sábado, 29 de agosto de 2015

Erradicação do Rato Preto e do Coelho e remoção do chorão na Berlenga

A pretexto de uma exigência científica esconde-se negócio multinacional!


No passado dia 10 de Julho do corrente, e promovido pelo Eurodeputado pelo partido MPT – Partido da Terra, José Inácio Faria, decorreu nas instalações do Centro de Estudos Jean Monet, em Lisboa, um debate sobre o Projecto Life + Berlengas, que está a ser levado a cabo pela SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves que, apesar de convidada para estar presente e participar no dito e esclarecer os interessados da sua posição sobre a matéria, marcou pela sua ausência.

Os protagonistas deste debate eram o rato preto, o coelho e o chorão. É que o supracitado projecto da SPEA visa o extermínio dos dois primeiros e a remoção completa do terceiro.

A sala do 6º andar do referido Centro estava quase lotada, sobretudo por biólogos e outros cientistas ligados a matérias relativas à conservação da natureza e, ainda, uma médica veterinária.

A presidir à mesa, para além do já mencionado Eurodeputado, estava o Prof. Raúl Jorge Santos que, como biólogo, tem uma experiência de mais de 20 anos na Berlenga.

José Inácio Faria abriu o debate fazendo menção à participação de um representante do PCTP/MRPP e ao interesse manifestado pelo PAN – que, no entanto, não se fez representar – pela temática. Referiu, ainda, que o seu gabinete no Parlamento europeu tem dado particular atenção às questões do ambiente e que tudo fará para que este projecto não seja executado.

Afirmou não compreender os fundamentos que levaram o Parlamento Europeu a libertar um financiamento de 1,4 milhões de euros para o extermínio do rato preto e do coelho e remoção do chorão na Berlenga, tendo questionado, quer aquela entidade, quer a Comissão ENVI (que se dedica às questões do Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança), sobre uma decisão que, segundo ele, põe em causa o equilíbrio de todo o ecossistema da Berlenga.

Todos os intervenientes que se seguiram, membros da comunidade científica portuguesa ligada a estas temáticas do ambiente, aportaram testemunhos que, todos eles, denunciavam a insustentabilidade dos argumentos que estão na base do projecto que o Parlamento Europeu, sem que tenha ouvido as suas opiniões ou solicitado os seus pareceres, insiste em implementar.

A bióloga Paula Dias, que neste momento se encontra a trabalhar em Inglaterra, enviou uma mensagem para ser lida durante esta sessão, e na qual referia a sua experiência em várias intervenções levadas a cabo em vários países e regiões do mundo – incluindo a China -, que a levam a crer que o estudo que deu lugar à decisão do governo utilizar os fundos libertados pelo Parlamento Europeu para este projecto não tem qualquer sustentabilidade científica, constituindo, bem pelo contrário, um acto criminoso.

Tal opinião foi corroborada pelo Prof. Luís Vicente, um reconhecido cientista na área da biologia, que tem uma experiência de mais de 40 anos de Berlenga, muitos dos quais como Director da Reserva. Um cientista que foi designado pelas Nações Unidas para integrar um projecto que faz uma avaliação, de 6 em 6 anos, dos ecossistemas.

Referindo que os ecossistemas insulares são muito mais simples que os continentais mas, também, muito mais frágeis – e, simultâneamente, mais dinâmicos -, devendo ser tratados com “pinças e luvas brancas”, este cientista verberou qualquer pretensão de se “brincar aos deuses”, chegando a afirmar que, a fazê-lo, pelo menos que se faça com uma grande base científica (“nós somos profissionais da dúvida, não da certeza”, disse).

Luís Vicente defende que o rato preto não pode ser considerado uma praga para a Berlenga, nem o coelho. Referiu, inclusive, que quando a população de coelhos cresce um pouco mais na Berlenga, a mixomatose regula esse crescimento. Foi interessante saber que a Berlenga não pode ser considerada ilha ou arquipélago, pois “são um bocadinho do Canadá que ficou para trás” durante o período de “deriva” dos continentes. No seu entender, a Berlenga nem sequer faz parte da plataforma continental europeia. Quanto à introdução do rato preto na Berlenga, ela pode ter ocorrido quando aquele território ainda estava ligado à plataforma continental, ou aquando da colonização fenícia ou romana.

Este biólogo, reconhecido internacionalmente, que fez uma das intervenções de fundo mais completas durante este debate referiu, ainda, a indignação e o choque do Prof. Jacques Blondel – de grande relevância científica, reconhecida a nível internacional e europeu – com esta perspectiva de extermínio.

