domingo, 15 de julho de 2012

As medidas terroristas do governo de traição nacional na área do trabalho e da segurança social

Publicado em 04.05.2012. Escrito por Garcia Pereira.


I
As alterações às leis do Trabalho e da Segurança Social que o Governo PSD/CDS está a levar a cabo configuram, como sempre denunciámos, uma verdadeira declaração de guerra aos trabalhadores portugueses e submeterão o Povo a uma situação de fome e de miséria ao mesmo nível, senão mesmo pior, que os piores tempos da governação Salazarista.
Com efeito, as novas leis laborais – quer as já em vigor ou já aprovadas no Parlamento quer as que o Governo prepara em surdina – consubstanciam um verdadeiro novo Código do Trabalho de drástico embaratecimento e de liberalização dos despedimentos e um brutal abaixamento dos salários e aumentos dos tempos de trabalho, ou seja, de verdadeiro roubo dos salários e do próprio trabalho.
E os novos regimes fiscais e da Segurança Social – com o confisco de dois meses de salário, a redução uniformemente acelerada, em valor e em duração, dos diversos subsídios sociais, do subsídio de desemprego ao de doença e de maternidade, por exemplo, e a diminuição das pensões e o adiamento da idade de reforma – farão esse tipo de direitos e garantias, tão duramente conquistados pelos operários e demais trabalhadores, descer a níveis inferiores aos dos mais dramáticos tempos do fascismo.
Porém, limitarmo-nos a constatar um tal estado de coisas ou a considerá-lo um “retrocesso social”, como fazem aqueles que, pelas suas posições e ideologias inconsequentes e oportunistas, são incapazes de ir ao fundo das coisas, não permitirá compreender o que verdadeiramente está em causa nestas ditas “reformas estruturais” e muito menos definir uma justa e coerente linha de combate contra elas.
Vejamos então: A nível mundial, a lógica do funcionamento do sistema capitalista na sua fase imperialista determinou um processo de acumulação primitiva que implica que, nos países vulgarmente chamados de “emergentes” (como a Índia, a China ou mesmo o Brasil), hoje se assista essencialmente à concentração de multidões de operários em grandes centros de produção industrial, fazendo com que aquilo que actualmente se passa com a vinda de inúmeros trabalhadores para ali venderem a força dos seus braços não difira por exemplo em Xangai do que se passava no Século XIX em Manchester ou Lyon. Isto, enquanto nos países de economia capitalista mais avançada, como é o caso dos Estados Unidos da América ou da Europa, aquilo a que actualmente se assiste é uma apropriação dessa força de trabalho moderna que é a “inteligência”.
Com efeito, com os processos produtivos mais modernos e a cada vez mais incorporação robótica, informática e tecnológica por que se caracterizam, as consequências que daí decorrem são, por um lado, o aumento da produtividade do trabalho e do lucro dos capitalistas e, por outro, a precarização e informalização do trabalho (como a chamada “terciarização”, a contratação precária e a imposição da inevitabilidade da lógica de que “hoje o trabalhador tem trabalho, mas amanhã já pode não ter”), e a consequente proletarização dos trabalhadores intelectuais.
Essa mesma precarização e progressiva proletarização destes trabalhadores com a respectiva redução acelerada de direitos (quer em termos de estabilidade do vínculo, quer em termos de duração do tempo de trabalho e do montante dos respectivos salários) é assim uma consequência directa da nova morfologia do trabalho nesta época do imperialismo.
O Capital ao apropriar-se da força de trabalho do trabalhador, apropria-se também do saber nele presente, como uma parte do chamado “saber social”, fazendo com que a ciência e a tecnologia sejam partes integrantes das forças produtivas do grande capital imperialista (que surge, como sabemos, da fusão do capital industrial com o capital financeiro). E é exactamente por isso – ou seja, por terem sido apropriados pelo grande capital e colocados ao seu serviço – que, não obstante os enormes progressos científicos e tecnológicos alcançados pela Humanidade nos últimos 30 anos, que poderiam e deveriam permitir uma relação mais harmoniosa e menos penosa do Homem com o trabalho, possibilitando que para produzir o mesmo se tivesse de trabalhar muito menos tempo, a reivindicação das 8 horas por dia e das 40 horas por semana nunca foi tão actual e tão “radical” como hoje é.
Sem combater para destruir o sistema económico capitalista, sem eliminar a separação entre o trabalhador e os meios de produção que ele representa, sem acabar com a exploração do homem pelo homem que ele implica, não é, pois, possível lutar consequentemente contra a informalização e a precarização crescentes dos trabalhadores.
Afirmar apoiar a luta contra essa precarização e defender o chamado “Estado Social” fora do combate pela destruição do sistema capitalista – como fazem os oportunistas – tem, assim, tanto de impossível quanto de reaccionário, e conduzirá inevitavelmente tal luta, por mais generosa que ela seja, à derrota!
Acontece que, no caso de Portugal (tal como aliás de outros países de economia capitalista mais fraca) há ainda outros aspectos particulares que têm de ser tidos em conta para se compreender correctamente toda a lógica das medidas actualmente em curso.
Na verdade, no quadro da divisão internacional do trabalho, o papel que foi destinado ao nosso País pelo colonialismo e imperialismo germânico foi o de uma verdadeira sub-colónia, sem qualquer capacidade produtiva própria, mero fornecedor de uma mão-de-obra praticamente escrava, ou seja, com salários baixíssimos e poucos ou nenhuns direitos, e com os principais activos do País entregues aos grandes capitalistas internacionais.
