Outubro 20, 2024 Robert Bibeau
Por Ramzy Baround.
O ano passado, marcado pelo implacável
genocídio israelita contra os palestinianos de Gaza e por ataques sangrentos e
violência na Cisjordânia, foi visto em grande medida em termos das terríveis
consequências humanitárias: o massacre sem precedentes de dezenas de milhares
de crianças, mulheres e homens, a aniquilação de Gaza, as demolições e
destruição na Cisjordânia ocupada.
Embora a emergência humanitária deva, de facto, ser uma prioridade, outros
factores também merecem ser tidos em consideração à medida que o genocídio
sangrento entra no seu segundo ano. Mesmo que o massacre ainda não tenha
terminado, já é possível tirar várias conclusões sobre as suas consequências a
longo prazo.
Em primeiro lugar, os
palestinianos, apesar da ocupação militar, do cerco e dos muitos fracassos dos seus líderes,
continuam a ser actores políticos poderosos.
O seu poder não deriva das realizações superficiais dos seus líderes
autocráticos ou do reconhecimento ainda simbólico do Estado da Palestina, mas
da resiliência e força de todos os palestinianos em Gaza e de toda a Palestina
ocupada.
A guerra genocida em
Gaza teria tido consequências diferentes se a sociedade palestiniana tivesse
entrado em colapso face à máquina de guerra israelita, fragmentada em facções
em combate, ou afundada no desespero sob o fardo insuportável da guerra, da
destruição sem precedentes e da fome. Este facto, por si
só, é tranquilizador.
Além disso, as
sociedades árabes, mesmo preocupadas com as suas próprias lutas e desafios
sociais e políticos, permanecem unidas na
sua percepção da causa palestiniana, que todos consideram ser a principal
prioridade árabe.
Muitos governos árabes fizeram questão de reafirmar publicamente que a
causa palestiniana está no centro das suas preocupações.
Embora as circunstâncias possam, por enquanto, impedir algumas sociedades
árabes de transformar o seu apego à Palestina em apoio concreto, o futuro
mostrará que o facto de a centralidade da causa palestiniana ter sido
reafirmada nos discursos dos líderes políticos árabes e dos representantes da
sociedade civil terá peso e consequências.
A mesma lógica se aplica à Ummah muçulmana, que durante décadas nunca
esteve tão unida em torno de uma causa como hoje em torno da Palestina. Isto é
sentido em todos os países muçulmanos e entre as comunidades muçulmanas em todo
o mundo, especialmente no Ocidente.
O futuro dir-nos-á mais sobre o significado do regresso da Palestina ao
seio dos árabes e muçulmanos. No entanto, já se pode concluir que a resiliência
do povo palestiniano voltou, mais uma vez, a centrar a atenção de todos os
árabes e muçulmanos na Palestina e no lugar da causa palestiniana nos seus
corações.
Enquanto alguns
Estados árabes tentam desesperadamente manter-se afastados do conflito regional
centrado em Gaza, os actores não estatais no Iémen, no Líbano, no Iraque e
noutros locais estão a desafiar as
regras tradicionais da política do Médio Oriente.
As massas árabes já não imploram aos exércitos árabes que salvem os
palestinianos, como aconteceu em guerras, conflitos e massacres anteriores.
Ansarallah – os
houthis – no Iémen e o Hezbollah no Líbano parecem ter cumprido
os papéis que, em
teoria, deveriam ter sido desempenhados pelos exércitos tradicionais.
Ninguém espera que o façam mais, nem sequer quer.
Estes Estados árabes tornaram-se meros espectadores, à medida que poderosos
grupos armados vieram preencher as lacunas e mostrar a sua solidariedade para
com os palestinianos em palavras e actos.
Historicamente, isso não tem precedentes. Esta situação irá provavelmente
levar a melhor sobre o que resta de legitimidade para estes regimes árabes,
especialmente os que se situam nas imediações da Palestina.
Podemos também constatar
que, embora o direito internacional continue a ser tão ineficaz como sempre, a
guerra sangrenta na Palestina está a criar divisões entre o Sul e o Norte.
Este último, com
algumas excepções, persiste em repetir velhos refrões sobre
o "direito de Israel a defender-se", ignorando todos os direitos dos
palestinianos.
No entanto, muitos
países de África, do Médio Oriente, da América do Sul e de outros países
reclamam cada vez mais justiça para os palestinianos e que o direito
internacional seja aplicado igualmente para todos.
A revolta política dos
países do Sul já deu origem a decisões lentas, mas cruciais, do Tribunal Internacional de Justiça,
do Tribunal Penal Internacional e,
mais recentemente, da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Em 17 de Setembro, a
Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou uma resolução estabelecendo um prazo
para o fim da ocupação da Palestina por Israel.
A Resolução A/ES-10/L.31/Rev.1
e o seu prazo de "o mais tardar 12 meses" declararam essencialmente
nulo e sem efeito tudo o que Israel fez ilegalmente nos territórios
palestinianos ocupados, incluindo os colonatos e a anexação de terras
palestinianas.
Além disso, toda uma geração de
pessoas em todo o mundo ficou indignada com os horrores perpetrados em Gaza.
As imagens sangrentas,
os gritos desesperados de crianças que perderam os pais, a incrível destruição e
o fracasso do sistema internacional em parar todos estes crimes, permanecerão
gravados na memória colectiva da humanidade durante muitos anos.
A solidariedade com a Palestina, até então confinada ao Médio Oriente,
estende-se a novos e cada vez mais vastos espaços geográficos e culturais. No
Ocidente, a Palestina deixará em breve de ser apenas um debate político ou um
assunto académico.
A nova consciência internacional que se desenvolveu em torno da luta
palestiniana pode já ter atingido a massa crítica necessária para realizar,
lenta mas seguramente, a tão desejada mudança de paradigma: justiça para o povo
palestiniano.
Finalmente, um ano de guerra ensinou-nos que, embora um poder de fogo
superior possa determinar resultados políticos a curto prazo, nenhuma arma ou
munição pode quebrar a vontade de uma nação que jurou restaurar a sua dignidade
e conquistar a sua liberdade, custe o que custar.
O Dr. Ramzy Baroud é um jornalista
palestiniano que reside nos Estados Unidos. É editor da Palestine Chronicle, autor
de seis livros sobre o conflito israelo-palestiniano. Nasceu e cresceu no
campo de refugiados de Nuseirat, na Faixa de Gaza, onde, desde os 6 anos de
idade, frequentou a escola primária da UNRWA. A escola foi separada do campo de
refugiados por um acampamento militar israelita, cujos soldados frequentemente
algemavam e detinham estudantes por exibirem imagens da bandeira palestina.
Leia também o texto em que Ramzy Baroud
acaba de
anunciar o assassinato da sua irmã Soma Baroud em Gaza: Drª. Soma Baroud
foi assassinada por Israel
Fonte: Middle East Monitor, 8 de outubro de 2024 /Tradução:
Dominique Muselet
Fonte: Ce que le génocide israélien contre Gaza nous a appris sur la Palestine – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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