sábado, 27 de dezembro de 2014

NÃO ME RENDO!

Este foi o traço mais marcante da forma como a última de seis irmãos, a última matriarca desta família viveu e decidiu partir.

Não se rendeu às circunstâncias sociais do seu tempo que faziam da mulher objecto e não activo na construção e transformação da sociedade. Nunca foi a típica mulher pertença de um homem. Foi sempre a companheira de vida de alguém com quem programou e construiu um modelo de vida.

Apesar de no último quarto de vida agruras várias lhe terem amargurado o trato, nunca deixou de ser frontal, leal, culta, mundana, sofisticada, viajada e, sobretudo, uma mulher adepta da modernidade.


Estou convencido de que, tal como o fez com a sua vida, isto é, decidindo sempre o seu destino, também agora, face ao vislumbre da perda de autonomia, de independência, de dignidade e de privacidade, valores que tanto estimava e nutria, decidiu partir.


Para todos os membros da família, mas sobretudo para as mulheres, espero que o seu exemplo faça caminho. A avaliar pelo testemunho de um dos mais novos elementos da descendência da última das matriarcas da nossa geração  – a minha sobrinha e sua neta Marcia – o testemunho está bem empregue.

Por isso, e antes de ler um excelente poema de Carlos Drummond, pedindo perdão à autora pelo abuso da sua divulgação, reproduzo a bela e singela mensagem que esta escreveu:

Partiu uma das pessoas mais fabulosas e maravilhosas que alguém podia ter conhecido.

Uma mulher forte, determinada e cheia de vida que lutou até ao fim. Para mim um exemplo a seguir pois quero poder viver tudo o que ela viveu , conhecer tudo o que ela conheceu, e um dia mais tarde levar comigo todas as aprendizagens que ela levou. 

As suas imagens de marca, pelo menos desde que me lembro, era o seu cigarro e o seu batom vermelho, os seus risos rocos e o seu humor sarcástico...... irei recordar tudo isto para sempre e viver a vida como ela o fez. Talvez não me tenha apercebido , mas no decorrer destes poucos mas bons anos esta mulher ensinou-me mais do que alguma vez muitas pessoas me iram ensinar. 

Acima de tudo ensinou-me a mim e a outros tantos que a vida é para a frente e sempre de cabeça erguida até ao final. 
Esta mulher era, é e sempre será a minha AVÓ 
obrigada por tudo e por mais alguma coisa, és linda e enorme estejas onde estiveres .

Lidos foram, também, dois poemas sugeridos pelos meus amigos Manela Martins (Carlos Drummond de Andrade) e Rui Mateus (Miguel Torga), o primeiro a reflectir o meu estado de espírito e o segundo a corresponder à personalidade e atitude perante a vida do meu irmão.

Para Sempre

Por que Deus permite

que as mães vão-se embora?

Mãe não tem limite,

é tempo sem hora,

luz que não apaga

quando sopra o vento

e chuva desaba,

veludo escondido

na pele enrugada,

água pura, ar puro,

puro pensamento.

Morrer acontece

com o que é breve e passa

sem deixar vestígio.

Mãe, na sua graça,

é eternidade.

Por que Deus se lembra

— mistério profundo —

de tirá-la um dia?

Fosse eu Rei do Mundo,

baixava uma lei:

Mãe não morre nunca,

mãe ficará sempre

junto de seu filho

e ele, velho embora,

será pequenino

feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Lição de Coisas' .


Mãe

Mãe
Que desgraça na vida aconteceu, 
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!

Miguel Torga, in 'Diário IV'






Esta mulher era a ultima BISAVO que me restava e a unica que conheci
obrigada por tudo e por mais alguma coisa, és linda e enorme estejas onde estiveres .

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