Através da chamada integração europeia, o Imperialismo Alemão conseguiu numa primeira fase, a desindustrialização dos restantes Estados europeus, e de uma forma muito marcada num País como o nosso, cujos dirigentes traidores, aliás, aceitam acabar com a Indústria (que agora, com a União Europeia, seria fundamentalmente para a mesma Alemanha), com a Agricultura (que agora seria para a França), com as Pescas (que agora eram para a Espanha, apesar de termos a maior Zona Económica Exclusiva de toda a Europa), com as Minas (fechadas umas após as outras), tendo servido os fundos europeus essencialmente para financiar esse mesmo gigantesco abate da capacidade produtora, política essa de que os Governos do PS (com Sócrates e Guterres) e do PSD (principalmente com Cavaco) foram os primeiros e principais executores.
A fase seguinte deste sagaz plano do imperialismo germânico foi a instituição da moeda única, o euro, que de outra coisa não passa que não seja o marco travestido e que privou, com a excepção do Reino Unido, os restantes países e muito em particular os de economia mais fraca como Portugal, de quaisquer instrumentos de protecção, adaptação e reforço de competitividade dos seus produtos, e os conduziu à mais absoluta dependência externa e ao seu progressivo endividamento (já que um País que praticamente nada produz e tudo tem de importar é um país não apenas permanentemente endividado mas de igual modo com a sua independência económica, financeira e também política gravemente amputada).
E quando o endividamento assim planeadamente criado atingiu sensivelmente os 100% do PIB, ou seja, a totalidade da riqueza que cada País produz por ano, a Alemanha deu o seguinte e decisivo passo, consistente na imposição dos planos e políticas de austeridade, que se caracterizam pela lógica de sempre do imperialismo: cortes brutais nos salários, aumentos igualmente brutais dos impostos sobre quem trabalha e sobre os bens e serviços de primeira necessidade (da Saúde aos Transportes, passando pela alimentação e electricidade), cortes desmesurados nas medidas e apoio social às vítimas da crise (nomeadamente, subsídios de doença e de desemprego, serviços de saúde) e venda ao desbarato de todos os principais activos do País (Banca, Electricidade, Águas, Telecomunicações, Correios, Transportes Aéreos e Terrestres, Navegação Aérea, etc.), privando-o de instrumentos estratégicos essenciais na condução de uma política de desenvolvimento económico.
Sob o pretexto do pagamento de uma dívida que – nunca é demais repeti-lo! – não foi o Povo português que contraiu, nem foi contraída em seu benefício, e sob o habitual argumentário, tão falso quanto provocatório, de que os trabalhadores portugueses viveram acima das suas possibilidades e agora têm de pagar por isso, são desleixados e indolentes, trabalham muito menos que os outros e se estão pobres e desempregados é porque não se esforçam o suficiente, do que se trata então é, sempre invocando a necessidade da “austeridade” para alegadamente aumentar a produtividade da economia portuguesa, baixar ainda mais salários, aumentar os tempos de trabalho, elevar os impostos sobre o trabalho, subir preços, cortar nos subsídios, privatizar a preços de saldo as empresas dos principais sectores económicos (da EDP à TAP, passando pelos CTT e pela CGD e inúmeras outras). E, consequentemente, produzir incessantemente e numa lógica de verdadeira “espiral a caminho do fundo” recessão, recessão e mais recessão, ou seja, mais desemprego, mais fome e mais miséria.
O que tudo significa que também não é possível lutar consequentemente contra o novo Código do Trabalho, e contra os cortes salariais, das pensões e dos subsídios, ou seja, contra a liberalização dos despedimentos, contra o roubo dos salários e do trabalho, contra a fome e a miséria, sem repudiar o pagamento da dívida, sem rejeitar a política de austeridade do imperialismo alemão e da sua Tróica, sem derrubar o Governo de Traição nacional dos vende-pátrias seus agentes e representantes em Portugal e sem constituir um governo democrático patriótico que reagrupe todas as forças democráticas para levar a cabo a nacionalização da Banca e das grandes empresas dos sectores estratégicos da economia e para aplicar um programa de desenvolvimento económico e de combate ao desemprego.
Assim, aqueles que dizem estar contra, por exemplo, o novo Código do Trabalho mas aceitam o pagamento da dívida (mesmo que a “renegociando”, o que só significa pagá-la à mesma e com língua de palmo), ou entendem que o Governo Coelho/Portas pode continuar a governar, ou ainda que acham que o chamado “Programa da Tróica” deve ser cumprido (ainda que de forma mais suave, o que só representa “mais do mesmo e por mais tempo” …), estão é a trair o combate que dizem querer travar e a conduzir a luta dos trabalhadores portugueses para becos sem saída.
Dito isto, e apenas após dito tudo isto, importa então passar à análise das várias medidas terroristas do novo Código do Trabalho e do seu verdadeiro alcance.
Mas essa já é matéria dum outro texto.

II

Publicado em 08.06.2012. Escrito por Garcia Pereira.
A aplicação de um plano de desindustrialização massiva e progressiva do nosso País e de destruição de grande parte da sua capacidade produtiva, a persistência na aposta no modelo dos baixos salários, ou seja, do trabalho intensivo, pouco qualificado e miseravelmente pago, e a aceitação, assumida e executada pelos sucessivos governos desde o início da integração europeia, do papel de Portugal como mera sub-colónia do imperialismo germânico, conduziram em linha recta a uma situação de completa dependência económica e financeira, mas também política, de Portugal, tendo de importar mais de 80% daquilo que diariamente consome, mas também sendo o País da UE-27, a seguir à Letónia, com o indicador de desigualdade na distribuição de rendimentos (o chamado índice GINI) mais elevado – em 2010 a média da UE 27 era de 30,5 e em Portugal de 33,7 – e com o 3º índice de desigualdades sociais mais elevado de todos os 30 países da OCDE.
