domingo, 22 de novembro de 2020

A China « comunista »: mitos e realidade – o essencial, de Mao a Xi!


 30 de Outubro de 2020 Robert Bibeau  

Por Vincent Gouysse. Em  http://www.marxisme.fr

A revolução chinesa de 1949

A síntese que se segue não pretende obviamente ser exaustiva, mas apenas fornecer as chaves de compreensão essenciais para a ascensão contemporânea da China. No final dos anos 1920 e 1930, o Kuomintang "nacionalista" de Chiang Kai-Shek reprimiu violentamente as forças comunistas chinesas. Essa guerra civil quase permanente, que durou mais de duas décadas, ficou adormecida pontualmente apenas para combater o colonialismo japonês de maneira unificada. Criado em 1921 sob a influência crescente do leninismo, o PCCh foi verdadeiramente sangrado em meados da década de 1930. Foi neste contexto que a linha que se reclamava do bolchevismo (liderada por Wang Ming) foi colocada em minoria no seio do PCC. O PCCh reorganizou-se então em 1935 em torno da estratégia proposta por Mao Zedong. Sob a sua liderança, o PCCh alcançou um sucesso militar crescente e inegável. Em 1949, após uma prolongada guerra popular retomada em 1946, assim que o ocupante japonês foi expulso do território chinês, o PCCh, materialmente apoiado pela URSS, conseguiu derrubar o exército de Chiang Kai-Shek, apesar do apoio material e financeiro que os Estados Unidos lhe trouxeram. Chiang Kai-Shek, representante da derrotada burguesia compradora chinesa, refugiou-se em Taiwan, que de facto se tornou um protectorado que o imperialismo americano sonhava um dia poder usar como cabeça de ponte para a recolonização da China continental ...

Nas suas discussões com economistas soviéticos sobre o projecto de manual do livro de economia política marxista-leninista, Estaline observou com lucidez em Fevereiro de 1950 que, apesar da liderança política assumida pelo PCCh, a construcção de relações de produção socialistas havia falhado, não só nas cidades chinesas como no campo: as empresas nacionalizadas eram uma “gota no oceano” (ver link - goutte dans l’océan) enquanto a principal massa de bens de consumo quotidianos era produzida “por artesãos”. Como especialista na questão nacional e colonial, Estaline também observou que na China, os comunistas e uma secção particularmente revolucionária da burguesia nacional formaram uma coligação. Esta coligação estava decidida a destruir os vestígios do feudalismo e do domínio da burguesia compradora ligada ao capital estrangeiro. Para Estaline, o significado da revolução chinesa de 1949 era, portanto, bastante comparável ao da "revolução burguesa francesa de 1789", com uma pronunciada ênfase anti-feudal e anticolonial. Da mesma forma, Molotov relatou que os marxistas-leninistas soviéticos viam Mao Zedong como um "Pugachev chinês", isto é, como um líder revolucionário camponês ...

Como o havíamos demonstrado em 2007 em Imperialismo e Anti-Imperialismo (ver link - Impérialisme et anti-impérialisme), o propósito fundamental da ajuda material fornecida pelos marxistas-leninistas soviéticos, estivessem eles comprometidos (como a Albânia) ou não (como a China) no via para o socialismo, era garantir que “esses países em breve não teriam mais que importar bens dos países capitalistas, mas eles próprios sentissem a necessidade de vender o seu excedente de produção para o exterior”. Esta é a perspectiva internacional que Estaline traçava em 1952.

 “Tratava-se muito simplesmente”, acrescentamos, de dar a qualquer país, quer fosse socialista (como as democracias populares) ou anti-colonialista (como a China), a possibilidade de construir uma poderosa indústria de produção dos meios de produção que removeriam a ameaça da sua "dawization" [dependência industrial vis-à-vis o capital estrangeiro]. Assim, seria quebrado o monopólio de posse dos meios de produção por algumas potências imperialistas, assim as economias socialistas seriam definitivamente subtraídas ao mercado capitalista mundial e os antigos países dependentes, mesmo os não socialistas, estariam à altura de poder escapar à exploração pelo Capital estrangeiro e eles próprios ocupar o seu lugar no mercado capitalista mundial. A perspectiva era clara: fortalecer os países do campo socialista e contribuir para o agravamento das rivalidades inter-imperialistas através da redução das saídas imperialistas de capital e bens, ajudando os ex-países dependentes a construir a sua própria indústria, inevitavelmente acelerando a revolução nos países imperialistas mais poderosos ”.

