No passado dia 10 de
Julho do corrente, e promovido pelo Eurodeputado pelo partido MPT – Partido da Terra, José Inácio
Faria, decorreu nas instalações do Centro
de Estudos Jean Monet, em Lisboa, um debate sobre o Projecto Life
+ Berlengas, que está a ser levado a cabo pela SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves que, apesar de
convidada para estar presente e participar no dito e esclarecer os interessados
da sua posição sobre a matéria, marcou pela sua ausência.
Os protagonistas deste
debate eram o rato preto, o coelho e o chorão. É que o supracitado projecto da SPEA visa o extermínio dos dois primeiros
e a remoção completa do terceiro.
A sala do 6º andar do
referido Centro estava quase lotada, sobretudo por biólogos e outros cientistas
ligados a matérias relativas à conservação da natureza e, ainda, uma médica
veterinária.
A presidir à mesa,
para além do já mencionado Eurodeputado, estava o Prof. Raúl Jorge Santos que, como biólogo, tem uma experiência de
mais de 20 anos na Berlenga.
José Inácio Faria
abriu o debate fazendo menção à participação de um representante do PCTP/MRPP e ao interesse manifestado pelo PAN
– que, no entanto, não se fez representar – pela temática. Referiu, ainda, que o seu
gabinete no Parlamento europeu tem dado particular atenção às questões do
ambiente e que tudo fará para que este projecto não seja executado.
Afirmou não
compreender os fundamentos que levaram o Parlamento Europeu a libertar um financiamento de 1,4 milhões de euros para o extermínio
do rato preto e do coelho e remoção do chorão na Berlenga, tendo questionado,
quer aquela entidade, quer a Comissão
ENVI (que se dedica às questões do
Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança), sobre uma decisão que, segundo ele, põe em causa o equilíbrio de todo
o ecossistema da Berlenga.
Todos os
intervenientes que se seguiram, membros da comunidade científica portuguesa
ligada a estas temáticas do ambiente, aportaram testemunhos que, todos eles,
denunciavam a insustentabilidade dos argumentos que estão na base do projecto
que o Parlamento Europeu, sem que tenha ouvido as suas opiniões ou solicitado
os seus pareceres, insiste em implementar.
A bióloga Paula Dias,
que neste momento se encontra a trabalhar em Inglaterra, enviou uma mensagem
para ser lida durante esta sessão, e na qual referia a sua experiência em
várias intervenções levadas a cabo em vários países e regiões do mundo –
incluindo a China -, que a levam a crer que o estudo que deu lugar à decisão do
governo utilizar os fundos libertados
pelo Parlamento Europeu para este projecto não tem qualquer sustentabilidade
científica, constituindo, bem pelo contrário, um acto criminoso.
Tal opinião foi
corroborada pelo Prof. Luís Vicente, um reconhecido cientista na área da
biologia, que tem uma experiência de mais de 40 anos de Berlenga, muitos dos
quais como Director da Reserva. Um cientista que foi designado pelas Nações
Unidas para integrar um projecto que faz uma avaliação, de 6 em 6 anos, dos
ecossistemas.
Referindo que os
ecossistemas insulares são muito mais simples que os continentais mas, também,
muito mais frágeis – e, simultâneamente, mais dinâmicos -, devendo ser tratados
com “pinças e luvas brancas”, este cientista verberou qualquer pretensão de se
“brincar aos deuses”, chegando a afirmar que, a fazê-lo, pelo menos que se faça
com uma grande base científica (“nós somos profissionais da dúvida, não da
certeza”, disse).
Luís Vicente defende
que o rato preto não pode ser considerado uma praga para a Berlenga, nem o
coelho. Referiu, inclusive, que quando a população de coelhos cresce um pouco
mais na Berlenga, a mixomatose regula
esse crescimento. Foi interessante saber que a Berlenga não pode ser
considerada ilha ou arquipélago, pois “são um bocadinho do Canadá que ficou
para trás” durante o período de “deriva” dos continentes. No seu entender, a
Berlenga nem sequer faz parte da plataforma continental europeia. Quanto à
introdução do rato preto na Berlenga, ela pode ter ocorrido quando aquele
território ainda estava ligado à plataforma continental, ou aquando da colonização fenícia ou romana.
Este biólogo,
reconhecido internacionalmente, que fez uma das intervenções de fundo mais
completas durante este debate referiu, ainda, a indignação e o choque do Prof.
Jacques Blondel – de grande relevância científica, reconhecida a nível
internacional e europeu – com esta perspectiva de extermínio.