Simultaneamente, a própria CMVM revelou que, não obstante a situação do País, só entre 2000 e 2005 as remunerações dos membros das Administrações das 20 empresas mais cotadas na bolsa triplicaram e ainda que, em média, os gestores dessas empresas ganham cerca de 30 vezes mais que a remuneração média dos respectivos trabalhadores. E de acordo com os dados muito recentemente divulgados pela Unicef no seu relatório “Medir a Pobreza Infantil”, considerando crianças até aos 16 anos e elementos de 2009, num universo de 29 países, Portugal está em 25º lugar, tendo atrás de si apenas a Letónia, Hungria, Bulgária e Roménia, e sendo que quase 1/3 das crianças portuguesas está em carência económica e 14,7% vivem mesmo em famílias cujo rendimento não ultrapassa os 200 euros mensais!
Em Outubro de 2011 tínhamos 25,3%, (em 2007 essa taxa era de 18%) da população abaixo do chamado “limiar mínimo de pobreza” (actualmente calculado em 434 €), dos quais grande parte são a esmagadora maioria dos 1.600.000 reformados, com pensões miseráveis (a pensão média geral era, então, de 409,35 mensais, sendo 531,00 a dos homens e 304,00 a das mulheres). Mas também esses pobres são, e cada vez mais, empregados – com efeito, estes, só entre 2009 e 2010 aumentaram 124,000, ou seja, 12%! – o que só mostra que há cada vez mais pessoas em Portugal que, embora tendo trabalho, ganham de tal modo miseravelmente que o salário não dá para garantir a subsistência mínima.
Mas, para além destes cerca de dois milhões e meio de pobres, há ainda um número que se estimava ser no final de 2011 de entre um milhão e meio e dois milhões que só não estão abaixo do referido limiar mínimo de pobreza por beneficiarem de prestações sociais de diversa ordem (que em linguagem estatística se denominam de “estabilizadores automáticos sociais”), tais como subsídios de doença ou de desemprego, pensões, complementos solidários, etc.. Ou seja, aquelas mesmas prestações correspondentes a despesas sociais do Estado que já diminuíram em termos reais entre 2010 e 2012 em 19,8% (em termos nominais, 6.5%) e sobre as quais o Governo prepara novos e ainda mais brutais cortes, sempre sob os eternos pretextos do combate ao défice e do pagamento da dívida, lançando estas pessoas na miséria e na fome. Por exemplo, entre 2010 e 2011 foram pagos menos 70.000 abonos de família e as novas regras do subsídio de desemprego – introduzidas pelo Dec. Leis 64/2012 – encurtaram os prazos de atribuição e reduziram os respectivos montantes, através da fixação dum limite máximo mais baixo, de 3 para 2,5 IAS – o chamado “Indexante de Apoios Sociais”, no valor actual, mantido desde 2009, de 419,22 – e da redução automática de 10% ao fim de 6 meses). Porém, e simultânea mas muito significativamente, não obstante o enorme aperto dos respectivos critérios de atribuição, segundo os próprios dados do Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) do Ministro da Solidariedade e Segurança Social, o número de novos beneficiários do Rendimento Social de Inserção durante o 1º trimestre de 2012 mais do que triplicou em relação ao último trimestre de 2011, atingindo agora os 330 mil!
Mercê das políticas governamentais, primeiro de Sócrates e agora de Coelho e Portas, actualmente o número real dos desempregados é da ordem do milhão e quatrocentos mil, já que os 14% do último trimestre de 2011 de desempregados oficiais (771.000.00) subiram agora, em Maio de 2012, para 15,2% (833.000.00) – que corresponde a um agravamento de 3,6% no espaço de um ano! – sendo que a este número haverá ainda que adicionar os chamados “inactivos disponíveis” (desempregados que não se chegam a inscrever nos Centros de Emprego por não terem qualquer esperança de voltar a entrar no mercado de trabalho), os “inactivos desencorajados” (que chagaram a estar inscritos mas não renovaram a inscrição) e os do “sub-emprego visível” (que são reais desempregados mas que, por frequentarem uma acção de formação ou terem um “gancho” onde auferem umas dezenas de euros, saltam fora das estatísticas oficiais do desemprego) e que ascendiam no final de 2011 respectivamente a 230.00, 83.000 e 187.000, num total de 473.000,00, e que entretanto também subiram. Entre os jovens, a taxa de desemprego já vai (dados de Maio) em 36,6%!
Todavia, deste número gigantesco de desempregados, de acordo com os próprios dados da Segurança Social, apenas 360 mil, ou seja, um quarto, recebe actualmente subsídio de desemprego, ficando os restantes 3/4 entregues à mais completa miséria.
Demonstrando que se está aqui perante um processo de destruição maciça das forças produtivas o número no final do ano de 2011 de desempregados há mais de um ano era de 405.00 e de há mais de dois anos de 294.000, do mesmo passo que se em 2011, 4731 empresas declararam falência (o que já representava um aumento de 14% relativamente a 2010), no 1º trimestre de 2012 já abriram falência 1650 empresas, o que significa mais 45% do que em igual período do ano passado.
Em termos de mercado de trabalho, a população empregada passou de 4.735.400 no último trimestre de 2011 para 4.662.500 no 1º trimestre de 2012 (ou seja, menos 72.900 trabalhadores empregados em apenas um trimestre) o que representará, a manter-se este ritmo, um total de 291.600 despedimentos no final do presente ano, mais 36,6% que em 2011.