Luís Vicente considerou que as espécies animais, mesmo que não tenham valor ecológico, têm um valor patrimonial (genético) – tal como o Mosteiro dos Jerónimos ou uma ópera de Verdi – e referiu que nas ilhas, as relações de parentesco entre espécies (consanguinidade) é muito grande, sendo de esperar, por esse facto, um aumento dos comportamentos altruístas e de solidariedade, havendo na Berlenga, relativamente à população do rato preto, evidências desse comportamento e de uma sensibilidade – mormente da dor própria e da dor de terceiros - e memória que tornam a ideia do seu extermínio ainda mais criminosa e cruel.

Outros oradores, biólogos e não só, referiram que não foram estudados os impactos ambientais que o método de extermínio químico escolhido pode acarretar para o ecossistema da Berlenga (incluindo os fundos do mar, a fauna e a flora marítima).

O Prof. Raúl Jorge Santos- no que foi secundado pelo eurodeputado do MPT- comprometeu-se a divulgar toda a documentação respeitante a esta temática que venha a ser produzida e sugeriu a consulta da página do Facebook “O Rato Preto da Berlenga é Inocente” - https://www.facebook.com/pages/O-rato-preto-da-Berlenga-%C3%A9-inocente/656060084494732?fref=ts.

Tentando dar resposta à questão colocada pelo eurodeputado José Inácio Faria – “Qual é o verdadeiro propósito da erradicação?” -, o Dr. António Teixeira, que trabalhou durante 35 anos no Instituto da Conservação da Natureza, tendo sido designado por este, durante vários anos, para o representar na Berlenga, fez uma vibrante denúncia quanto ao papel que uma conhecida multinacional a operar neste sector – a Bird Life International (cuja site é  http://www.birdlife.org/) – pode estar a ter, como teve em algumas ilhas da Antárctida, no extermínio de predadores das populações de aves marinhas que nessas ilhas nidificam. Argumento que não faz sentido quando a realidade da Berlenga é a de que a população de cagarras aumentou nos últimos 10 anos.

Conhecido o montante de 1,4 milhões de euros que o Parlamento Europeu destinou a este projecto, e que este tipo de decisões assenta num Caderno de Encargos onde são reveladas as entidades, cientistas ou outras personalidades para as quais se destinam as diferentes verbas parcelares, questionado sobre se tal multinacional fazia parte do mesmo, José Inácio Faria limitou-se a proferir um lacónico “ainda não recebi os detalhes do projecto, apesar de já o ter solicitado”.

O que não se compagina com a informação que logo no início do debate prestou, de que já teria dado entrada, por iniciativa do seu gabinete e no tribunal competente uma Providência Cautelar para impedir a execução do projecto de extermínio do rato preto e do coelho, bem como da remoção do chorão, na Berlenga.

Outra conhecida bióloga – a Drª Cristina Piçarra, afirmou ter lido o documento da SPEA e ter-se deparado com “tanta asneira científica”,  entre elas o risco de o rato preto “hibridar” com outras espécies. O disparate tem uma tal dimensão que riu-se e disse gostar de saber quais as espécies com as quais a SPEA considera haver esse risco de hibridação.

A médica veterinária Drª Raquel Leitão, para além de ter recordado o desastroso e criminoso processo – ocorrido há uns anos na Berlenga – de envenenamento das gaivotas, aludiu ao facto de parecer que o dinheiro, uma vez mais, anda à frente da investigação, questionando-se de como é possível que os interesses de uma multinacional se possam sobrepor à intervenção e tutela de institutos e organismos nacionais.

A reter, ainda algumas das considerações feitas pelo Dr. António Teixeira durante a sua intervenção. A população do rato preto da Berlenga está isolada, isto é, “do ponto de vista jurídico”, está “condenada a prisão perpétua”! Dentro desta “onda” de financiamento disponível, o que leva a que se passe desta sentença de “prisão perpétua” para uma “sentença de morte”, quando não existem evidências científicas sólidas de que o rato preto é predador das populações de aves marinhas?

Se é certo que a dimensão científica do debate foi muito interessante e esclarecedora, já a dimensão política foi muito fraca. Desde logo, por assentar em “meias verdades”, hesitações e incongruências quanto à estratégia política a adoptar e quanto aos alvos a atacar.

A comunidade científica deve unir-se e não deixar que um tema desta importância se deixe enredar nas habituais hesitações, manipulações e determinismos governamentais. Tem de compreender que a sua luta não é apenas em defesa da natureza e da ecologia. Faz parte integrante da luta democrática e patriótica contra a perda da nossa soberania a favor de directórios internacionais que desejam salvaguardar tudo menos os interesses do nosso povo e do nosso património, natural e não só.

1 comentário:

  1. Na minha opinião de penicheiro ignorante nesta matéria, o maior problema na Berlenga Grande são as gaivotas, não são nem o rato preto e muito menos os coelhos.

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