Luís Vicente
considerou que as espécies animais, mesmo que não tenham valor ecológico, têm
um valor patrimonial (genético) – tal como o Mosteiro dos Jerónimos ou uma
ópera de Verdi – e referiu que nas ilhas, as relações de parentesco entre
espécies (consanguinidade) é muito grande, sendo de esperar, por esse facto, um
aumento dos comportamentos altruístas e de solidariedade, havendo na Berlenga,
relativamente à população do rato preto, evidências desse comportamento e de
uma sensibilidade – mormente da dor
própria e da dor de terceiros - e memória que tornam a ideia do seu extermínio
ainda mais criminosa e cruel.
Outros oradores,
biólogos e não só, referiram que não foram estudados os impactos ambientais que
o método de extermínio químico escolhido pode acarretar para o ecossistema da
Berlenga (incluindo os fundos do mar, a fauna e a flora marítima).
O Prof. Raúl Jorge
Santos- no que foi secundado pelo eurodeputado do MPT- comprometeu-se a
divulgar toda a documentação respeitante a esta temática que venha a ser
produzida e sugeriu a consulta da página do Facebook “O Rato Preto da Berlenga
é Inocente” - https://www.facebook.com/pages/O-rato-preto-da-Berlenga-%C3%A9-inocente/656060084494732?fref=ts.
Tentando dar resposta
à questão colocada pelo eurodeputado José Inácio Faria – “Qual é o verdadeiro propósito da
erradicação?” -, o Dr. António Teixeira, que trabalhou durante 35 anos
no Instituto
da Conservação da Natureza, tendo sido designado por este, durante
vários anos, para o representar na Berlenga, fez uma vibrante denúncia quanto
ao papel que uma conhecida multinacional a operar neste sector – a Bird Life International (cuja site
é http://www.birdlife.org/) – pode estar
a ter, como teve em algumas ilhas da Antárctida, no extermínio de predadores das populações de aves
marinhas que nessas ilhas nidificam. Argumento que não faz sentido quando a
realidade da Berlenga é a de que a população de cagarras aumentou nos
últimos 10 anos.
Conhecido o montante
de 1,4 milhões de euros que o Parlamento Europeu destinou a este projecto, e
que este tipo de decisões assenta num Caderno de Encargos onde são reveladas as
entidades, cientistas ou outras personalidades para as quais se destinam as
diferentes verbas parcelares, questionado sobre se tal multinacional fazia
parte do mesmo, José Inácio Faria limitou-se a proferir um lacónico “ainda não
recebi os detalhes do projecto, apesar de já o ter solicitado”.
O que não se compagina
com a informação que logo no início do debate prestou, de que já teria dado
entrada, por iniciativa do seu gabinete e no tribunal competente uma
Providência Cautelar para impedir a execução do projecto de extermínio do rato
preto e do coelho, bem como da remoção do chorão, na Berlenga.
Outra conhecida
bióloga – a Drª Cristina Piçarra, afirmou ter lido o documento da SPEA e ter-se deparado com “tanta
asneira científica”, entre elas o risco
de o rato preto “hibridar” com outras espécies. O disparate tem uma tal
dimensão que riu-se e disse gostar de saber quais as espécies com as quais a SPEA considera haver esse risco de hibridação.
A médica veterinária
Drª Raquel Leitão, para além de ter recordado o desastroso e criminoso processo
– ocorrido há uns anos na Berlenga – de envenenamento das gaivotas, aludiu ao
facto de parecer que o dinheiro, uma vez mais, anda à frente da investigação,
questionando-se de como é possível que os interesses de uma multinacional se
possam sobrepor à intervenção e tutela de institutos e organismos nacionais.
A reter, ainda algumas
das considerações feitas pelo Dr. António Teixeira durante a sua intervenção. A
população do rato preto da Berlenga está isolada, isto é, “do ponto de vista
jurídico”, está “condenada a prisão perpétua”! Dentro desta “onda” de
financiamento disponível, o que leva a que se passe desta sentença de “prisão
perpétua” para uma “sentença de morte”, quando não existem evidências
científicas sólidas de que o rato preto é predador das populações de aves
marinhas?
Se é certo que a
dimensão científica do debate foi muito interessante e esclarecedora, já a
dimensão política foi muito fraca. Desde logo, por assentar em “meias
verdades”, hesitações e incongruências quanto à estratégia política a adoptar e
quanto aos alvos a atacar.
A comunidade científica deve unir-se e não deixar que um tema desta importância se deixe enredar nas habituais hesitações, manipulações e determinismos governamentais. Tem de compreender que a sua luta não é apenas em defesa da natureza e da ecologia. Faz parte integrante da luta democrática e patriótica contra a perda da nossa soberania a favor de directórios internacionais que desejam salvaguardar tudo menos os interesses do nosso povo e do nosso património, natural e não só.
Na minha opinião de penicheiro ignorante nesta matéria, o maior problema na Berlenga Grande são as gaivotas, não são nem o rato preto e muito menos os coelhos.
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