Por outro lado, do total da população empregada, há cerca de 750 mil trabalhadores contratados a prazo e estima-se que outros cerca de 500 a 750 mil trabalhadores com vínculos ainda mais precários (tais como “recibos verdes”, contratos ditos de “formação”, comissionistas, etc.), ou seja, todos os dias há quase um milhão e meio de pessoas, cerca de 1/3 da população empregada, que sai de casa sem saber se à noite ainda tem com que dar de comer aos filhos…
E hoje mais de 70% das novas contratações em Portugal são não permanentes (na UE são em média de 50%), mas relativamente aos jovens com menos de 35 anos essa percentagem ascende a 85%!?
E a verdadeira razão de ser desta aposta na contratação precária é bem evidente quando são os “Quadros de Pessoal” do INE que demonstram as marcadas diferenças salariais entre os trabalhadores com vínculos estáveis e aqueles com vínculos precários – segundo os dados de 2009 a remuneração média horária dos trabalhadores efectivos era de 5,40 euros, a dos trabalhadores contratados a prazo de 4,03 euros (74,6%) daquela) e a dos trabalhadores temporários de 3,30 euros (61,1%).
Por fim, e uma vez que o discurso ideológico com que continuamente se procuram justificar as medidas terroristas do roubo dos salários e do trabalho é o de que os trabalhadores portugueses são pouco produtivos (como se a produtividade não fosse um problema do patrão e não do trabalhador, já que se este, para fazer o seu trabalho, tiver por utensílio uma enxada ou um moderno tractor, o resultado será completamente diverso…), trabalham pouco e ganham demais, convirá ter presentes os dados que se seguem.
Antes de mais, o salário mínimo nacional é em Portugal, como se sabe, de 485 euros, enquanto em Espanha é de 748, no Reino Unido de 1.035 e na França de 1.377.
De acordo com os dados do ano passado – entretanto a diferença ter-se-á acentuado – do próprio Fórum Económico Mundial o número médio de horas anuais de trabalho do trabalhador português era de 1734, o número médio da UE no seu conjunto, de 1686 (ou seja, menos 48) e o número médio do trabalhador alemão, de 1659 (isto é, menos 75 horas anuais que o trabalhador português).
Por outro lado e segundo os dados do Eurostat os custos hora do Trabalho (incluindo o salário pago, as contribuições para a Segurança Social, a apólice de seguro de acidentes de trabalho e os demais custos administrativos) da média da UE-27 era em 2011 de 23,10, na Espanha de 20,60, na Alemanha de 30,10 e na Bélgica de 39,30, enquanto em Portugal era de … 12 euros! Ou seja, os custos salariais – que os “especialistas” como António Borges, do alto dos seus “modestos” rendimentos de centenas de milhares de euros ao ano, proclamam enfaticamente terem de ser radicalmente diminuídos – em Portugal são afinal de apenas 52,4% da média europeia, 58,7% dos custos na Espanha, 40,2% dos custos salariais na Alemanha e 30,8% na Bélgica! Mas, em contrapartida, a produtividade do trabalho em Portugal relativamente à UE, à Espanha, à Alemanha e à Bélgica é, respectivamente, de 76,5%, 70,2%, 72,6% e 60%.
Isto é, uma vez mais ao contrário do que todos os dias proclamam os “especialistas” da nossa praça, segundo as próprias estatísticas da União Europeia, a percentagem da produtividade do Trabalho em Portugal é muito superior à percentagem dos custos do mesmo Trabalho relativamente não só à média da mesma União Europeia como também a países como a Espanha, a Alemanha e a Bélgica. E ainda que, de acordo com as estatísticas públicas, entre Abril e Dezembro de 2011 mais de 400 mil trabalhadores passaram da situação de emprego para o desemprego enquanto cerca de 360 mil trabalhadores passaram de desemprego para emprego, o que representa o mais baixo nível da União Europeia das chamadas “segmentação” ou “rigidez” do mercado de trabalho, que precisamente são todos os dias invocadas para tentar justificar o terrorismo do novo Código do Trabalho recentemente aprovado pelo PSD e CDS com a chancela do PS de Seguro.
Por fim, e ainda antes de entrar na análise de maior pormenor desse mesmo Código, convém recordar aqui que, ainda antes da “liberalização” e da “flexibilização” introduzidas pelo Código do Trabalho de Bagão Félix (entrado em vigor em 2003), a afirmação, já tão repetida na altura pelos ditos “especialistas” da nossa praça, de que o nosso actual Direito do Trabalho seria o mais rígido da Europa não passava, afinal, de uma “blague” tão falsa quanto infundada. Na verdade, com a única e pontual excepção do regime jurídico do despedimento individual com justa causa (em que, de facto, o ordenamento jurídico português é um pouco mais apertado do que na generalidade dos outros países) o nosso sistema laboral era já então mesmo dos mais flexíveis e menos regulamentadores da União Europeia, do mesmo passo que era, e é, dos que mais baixo nível de empregabilidade e mais baixa protecção social em situação de desemprego têm.
Com efeito, de acordo com um estudo do sociólogo António Dornelas (“Trabalho e Emprego: Perspectivas Futuras”, in “Emprego e Organizações – mudanças e novas perspectivas, 20 e 21 de Novembro de 1998”, pp. 45-63) num quadro de índice de regulação legal do mercado de trabalho e numa escala de 0 a 8, Portugal aparecia então, ainda antes do Código do Trabalho de 2003, com o valor de “4”, a par da Bélgica e da Irlanda, tendo o Reino Unido “0”, a Dinamarca “2”, a Holanda “5”, a França e Alemanha “6”, a Suécia, a Itália e a Espanha “7”. Por seu turno, um dos maiores especialistas europeus em Direito Social e do Trabalho, “Colin Crouch” (“Revised diversity: from the neo-liberal decade to beyond Maastricht”, in J. Van Ruysseveldt e J. Visser, “Industrial Relations in Europe – Traditions and Transitions”, Londres, 1996 definia, no quadro das relações industriais na UE, como países com padrões laborais baixos, Portugal, Espanha e a Grécia, caracterizando mesmo expressamente o sistema laboral português como “um sistema duro, desregulado e dominado pelos empregadores”.
