terça-feira, 25 de outubro de 2016

Domesticar para escamotear injustiça!

Quando afirmamos que o sector da justiça foi daqueles onde o processo revolucionário despoletado em 25 de Abril de 1974 não teve qualquer influência, logo algumas vozes se levantam a bradar contra o exagero. O que é certo é que, no essencial, este sector herdou –quase intacto – o aparelho, os vícios e os tiques inquisitórios, arrogantes e deterministas do regime salarista/marcelista então derrubado.

A prová-lo está o modus operandi que vastos sectores da justiça em Portugal  utilizam para obter a domesticação, induzir o medo, impor a ditadura processual, para que o indivídu@ ceda, perca a noção de contexto, se desnorteie e acabe por aceitar sem contestação o veredicto.

O caso da Maria de Lurdes Lopes Rodrigues é paradigmático destes processos de domesticação. No seu caso o poder instituído está a fazê-lo a 4 tempos:

1º tempo – Perante a ousadia da Maria de Lurdes em contestar a manifesta injustiça que o Ministério e o ministro da Cultura – à época, Manuel Maria Carrilho – tinham, de forma prepotente e arrogante, praticado sobre si, ao não lhe atribuírem uma bolsa à qual se tinha candidatado – e cuja classificação se provou dar-lhe direito a ela – o sistema jurídico agiu de uma forma tão displicente, demorada e inócua que salvou um outro pilar do sistema de ter de ressarcir a Maria de Lurdes dos prejuízos que lhe causara pois quando, finalmente, o tribunal lhe veio a dar razão já não era possível materializar esse ressarcimento.

2º  tempo – Inconformada com esta injusta justiça, que a humilhara com uma vitória de Pirro, teve a Maria de Lurdes a ousadia de processar todas aquelas entidades e personalidades que, em seu entender, tinham criado as condições para aquele desfecho, manifestamente contrário aos seus interesses e à entrega de justiça. Para punir esta ousadia vários sectores do aparelho de estado – consciente ou inconscientemente, tal é irrelevante – uniram-se em torno das armadilhas processuais para tramar a Maria de Lurdes condenando-a, precisamente pelo facto de, ao abrigo do Artº 21 da CPR, ter expressado o seu direito à indignação, em termos que, apesar de ofender as prima donas do sistema judicial, mais não são do que o livre exercício do direito de opinião e expressão.

3º tempo – Mas, o maquiavelismo da decisão de a condenar – com pena suspensa primeiro – a três anos de cadeia, não se ficou por aqui. Perante a ousadia da Maria de Lurdes em recusar tratamento e acompanhamento psiquiátrico – cuja necessidade foi refutada pela sua própria médica – decidem, apenas porque o podem, revogar a suspensão da dita e, finalmente, utilizar aquilo que consideram a derradeira fronteira da domesticação humana – a cadeia!

4º tempo – Indignada com uma prisão ilegítima e ilegal, a Maria de Lurdes, com a coragem e resiliência que sempre a caracterizou – e que o sistema persiste em considerar uma ousadia – não se cala! E tem, com a ajuda de uma frente cívica e jurídica que, fora dos muros da prisão onde a colocaram, exige a sua libertação imediata, denunciado toda uma série de atropelos de que está a ser alvo na cadeia. Desde tentativas de atemorização, colocando-a numa cela com assassinas, até demora na resposta a solicitações de assistência médica e de outra natureza, passando por ameaças veladas – reproduzidas, inclusive, a visitas – de que, dada a sua predisposição para contestar a injustiça e a perseguição de que está a ser alvo, não merece o ar que respira!!!


Está preso o corpo da artista, da intelectual, da investigadora. Mas, corre livre o seu espírito! Temo, porém, que o estado de anestesia a que largos sectores do nosso povo, da opinião pública, dos académicos seus pares, venha a - mesmo que não seja essa a intenção -caucionar a arrogância do poder que decidiu aprisionar a Maria de Lurdes. Como temo que essa arrogância e prepotência venha a potenciar uma tragédia sem retorno!

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