostas de Sanders revivem
soluções pensadas para um momento de crescimento económico e unidade capitalista
e imperialista, muito longe da realidade política e económica actual. E
sobretudo, Sanders falha ao não entender que a política externa do imperialismo
americano, seja em 1947 ou em 2020, mediante ajudas ou bombardeamentos, só
protege os interesses imperialistas dos capitalistas dos Estados Unidos. Enfim,
a provar que não existem imperialistas bons e imperialistas maus.
A classe operária e os trabalhadores de todo o mundo sabem
perfeitamente que escolher entre Trump e Sanders é escolher entre a morte por
enforcamento ou por afogamento. Um e outro – apesar de discursos aparentemente
diferentes - visam prolongar o modo de produção capitalista e imperialista e a
escravatura assalariada. Os dois advogam a guerra de agressão imperialista, o
saque e o assassinato de operários e trabalhadores em todas as latitudes do
globo terrestre, onde a teoria da “soberania limitada” satisfaça os seus
interesses rapaces.
Um excelente artigo e esclarecedor...
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