E isto era assim, repete-se, antes do “Código do Trabalho Bagão Félix” de 2003 e das “Revisões Vieira da Silva” de 2006 e 2009!
E, por outro lado, no que respeita à regulação normativa das relações de trabalho, ou seja, operada não apenas através das leis e dos Códigos do Trabalho mas também, para não dizer sobretudo, por outras Fontes de Direito, com a contratação colectiva (normalmente mais favorável ao trabalhador do que a própria lei) à cabeça, impõe-se salientar que, de acordo com os dados de 2010 da OCDE, a taxa de cobertura de trabalhadores por contratação colectiva enquanto é na Áustria de 99%, na Bélgica de 96%, na França de 90%, na Espanha de 84,5%, na Alemanha de 62%, no todo da mesma OCDE de 53,3, em Portugal é apenas de 45%, sendo que a Tróica e o Governo pretendem agora diminuir ainda mais essa taxa adoptando medidas (ditas de “desconcentração” da negociação) que visam liquidar em definitivo a mesma contratação colectiva e tudo reduzir, em matéria de definição das condições de trabalho e de salário, à relação individual entre patrão e trabalhador e à imposição absoluta dos poderes e dos interesses daquele, possibilitando deste modo alcançar um abaixamento ainda maior dos já miseráveis salários que são pagos entre nós e um agravamento ainda mais acentuado das já péssimas condições de trabalho, a começar pelos horários, que são, em geral, praticados.
E isto é assim precisamente porque tal medida terrorista do embaratecimento brutal do trabalho é a única medida que a burguesia tem para o Povo pagar, pagar e continuar a pagar a dívida, que não cessará entretanto de crescer (com um ano de programa de “ajuda” da Tróica ela já cresceu de 117 para 190 mil milhões de euros, ou seja, 73 mil milhões!?).
Dito de outra forma, se aceitarmos pagar a dívida para encher os bolsos aos bancos alemães, vão baixar-nos os salários para a pagar, e depois vamos ter que pagar outra, mais outra e ainda outra vez – a dívida pública aceite pelo Estado português em 1892 acabou agora de ser paga em … 2005!? – Ou seja, esses salários e as demais condições de trabalho miseráveis irão eternizar-se.
É precisamente por essa razão que os trabalhadores portugueses se devem mobilizar para recusar pagar uma dívida que eles não contraíram e não foi contraída em seu benefício e que não pagar significa, antes de mais, lutar contra todas as medidas de roubo do salário e do Trabalho que o novo Código do Trabalho precisamente representa, e que iremos de seguida analisar mais detalhadamente.

III

Publicado em 11.07.2012. Escrito por Garcia Pereira.

As mais recentes modificações ao Código do Trabalho de 2009 consubstanciam a 3ª alteração (depois da 1ª operada pela Lei nº 7/2009 de 12/2, e da 2ª, constante da Lei nº 105/2011, de 14 de Outubro último) e constam da Lei nº 23/2012, de 25/6, aprovada pelo Parlamento com os votos favoráveis do PSD e do CDS e a abstenção do PS, logo promulgada em 18 de Junho pelo Presidente da República e rapidamente publicada para, nos termos do artº 11º do mesmo diploma, entrar cirurgicamente em vigor no dia 1 de Agosto próximo.

Ora, importa desde logo salientar que o sentido fundamental dessas alterações é único e facilmente perceptível: o de diminuir drasticamente as remunerações dos trabalhadores, seja pelo seu abaixamento directo, seja pela facilitação e embaratecimento dos despedimentos, com a consequente e daí logicamente decorrente precarização dos vínculos laborais.
Obedecendo a esse sentido, encontramos assim quatro grandes grupos de soluções normativas: restrição e mesmo derrogação da eficácia da contratação colectiva; substancial aumento dos tempos de trabalho; diminuição forçada das condições legais ou contratuais com expressão pecuniária, directa ou indirecta; e, finalmente, facilitação e embaratecimento dos despedimentos (por agora, apenas dos despedimentos ditos por causas objectivas).
Deste modo, no que toca à diminuição das retribuições, temos que o trabalho suplementar ou extraordinário passa a ser pago (artº 268º) com acréscimos menores do que os que vigoraram até aqui (apenas 25% na 1ª hora; 37,5% na 2ª hora e seguintes e 50% por cada hora em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado, quando até esta lei eram respectivamente 50%, 75% e 100%), sendo que o trabalhador deixa de ter direito ao descanso compensatório por trabalho prestado em dia útil, em dia de descanso complementar (normalmente o Sábado) e em dia feriado, excepto no caso de empresas não obrigadas a suspender actividade nesses dias (artº 269º) e pode mesmo ser obrigado pelo patrão a fazer “ponte” à 2ª feira e à 6ª feira, quando mediante o gozo forçado de um dia de férias, houver um feriado à 3ª feira e à 5ª feira, respectivamente, e depois ser forçado a trabalhar noutro dia, sem que esse trabalho a mais seja considerado extraordinário ou suplementar, para compensar as horas do dia de ponte ou férias fixado pelo empregador, nos termos dos artºs 242º, al. b) e 226º, nº 3, al. g), com a nova redacção.