Um pequeno aparte sobre a importância de construir uma indústria para a produção dos meios de produção parece-nos essencial aqui. Karl Marx demonstrou que, como no reino animal, cuja evolução foi ditada pela luta pela sobrevivência e a procura por meios de subsistência, as sociedades humanas funcionavam numa base razoavelmente comparável, apenas alterada. A produtividade do trabalho permitida pelo crescente desenvolvimento da ciência e da tecnologia, de facto, só muda a forma dessa luta primitiva, que se torna uma luta pela posse dos meios de produção da existência (terra e indústria). Essa luta ocorre em várias escalas. Primeiro no seio da mesma classe social  no seio de uma nação (entre empresas concorrentes que competem pelo mesmo mercado), depois entre as classes sociais da mesma nação (a burguesia, detentora dos meios de produção, e o proletariado não tendo da sua parte senão a sua força de trabalho para vender) e, finalmente, entre a burguesia unida dentro de uma nação ou um grupo de nações contra as outras nações (competição entre dois blocos imperialistas concorrentes; países imperialistas dominantes ditando os fluxos internacionais de capital, e os países burgueses dependentes que os recebem) ...

Dito isto, a China de Mao Zedong, portanto, tinha a ambição de construir uma indústria nacional independente do capital estrangeiro, e a URSS de Estaline deu-lhe, portanto, o seu apoio consciente incondicional para esse propósito, sendo a China vista, portanto, como um futuro poderoso aliado socialista (se os comunistas chineses conseguirem passar rapidamente para o próximo estádio socialista da revolução), ou pelo menos um factor poderoso na decomposição da dominação económica dos países imperialistas ocidentais sobre o resto do mundo ( se a China se mantivesse no caminho do desenvolvimento capitalista e um dia viesse a pretender competir com ela no mercado mundial, isto é, a colocar-se como potência imperialista emergente). Como já demonstrámos, a China nunca, mesmo na época de Mao Zedong, foi governada por um verdadeiro Partido Comunista (os operários representavam 2% dos membros do PCC em 1949) e o próprio Mao Zedong reconheceu que a burguesia nacional integrada no "sector socialista de Estado" continuou a receber juros anuais de 5% ... Estes são alguns dos inúmeros factos elementares que entram em contradição com a experiência de construção do socialismo tal como foi construída na gigantesca URSS de Estaline e na minúscula Albânia socialista de Enver Hoxha ...

Seguramente, a revolução de 1949 trouxe imensos benefícios para o povo chinês, que anteriormente era regularmente exterminado pela fome à menor colheita que corresse mal. A revolução democrática burguesa anti-colonial e anti-feudal também permitiu que a China emergisse da rotina do subdesenvolvimento e construísse uma indústria pesada autóctone independente do capital estrangeiro, ao contrário da Índia burguesa-compradora, onde a maioria da população está a vegetar desde a sua pseudo-independência. No entanto, o caminho de desenvolvimento que a China vem a trilhar desde 1949 nada tem a ver com o do socialismo científico que exige a expropriação dos exploradores e não recorre ao mercado internacional para exportar de forma sustentável e massiva os seus excedentes de produção, mas apenas ocasionalmente para adquirir os meios de produção necessários que podem faltar à construção da sua indústria pesada.

Observemos aqui que, quando usamos o termo imperialismo chinês, queremos dizer imperialismo no seu sentido leninista. Este é caracterizado pela preponderância dos fluxos de comércio internacional e da exportação de capitais. Pode assumir formas violentas, especialmente para potências em dificuldade, em declínio, como o Ocidente hoje (colonialismo, ocupação militar), mas também formas completamente não violentas (como a da marcha pacífica do comércio e investimentos), especialmente para as potências ascendentes que apresentam grandes vantagens em termos de competitividade (é o caso da China).

O imperialismo, como o entendem os marxistas-leninistas, é a necessidade de um país burguês conquistar os mercados estrangeiros na tentativa de resolver a contradição capital / trabalho que, encerrada no seu quadro nacional, levaria rapidamente à explosão económica e social se o excesso de bens e capital não pudesse escoar para o exterior ...

Encerrado este parêntese, obviamente não é exagero dizer que a emergência mundial contemporânea do "Frankenstein chinês", que as autoridades americanas hoje lamentam por ter ajudado a criar, é em primeiro lugar o produto de uma estratégia estalinista de longo prazo destinada a criar deliberadamente obstáculos intransponíveis à dominação mundial das potências imperialistas do Ocidente. Foi, portanto, a própria liderança do PCCh que reconheceu no início deste século a importância fundamental da assistência técnica e material fornecida pela URSS durante os anos 1952-1957, uma assistência que permitiu à China adquirir rapidamente as bases de uma indústria de produção dos meios de produção autónoma. O período 1952-1957 é de facto definido pelos documentos oficiais do PCCh como tendo sido marcado pelo estabelecimento da “espinha dorsal da indústria chinesa” baseada na construção de “694 estruturas de grande e médio porte, centralizadas sobre os 156 projetos de construção que recebem ajuda da União Soviética ” (ver link -« 694 ouvrages de grandes ou moyennes dimensions, centrés sur les 156 projets de construction bénéficiant de l’aide de l’Union Soviétique ») . É graças a esta base industrial fundamental suficientemente diversificada (indústria mecânica, indústria siderúrgica, locomotivas, tractores, etc.) que a China Maoísta foi capaz de salvaguardar a sua independência industrial e económica. Foi graças a esta última que ela foi capaz de a seguir integrar tecnologias estrangeiras avançadas para modernizar aa ferramentas da produção chinesa como um todo.

