domingo, 3 de março de 2019

Neto de Moura – um caso isolado?!





Quando o país é varrido por uma onda de indignação quanto à possibilidade de um juiz ameaçar terceiros – pessoas individuais e colectivas - por criticarem as suas decisões polémicas quanto à violência doméstica, sobretudo a exercida sobre as mulheres, convém pararmos para pensar e distinguir entre quem se mostra apenas indignado daqueles que se indignam, mas tomam a iniciativa de cortar o oxigénio à razão que leva o dito juiz a tomar aquelas posições reaccionárias e fascistas.

É a diferença entre considerar que a atitude deste juiz é apenas conjuntural  - ou, como é agora moda dizer-se, para justificar tudo e mais alguma coisa, um episódio isolado – ou se estamos perante uma questão estrutural. Se fosse meramente conjuntural, isso significaria que bastaria “correr com o juiz”, aplicando-lhe uma sanção disciplinar de tal calibre que levasse à sua aposentação compulsiva, ordenada pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) já que, juízes de Tribunais superiores, como é o caso do Tribunal da Relação do Porto onde Neto de Moura opera, são...inamovíveis (!!!) à luz da nossa Constituição!

O problema, porém, não é conjuntural, mas sim estrutural, pois esta arrogância e pesporrência decorrem de um Código Penal herdado do regime fascista e da época dos Tribunais Plenários, mormente do Capítulo VI do supracitado código que privilegia o direito à honra e ao bom nome ao direito à liberdade de opinião e de expressão. Decorre, ainda, do facto deste juízes não se sujeitarem ao escrutínio popular – ocupando cargos públicos para os quais não se tiveram de sujeitar a uma eleição -, só podendo os seus actos ser julgados pelos ...seus pares!!!

O Capítulo VI do nosso Código Penal contraria todas as convenções, normas e leis que Portugal subscreveu, ao abrigo da União Europeia. Esta entidade,  por mais de uma vez, e através da Comissão Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), admoestou diversos governos portugueses a revogarem os artigos considerados medievais e retrógados do Capítulo VI do Código Penal, articulado que tipifica os crimes de injúria, difamação, denuncia caluniosa, etc, e identifica as sanções a aplicar, e contrários às subvenções que Portugal subscreveu.

Legislação, ademais, ferida de inconstitucionalidade, já que prevê um agravamento das penas se os crimes nelas tipificadas tiverem sido praticados contra funcionários, magistrados, advogados, juízes, etc.,  em 50%!!!  Isto apesar da constituição portuguesa indicar claramente o princípio de que todos os cidadãos são iguais perante a lei!!!

O articulado desta legislação tem visado, como se pode ver, não a defesa da honra e do bom nome, mas a abstinência de crítica e opinião incómoda para os visados. É uma legislação tipicamente fascista, herdada do regime de Salazar e Caetano, uma legislação que privilegia os cobardes e arrogantes que, valendo-se de um estatuto de privilégio que impede o escrutínio e condenação dos seus actos, pretende calar quem se lhes oponha!

Estando Neto de Moura e as suas decisões a causar tanta polémica será caso para questionar TODOS os partidos do chamado arco parlamentar e, sobretudo, aqueles que se afirmam de esquerda – mesmo que formal – porque é que congelaram a exigência formulada em Petição com cerca de 9 mil assinaturas de revogação da supracitada legislação.

Mal se percebe que, tendo uma delegação dos subscritores desta petição sido recebidos na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República há cerca de 2 meses, pelo deputado Dr. Pedro Delgado Alves, do PS, designado Relator para este acto, a discussão em plenário – obrigatória por se tratar de uma petição que recolheu cerca de 9 mil assinaturas, quando a lei apenas exige 4 mil – ainda não esteja, sequer, agendada.

Eis uma boa oportunidade para que palavras indignadas não as leve o vento. Portugal tem de ser um país progressivo, moderno e justo. Para tal, a indignação tem de se transformar em acção. Acção transformadora de um sistema jurídico e judicial que, no essencial, mantém a superstrutura, os procedimentos, as leis e os tiques do regime fascista derrubado a 25 de Abril de 1974. Essa será a pedra de toque que distinguirá aqueles que querem a mudança, daqueles que apenas desejam operações de cosmética – para deixar ficar tudo na mesma!

4 comentários:

  1. Muito bem! esta aqui tudo!Obrigado.Ficamos á espera que quem manda neste país entenda que a voz do povo pode engrossar , basta que se organize algo que nos faça sair a rua, e que estamos fartos deste poder indestrutível e que pode tudo!
    Tudo tem que se adaptar aos novos conceitos e na justiça tudo e diferente!
    Basta! Nem quando ha recomendacoes de orgaos estrangeiros?
    Quem tem medo de se insurgir contra esse poder? Porquê? Chegou a hora.Nao se pode deixar passar o momento...

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  2. Subscrevo por inteiro. Ironicamente, este episódio com o desembargador Neto Moura pode funcionar como o rastilho para criar uma enorme onda de indiganação e revolta que finalmente acorde os portugueses e despolete a mudança que todos os verdadeiros democratas tão arduamente desejam.

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  3. Concordo.Este Homem não pode ser juiz nem nenhum cargo ligado á Justiça

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  4. Há muito tempo que situações destas se vêem arrastando e já era tempo do plenário tomar uma posição. Pessoas como este juíz fazem de Portugal um país retrógrado, fascista, injusto, etc.

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