No que respeita ao aumento dos tempos de trabalho, são, nos termos do artº 234º, nº 1, eliminados, aqui com efeitos para 2013, 4 feriados (o 5 de Outubro, o 1º de Dezembro, o Corpo de Deus e o 1 de Novembro), enquanto também desaparecem os até 3 dias suplementares de férias, até aqui atribuídos como prémio pela maior assiduidade dos trabalhadores, beneficiando quem não tivesse faltas justificadas de 0 até 3 dias por ano, tudo isto nos termos da alteração ao artº 238º, em cujo nº 3 tal aumento da duração das férias estava previsto, e agora desaparece.
Por outro lado, o chamado “Banco de Horas”, que até agora só podia ser estabelecido por contratação colectiva, passa, por força do artº 208º-B, a poder decorrer inclusive da aceitação de 75% dos trabalhadores da equipe, secção ou unidade económica, impondo-se aos restantes 25%, e nos termos do novo artº 208º-A passa até a poder resultar de mero acordo individual entre empregador e trabalhador (podendo neste caso o período normal de trabalho atingir as 50 horas semanais e o acréscimo de horas por ano alcançar o total de 150 horas), sendo que o dito “acordo” pode consistir numa proposta escrita do empregador e na simples ausência de resposta àquela por parte do trabalhador, no prazo de 14 dias, presumindo-se nesse caso a sua aceitação, tudo por força do novo artº 208º-A.

Note-se ainda que o dito Banco de Horas, de natureza colectiva ou de natureza grupal (os tais 75% dos trabalhadores da mesma secção), significa que o trabalhador pode ter que trabalhar até 60 horas por semana e pode prestar até 200 horas a mais daquilo a que se obrigou pelo contrato que oportunamente firmou com o patrão (se se tratar do Banco de Horas individual esses limites são, respectivamente, de 50 horas semanais e 150 horas num ano, como já referido), sendo que a “retribuição” desse trabalho a mais pode ser feita ou em dinheiro (pagando as ditas horas “a singelo”) ou pela compensação ou desconto em tempo de trabalho nos períodos ditos de menor actividade, ou por aumento do período de férias (artº 208º, nº 4).
Ora, ao permitir e mesmo impôr o acréscimo de trabalho efectivo e não pago e a alteração unilateral das condições (de tempo de trabalho e de remuneração) que o trabalhador oportunamente ajustou com o seu empregador por via das estipulações do respectivo contrato individual de trabalho, as acima referidas novas normas legais desde logo afectam de forma grave, injustificada e desproporcionada não só o princípio e o direito à retribuição de todo o trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, garantido no artº 59º, nº 1, al. a) da Constituição, como também o princípio da certeza e segurança jurídicas, colocando cidadãos titulares de relações jurídicas há muito constituídas, e cujo desenho e execução têm por pressupostos essenciais precisamente a duração quantitativa da sua prestação de trabalho e a respectiva retribuição, na situação de verem, de súbito e contra a sua vontade e interesse, tais pressupostos profundamente alterados em seu desfavor, tal representando afinal que, sem o desejar, vão ter que trabalhar mais tempo e por menos salário. E, por outro lado, as possibilidades de aumento muito marcado e até violento (como é, por exemplo, o caso do Banco de Horas grupal com jornadas de 60 horas semanais) do tempo de trabalho afiguram-se também incompatíveis com o princípio da “conciliação da actividade profissional com a vida familiar” estabelecido no artº 59º, nº 1, al. b) da Constituição da República.
O que tudo conduz à incontornável inconstitucionalidade material das referidas soluções legais, quer por violação do princípio relativo à retribuição, constante do já citado artº 59º, nº 1, al. a) da CRP, proibindo o seu abaixamento, quer por violação do referenciado princípio da certeza e segurança jurídicas, ínsito na ideia fundamental do Estado de Direito consagrada no artº 2º da mesma CRP, quer ainda dos supra-indicados preceitos das al. a) e b) do mesmo artº 59º.
Por outro lado, esta Lei nº 23/2012 vem também estabelecer, no seu artº 7º, um conjunto de soluções que visam modelar impositivamente as normas da contratação colectiva actualmente existentes e em vigor, estabelecendo reduções (como sucede com os 3 dias suplementares de férias – nº 3) e suspensões pelo prazo de 2 anos (como se verifica com as cláusulas de contratação colectiva referentes a acréscimos remuneratórios de trabalho suplementar ou de trabalho prestado em dia feriado – nº 4), com redução forçada e automática, ao fim desses 2 anos, para metade dos montantes remuneratórios previstos em tais cláusulas, como estabelece o nº 5.
Mas, mais do que isso, os nºs 1 e 2 deste referido artº 7º estatuem mesmo uma verdadeira derrogação com eficácia retroactiva das disposições de convenções colectivas de trabalho celebradas antes da entrada em vigor desta nova lei, estipulando a nulidade das cláusulas que, quando entraram em vigor, eram perfeitamente válidas, mas que estabelecem compensações superiores às da nova lei por cessação do contrato de trabalho ou o descanso compensatório por trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em dia feriado.
Ora, afigura-se-nos igualmente evidente que semelhantes soluções legislativas, ao porem desta forma em crise normativos de convenções colectivas de trabalho regular e legalmente negociadas, publicadas e postas em vigor, ferem de forma evidente e põem gravemente em questão o direito à contratação colectiva, consagrado no artº 56º, nº 2 da Lei Fundamental, desde logo na vertente do direito à autonomia contratual colectiva, com a consequente garantia de uma verdadeira “reserva de convenção colectiva”, não podendo de todo, face a tais princípios constitucionais, a lei ordinária nem aniquilar o direito de contratação colectiva por via de se ocupar de uma regulamentação latitudinária das relações de trabalho e/ou de afastar a sua derrogação por convenção colectiva, nem impôr a caducidade retroactiva de normas de contratação colectiva de forma a afectar a estabilidade dos contratos celebrados ou definidos com base nessas mesmas normas.
