Quando afirmamos que o sector da justiça foi daqueles onde o
processo revolucionário despoletado em 25 de Abril de 1974 não teve qualquer
influência, logo algumas vozes se levantam a bradar contra o exagero. O que é certo é que, no essencial,
este sector herdou –quase intacto – o aparelho, os vícios e os tiques
inquisitórios, arrogantes e deterministas do regime salarista/marcelista então
derrubado.
A prová-lo está o modus
operandi que vastos sectores da justiça em Portugal utilizam para obter a domesticação, induzir o medo, impor a ditadura processual, para que
o indivídu@ ceda, perca a noção de contexto, se desnorteie e acabe por aceitar
sem contestação o veredicto.
O caso da Maria de Lurdes Lopes Rodrigues é paradigmático destes
processos de domesticação. No seu caso o poder instituído está a fazê-lo a 4 tempos:
1º tempo –
Perante a ousadia da Maria de Lurdes
em contestar a manifesta injustiça que o Ministério e o ministro da Cultura – à
época, Manuel Maria Carrilho – tinham, de forma prepotente e arrogante,
praticado sobre si, ao não lhe atribuírem uma bolsa à qual se tinha candidatado
– e cuja classificação se provou dar-lhe direito a ela – o sistema jurídico agiu
de uma forma tão displicente, demorada e inócua que salvou um outro pilar do
sistema de ter de ressarcir a Maria de Lurdes dos prejuízos que lhe causara
pois quando, finalmente, o tribunal lhe veio a dar razão já não era possível
materializar esse ressarcimento.
2º tempo – Inconformada com esta injusta justiça, que a humilhara com uma vitória de Pirro, teve a Maria de Lurdes
a ousadia de processar todas aquelas entidades e personalidades que, em seu
entender, tinham criado as condições para aquele desfecho, manifestamente
contrário aos seus interesses e à entrega de justiça. Para punir esta ousadia vários sectores do aparelho de
estado – consciente ou inconscientemente, tal é irrelevante – uniram-se em torno das armadilhas processuais para tramar a
Maria de Lurdes condenando-a, precisamente pelo facto de, ao abrigo do Artº 21
da CPR, ter expressado o seu direito à indignação, em termos que, apesar de ofender as prima donas do sistema judicial, mais não são do que o livre
exercício do direito de opinião e expressão.
3º tempo –
Mas, o maquiavelismo da decisão de a condenar – com pena suspensa primeiro – a três
anos de cadeia, não se ficou por aqui. Perante a ousadia da Maria de Lurdes em recusar tratamento e acompanhamento
psiquiátrico – cuja necessidade foi refutada pela sua própria médica – decidem,
apenas porque o podem, revogar a suspensão da dita e, finalmente, utilizar
aquilo que consideram a derradeira fronteira da domesticação humana – a cadeia!
4º tempo –
Indignada com uma prisão ilegítima e ilegal, a Maria de Lurdes, com a coragem e
resiliência que sempre a caracterizou – e que o sistema persiste em considerar
uma ousadia – não se cala! E tem, com
a ajuda de uma frente cívica e jurídica que, fora dos muros da prisão onde a
colocaram, exige a sua libertação imediata, denunciado toda uma série de
atropelos de que está a ser alvo na cadeia. Desde tentativas de atemorização,
colocando-a numa cela com assassinas, até demora na resposta a solicitações de
assistência médica e de outra natureza, passando por ameaças veladas –
reproduzidas, inclusive, a visitas – de que, dada a sua predisposição para
contestar a injustiça e a perseguição de que está a ser alvo, não merece o ar que respira!!!
Está preso o corpo da artista, da intelectual, da
investigadora. Mas, corre livre o seu espírito! Temo, porém, que o estado de anestesia a que largos sectores do nosso
povo, da opinião pública, dos académicos seus pares, venha a - mesmo que não seja essa a intenção -caucionar a arrogância do
poder que decidiu aprisionar a Maria de Lurdes. Como temo que essa arrogância e
prepotência venha a potenciar uma tragédia sem retorno!
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