Este foi o traço mais marcante da forma como a última de
seis irmãos, a última matriarca desta família viveu e decidiu partir.
Não se rendeu às circunstâncias sociais do seu tempo que
faziam da mulher objecto e não activo na construção e transformação da sociedade.
Nunca foi a típica mulher pertença de um homem. Foi sempre a companheira de
vida de alguém com quem programou e construiu um modelo de vida.
Apesar de no último quarto de vida agruras várias lhe terem
amargurado o trato, nunca deixou de ser frontal, leal, culta, mundana,
sofisticada, viajada e, sobretudo, uma mulher adepta da modernidade.
Estou convencido de que, tal como o fez com a sua vida, isto
é, decidindo sempre o seu destino, também agora, face ao vislumbre da perda de
autonomia, de independência, de dignidade e de privacidade, valores que tanto
estimava e nutria, decidiu partir.
Para todos os membros da família, mas sobretudo para as
mulheres, espero que o seu exemplo faça caminho. A avaliar pelo testemunho de
um dos mais novos elementos da descendência da última das matriarcas da nossa
geração – a minha sobrinha e sua neta
Marcia – o testemunho está bem empregue.
Por isso, e antes de ler um excelente poema de Carlos
Drummond, pedindo perdão à autora pelo abuso da sua divulgação, reproduzo a bela
e singela mensagem que esta escreveu:
Partiu uma das pessoas mais fabulosas e maravilhosas que alguém podia ter conhecido.
Partiu uma das pessoas mais fabulosas e maravilhosas que alguém podia ter conhecido.
Uma mulher forte, determinada e cheia de vida que lutou até ao fim. Para mim um exemplo a seguir pois quero poder viver tudo o que ela viveu , conhecer tudo o que ela conheceu, e um dia mais tarde levar comigo todas as aprendizagens que ela levou.
As suas imagens de marca, pelo menos desde que me lembro, era o seu cigarro e o seu batom vermelho, os seus risos rocos e o seu humor sarcástico...... irei recordar tudo isto para sempre e viver a vida como ela o fez. Talvez não me tenha apercebido , mas no decorrer destes poucos mas bons anos esta mulher ensinou-me mais do que alguma vez muitas pessoas me iram ensinar.
Acima de tudo ensinou-me a mim e a outros tantos que a vida é para a frente e sempre de cabeça erguida até ao final.
Esta mulher era, é e sempre será a minha AVÓ
obrigada por tudo e por mais alguma coisa, és linda e enorme estejas onde estiveres .
Para Sempre
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Lição de Coisas' .
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Lição de Coisas' .
Mãe
Mãe
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?
Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.
Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.
Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!
Miguel Torga, in 'Diário IV'
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?
Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.
Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.
Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!
Miguel Torga, in 'Diário IV'
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