Por fim, deverá salientar-se que, em matéria de despedimentos, estas alterações ao Código do Trabalho tratam, antes de mais, de reduzir drasticamente o montante das compensações devidas por despedimento por causas ditas “objectivas” (sendo certo que – o que desde já se regista – também se começaram entretanto a ouvir referências de que de igual modo as indemnizações por despedimentos declarados ilícitos deveriam ser diminuídas…). Assim, e precisamente, aplicando-se plenamente aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor e, no que respeita a contratos de trabalho já em vigor, a todo o respectivo período de vigência posterior a 1/11/2012,o critério de cálculo passa a ser o de apenas 20 dias (e não já um mês) de retribuição base mais diuturnidades por cada ano de antiguidade, é eliminado o limite mínimo de 3 meses, passa a ser imposto um limite máximo de 12 meses de compensação, sendo certo que a base de cálculo desta também impõe que a retribuição de referência nunca possa ser superior a 20 salários mínimos garantidos (o que significa que a compensação de antiguidade passa assim a não poder nunca ser superior a 12 x 20 = 240 remunerações mínimas garantidas, sejam quais forem, e mesmo que muito superiores a 20 salários mínimos e a 12 anos, a retribuição e a antiguidade do trabalhador).
Acresce que, e aliás em flagrante contradição com o critério de cálculo do valor da retribuição constante do artº 271º, o novo artº 6º, nº 3, al. b) da Lei nº 23/2012, de 25/6 vem estipular também que o valor diário será (apenas) o resultante da divisão por 30 da retribuição base mensal e diuturnidades.
Mas, do mesmo passo que baixa de forma muito acentuada o valor das compensações por despedimentos “objectivos”, o Código do Trabalho trata agora também de os facilitar drasticamente, numa lógica de medidas legislativas que têm por pressuposto ideológico a “banalização” do próprio desemprego e, logo, o abandono por parte do Estado da preocupação e do referencial essencial, constitucionalmente tutelados, da garantia e segurança no emprego (artº 53º da CRP), com o corolário lógico da vinculação do mesmo Estado à adopção de todas a medidas adequadas a, sempre que possível, evitar o desemprego, tido como um mal a evitar e a minorar, e não, como agora se pretende consagrar, como uma qualquer “normalidade”, senão mesmo uma verdadeira banalidade social.

Esta lógica de “fazer baixar a cotação do desemprego”, na feliz e oportuna expressão de Monteiro Fernandes, tornando mais fáceis e mais baratos os despedimentos e atenuando drasticamente os factores de contenção e de compensação pela situação de desemprego – para mais com a manutenção incólume da solução legal (ainda que, a nosso ver, gritantemente inconstitucional) de que só o trabalhador que devolva “em simultâneo” ao empregador a compensação de antiguidade é que estaria em condições de impugnar o despedimento, já que o recebimento daquela continua a ser entendido como aceitação do mesmo pelo legislador (artº 366º, nºs 4 e 5 do Código do Trabalho), ou seja, como representando a aceitação pelo trabalhador do mesmo despedimento e, logo, a impossibilidade da sua impugnação – afigura-se assim, e antes de tudo por representar uma facilitação, desde logo pelo seu drástico embaratecimento, abaixo do patamar mínimo do constitucionalmente tolerável, estar em completa e incontornável contradição com o referencial constitucional atrás citado e, logo, ser violadora dos já supra referenciados artºs 53º e 59º, nº 1, al. a) da Constituição.
Por fim, a já referida facilitação drástica dos despedimentos é operada de forma tão cirúrgica quanto igualmente violentadora da Lei Fundamental.
Na verdade, a admissibilidade constitucional dos despedimentos com as chamadas “justas causas objectivas” (não disciplinares) sempre assentou no pressuposto de que, sendo tais despedimentos uma última ”ratio”, para eles serem admissíveis tinha que ser demonstrado não haver, para o empregador, qualquer outra alternativa que permitisse a manutenção da relação contratual de trabalho. Dito de outra forma, para poder despedir validamente com base numa determinada situação que alegadamente justificaria a extinção dos vínculos de trabalho, o empregador tinha sempre que demonstrar a impossibilidade prática da subsistência daqueles, ou seja, tinha que se assegurar (e posteriormente fazer a respectiva demonstração) de que na Empresa não existia para o(s) trabalhador(es) atingidos uma ocupação alternativa e compatível com as suas qualificações.
Ora, com estas alterações ao Código decorrentes da Lei nº 23/2012, há desde logo uma sumária eliminação do chamado “ónus de ocupação substitutiva”, tal como o impunha o artº 368º, nº 4 do Código do Trabalho, para passar agora a referir, no referente ao despedimento por extinção do posto de trabalho, que “cabe ao empregador definir, por critérios relevantes e não discriminatórios face aos objectivos subjacentes à extinção do posto de trabalho, sendo que “cabe ao empregador definir, por referência aos respectivos titulares, critérios relevantes e não discriminatórios subjacentes à extinção do posto de trabalho”, o que constitui um conceito de tal modo fluído e indeterminado que, com justeza, se pode considerar incompatível com o “quantum” mínimo de objectividade e de certeza que a Lei Fundamental exige para a admissibilidade do despedimento individual por causas não disciplinares, ou ditas “objectivas”, sendo, por outro lado, que a comprovação da prática impossibilidade da subsistência da relação de trabalho passa a resumir-se à demonstração pelo empregador de ter observado os ditos “critérios relevantes e não discriminatórios”.
