O processo de que resultou a condenação da Maria de Lurdes
Lopes Rodrigues a três anos de prisão efectiva, que cumpre actualmente no
Estabelecimento Prisional de Tires, está vertido em nada mais, nada menos, do
que 8 volumes, com milhares de documentos.
A floresta burocrática
que enche estes 8 volumes parece destinar-se a confundir os incautos, escondendo
a árvore no meio de uma densa floresta de ofícios, alegações,
documentos vários, conclusões e depoimentos, que servem para formar a opinião de juízes e magistrados
e dar suporte às conclusões de direito,
assentes na produção de prova, a que
o tribunal deve chegar para determinar que sentença aplicar.
Lidos e analisados os dois primeiros volumes do referido
processo, saltam à vista aquilo que parecem ser contradições monumentais, entre
as quais se destaca a decisão de 04 de Outubro de 2.000, em que o Supremo
Tribunal de Justiça (STJ) envia um ofício ao Vice-Procurador Geral da República
– dando sequência a uma queixa que a Maria de Lurdes fez entrar na PGR contra
os magistrados daquele tribunal superior– onde se afirma, entre outras coisas,
que o tribunal não encontra motivos para considerar que houve qualquer
incidente de falsidade à lista de graduação do concurso para uma bolsa na área
da Cinematografia.
Esta conclusão dos juízes do STA parece dever-se à interpretação que estabeleceram da lista de
125 candidatos a bolsas naquela área, que o Gabinete de Relações (GRI) do
Ministério da Cultura (MC) foi intimado a enviar e onde a candidata aparece em
7º lugar, não porque fosse esse o seu posicionamento na classificação, mas
porque tudo leva a crer tratar-se de um alinhamento aleatório produzido pelo
próprio GRI.
Aliás, na área da Cinematografia, tal como decorre da
leitura do documento enviado pelo GRI do MC enviado ao tribunal, para além de
estar prevista a atribuição de 3 bolsas, elas destinavam-se a vários sectores –
desde o cinema de animação à escrita audiovisual, passando pela museologia
cinematográfica, realização para cinema e tv, bolsa no Reino Unido e produção
para cinema e tv.
Ora, mesmo que fosse seguido o critério do tribunal que, de
forma que pode ser considerada abusiva, interpretou como tendo ficado a Maria
de Lurdes em 7º na classificação, se considerarmos apenas a área de cinema de
animação esta ficou em 2º lugar, atrás de Pedro Sarrazina que, em carta que
consta do processo e que foi enviada, oportunamente, ao GRI do MC, agradecia a
deferência da atribuição da bolsa, mas desistia da mesma, pois já havia aceite
outra – para idêntico fim – que a Gulbenkian lhe havia atribuído.
E é tanto mais intrigante a persistência do STA nesta tese
quanto à classificação que terá sido atribuída à Maria de Lurdes quando, apesar
da insistência – em mais do que uma ocasião - do tribunal, o GRI do MC nunca
lhe remeteu os pareceres do júri do concurso que esclareceriam não só as razões
por que não lhe fora atribuída a bolsa, como a verdadeira classificação que lhe
teria sido conferida! Que se saiba, o tribunal nunca considerou necessária a
aplicação de sanções por esta recusa que, no mínimo, poderá configurar
desrespeito pelo tribunal, eventual dolo e ocultação de elemento de prova.
Foram estes e outros episódios que a seu tempo relataremos
que indignaram a Maria de Lurdes que sentiu estarem a ser-lhe denegados os seus
direitos e prejudicados os seus interesses, quer a nível da formação, quer a
nível da carreira, quer a nível financeiro, por todo um sistema judicial que se
sente muito ofendido com as acusações
que ela faz, mormente quando lhe é negado o direito ao recurso e a
constituir-se como assistente no mesmo, porque não identificou advogado para a
representar e não pagou custas judiciais!
Esta decisão, que mais configura um desvio judicial – senão
mesmo um erro – é tanto mais nebuloso quanto, quer antes, quer depois desta
demanda de recurso por parte da Maria de Lurdes, a Ordem de Advogados nomeou,
nesta fase do processo, uma advogada estagiária, existindo no processo
documentos da Segurança Social a indicar que o apoio judiciário solicitado pela Maria de Lurdes tinha sido
deferido e contemplava, para além do advogado, o pagamento de custas judiciais.
Claro que a Ordem dos Advogados não está isenta de culpas ao
ter nomeado para patrocinar a defesa da Maria de Lurdes uma advogada
inexperiente – apesar da boa vontade e generosidade reveladas pela própria -,
não tendo sequer tido o trabalho de analisar a complexidade que o caso merecia,
o que levaria a OA a, no mínimo, ter o tido o cuidado de indicar um advogado
mais experiente.
Como não está isenta de eventuais responsabilidades a PGR
que, pelo menos aparentemente, parece acolher de forma favorável e sem direito a
contraditório a versão do STA sobre a questão do posicionamento na
classificação da Maria de Lurdes.
Apesar de em 12 de Outubro de 2.000, o juiz detentor do
processo divagar como terá surgido a lista – que ele considera parcial
-apresentada por Maria de Lurdes, e em que esta ocuparia um lugar elegível para
a atribuição da supracitada bolsa, o que é certo é que da lista apresentada
pelo GRI do MC também não se pode inferir que este gabinete do Ministério da
Cultura tenha considerado que essa tenha sido o 7º lugar a classificação que
atribuíra à candidata a bolseira.
O tribunal não dá acolhimento à tese de Maria de Lurdes
porque prefere acolher a sua própria tese. Tese essa que, em nosso entender não
se compagina nem com a realidade nem com o direito. Prefere manter o argumento
de que a Maria de Lurdes assentou a sua interpretação
errónea da Informação nº 372 da Directora de Serviços do GRI do MC, de
04.11.1196.
A mesma Informação que serviu de suporte ao STA para aquilo
que considerou ser a correcta interpretação da lista
constante da supracitada Informação nº 372, quanto ao 7º lugar que teria,
segundo convicção que formou, sido atribuído à Maria de Lurdes por aquele
organismo do MC. Ora, foi com base nesta , quanto a nós errónea e abusiva interpretação, que surgiu o despacho
recorrido de 18.11.1996.
Estas e outras decisões ditaram, a montante, a sorte do
processo, redundando naquilo que foi considerado pela Maria de Lurdes uma
profunda injustiça, um constante abuso do poder, uma recorrente aliança entre
os vários sectores do aparelho de estado. Segundo ela, os seus protestos, a
jusante, decorrem daquilo que considerou
o vício original . E resultaram no
seu mais veemente protesto contra a denegação de justiça de que estava a ser
vítima e à mudança da condição de vítima para a de ofensora.
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