Por outro lado, e agora no que respeita ao chamado despedimento por inadaptação também se verifica, com a revogação da actual al. d) do nº 1 do artº 375º do Código do Trabalho, a mesma eliminação sumária do ónus de ocupação efectiva, ficando assim o empregador com as mãos livres para despedir invocando uma situação de inadaptação do trabalhador mesmo quando existe na empresa um outro posto de trabalho disponível e compatível com a sua qualificação profissional!
Significa tudo isto que, para o Código do Trabalho, o despedimento deixa de ser uma última “ratio”, apenas utilizável pelo empregador naquelas situações em que não existe para aquele qualquer outra alternativa que não seja a de promover a extinção do vínculo e que o conceito de justa causa objectiva é, por esta via, subrepticiamente alterado. Assim, em vez de, como até aqui, tal conceito se identificar necessariamente com situações em que, por ausência de um outro posto de trabalho onde, em alternativa, o trabalhador possa ser colocado, é praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, agora pretende-se justificar o despedimento mesmo nos casos em que, porque existindo e estando disponível a dita “ocupação substitutiva”, a referida subsistência do contrato de trabalho até era perfeita e praticamente possível.
Sendo assim manifesta a contradição desta solução legal com o conceito constitucional de justa causa, uma vez mais se revela evidente a inconstitucionalidade material de tais normas, pois que, como sempre têm entendido a melhor doutrina e Jurisprudência, o legislador ordinário está condicionado pelos referidos conceito constitucional de justa causa e respectivas consequências em termos de conteúdo das soluções legais, não sendo por isso tal legislador ordinário livre de estabelecer o que bem entender por impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho.
Mas há mais ainda no que respeita ao regime dos despedimentos por inadaptação do trabalhador, alargando-se agora o respectivo conceito – até aqui apenas aplicável às situações em que tivessem ocorrido modificações do posto de trabalho – também para os casos em que situações, por exemplo, de redução continuada de produtividade ou de qualidade ocorram sem modificação do posto de trabalho, mas apenas com modificação do desempenho do trabalhador. Ou seja, consagra-se, enfim e ainda que de forma também relativamente camuflada, a tão desejada pelos patrões causa de cessação do contrato de trabalho por ineptidão do trabalhador, uma vez que se passa a permitir o despedimento em todos os casos em que se, alegadamente, se verifique uma redução as aptidões ou do grau de atenção ou de diligência do trabalhador mas de que este não tem culpa em termos que sejam disciplinarmente relevantes.
Dito de outra forma ainda, o que está aqui em causa é, em boa verdade, criar uma (nova) forma de cessação do contrato que está como que a meio caminho entre o despedimento por causas objectivas e o despedimento por causas subjectivas ou disciplinares, funcionando como uma espécie de sucedâneo destes últimos – o trabalhador não rende tanto como o patrão quer, se tal sucede porque aquele é “preguiçoso”, então há lugar ao despedimento com justa causa, se é simplesmente porque está mais velho e/ou cansado ou desmotivado, então aplica-se-lhe o despedimento por inadaptação. Mas em qualquer caso é sempre despedido!... E de forma singularmente barata como atrás se viu.
É, aliás, exactamente por aquela razão que todo o procedimento, regulado agora nos artºs 375º a 379º do Código, constitui, também ele, um sucedâneo do procedimento do despedimento disciplinar.

E assim temos que o empregador toma conhecimento da situação (por exemplo, a já referida “redução continuada da produtividade”), informa o trabalhador da apreciação que fez (e o trabalhador pode sobre ela pronunciar-se), de seguida dá-lhe ordens ou instruções para corrigir a execução do trabalho, e depois, se entender que não houve correcção do comportamento, há lugar à comunicação da intenção de proceder ao despedimento, o trabalhador tem então o prazo de 10 dias úteis para juntar documentos e solicitar as diligências que entender adequadas, e no fim há uma comunicação fundamentada e por escrito da decisão final considerando verificados os requisitos do artº 375º, dos quais desapareceu, como se salientou já, o ónus da inexistência da ocupação substitutiva.
Mas, face a todo este numeroso conjunto de desconformidades de normas desta Lei nº 23/2012 com a Constituição da República Portuguesa, é de supor e de prever que elas sejam rápida e eficazmente jogadas no “caixote do lixo” do vício das inconstitucionalidades?
Não! E não porque as inconstitucionalidades não existam, mas sim porque a verificação efectiva, em particular na vertente da fiscalização sucessiva e, mais ainda, da fiscalização sucessiva concreta da constitucionalidade (a única que está ao alcance dos cidadãos comuns) se encontra hoje praticamente inviabilizada e inutilizada por um Tribunal Constitucional mais interessado em aumentar as suas próprias receitas (já que este Tribunal é o único do País em que as custas e as multas que aplica aos cidadãos recorrentes cujos recursos julgue improcedentes constituem a sua própria receita corrente, aliás já antecipadamente prevista no orçamento elaborado no ano anterior!?) e em facilitar a vida aos Governos e viabilizar as escolhas e decisões políticas destes, por mais afrontosamente violadoras da Constituição que elas se mostrem, sempre sob a invocação do “interesse público” (de que a limitação para o futuro, abrangendo o subsídio de Natal de 2012 e dando assim cobertura ao seu desconto apesar da declaração da sua patente inconstitucionalidade, dos efeitos dessa mesma declaração de inconstitucionalidade, constante do Acórdão nº 353/2012 acabado de proferir pelo mesmo Tribunal Constitucional sobre a problemática do corte dos subsídios de férias e de Natal dos trabalhadores do sector público, constitui um tão lastimável quanto significativo exemplo).
Ou seja, doravante a resistência à aplicação destas medidas decerto que não se pode nem decerto se irá reduzir à dimensão da mera apreciação jurídico-formal destas novas e violentamente anti-trabalhadores soluções legais…

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