 A ruptura sino-soviética

Se a URSS de Estaline em 1949 trouxe ajuda à China de Mao Zedong, seja ao nível militar ou industrial, as relações entre os dois gigantes não duraram muito. Como demonstrámos no nosso primeiro trabalho, a viragem khrushchevita que acompanhou a vitória da contra-revolução burguesa-revisionista na URSS foi vivida pela primeira vez como uma libertação em Pequim, que a usou como pretexto para criticar os "excessos" e "Erros" de um Estaline que foi reservado e medido quanto ao alcance e ao futuro da revolução chinesa. Mas Mao Zedong rapidamente ficou desiludido quando parecia que o nascente social-imperialismo Soviético não estava disposto a compartilhar a liderança do "campo socialista" internacional ou a seguir em frente com a ajuda material e técnica desinteressada implementada sob Estaline: uma vez enterrada a perspectiva da construção de um socialismo, a elite revisionista soviética não tinha mais o menor interesse em ajudar a China a construir uma indústria pesada independente, mas, pelo contrário, em procurar vincular o desenvolvimento económico chinês ao seu, portanto transformá-lo num apêndice dependente de si mesmo ... Evidentemente, não era isso que aspirava a burguesia nacional chinesa, que há décadas lutava pela independência! Os anos 1957-1960, portanto, viram as relações sino-soviéticas esfriar repentinamente, até que se desfizeram completamente. A China maoísta então voltou as costas ao imperialismo americano e ao social-imperialismo soviético. Isso deu aos marxistas-leninistas albaneses a ilusão de que, apesar das suas hesitações, a China era de facto um país socialista irmão.

Há mais de quinze anos, demonstrámos de forma irrefutável que Mao Zedong havia disfarçado o seu caminho de integração da ala patriótica da burguesia chinesa "no socialismo" por meio de fraseologia pseudo-marxista-leninista. Com todo o respeito aos pseudo-comunistas que ainda viram resquícios de "socialismo" na URSS pós-estalinista ontem e se extasiavam com o ritmo de desenvolvimento da economia chinesa (ver link - N’en déplaise aux pseudo-communistes qui voyaient hier encore des restes de « socialisme » dans l’URSS post-stalinienne et s’extasient aujourd’hui devant les rythmes de développement de l’économie chinoise), isso não tem nada a ver com com o socialismo. O desenvolvimento económico registrado pela China maoísta triplicou o seu PIB no final da década de 1970. Ao mesmo tempo, a Albânia socialista viu o seu PIB se multiplicar por ... treze (ver link - treize)! O nível de desenvolvimento da Albânia estava então em descompasso com o da China.

É essencial ter em mente o facto de que a minúscula Albânia (apenas 1 milhão de habitantes na data da sua libertação, ou uma fração infinitesimal da população chinesa, mais de 500 vezes maior), era mais atrasada do que a China na mesma tempo época, seja em termos de indústria ou agricultura:

 “Enquanto a indústria representava menos de 4% do seu rendimento nacional em 1938, contra 10% na China em 1936, a Albânia tinha uma das agricultura mais atrasadas que não era capaz de produzir nem a metade dos cereais panificáveis necessários para alimentar a sua população. Basta sublinhar que a disponibilidade de alimentos era de apenas 177 kg de cereais per capita em 1938 na Albânia, em comparação com 330 kg de cereais per capita em 1936 na China. Na Albânia, em 1938, era produzido mais do que 28 vezes menos de carvão per capita do que na China em 1936, mais de 6 vezes menos tecido de algodão e nenhum ferro, enquanto na China eram produzidos 3 kg per capita".

Possuindo uma área de captação demográfica correspondente ao tamanho considerado crítico por Estaline para a construção de uma indústria e agricultura independentes, a Albânia provou que o socialismo científico pode fazer "milagres", mesmo nos países menos povoados e mais atrasados no plano económico, como evidenciado pela galeria fotográfica relacionada deste link (ver link - même dans les pays les moins peuplés et les plus arriérés sur le plan économique, comme en témoigne la galerie photographique en lien).

 « Pouco importa que um gato seja branco ou negro desde que cace ratos” ...

Diante de uma taxa de crescimento económico bastante modesta induzida pela limitada capacidade de acumulação exigida pelas concessões feitas pela ala patriótica da burguesia chinesa aos trabalhadores, a burguesia nacional chinesa decidiu ao longo dos anos 1970 que o desenvolvimento económico do país exigia uma mudança radical de estratégia. Isso ocorreu durante a vida de Mao Zedong, com o estabelecimento de contactos de alto nível com o imperialismo dos EUA, uma reaproximação que fez tremer os comunistas albaneses. É sob a égide de Deng Xiaoping que este importante ponto de inflexão será teorizado e materializado sob esta famosa fórmula que pode ser resumida da seguinte forma: os chineses devem aceitar que acabemos com o igualitarismo relativo e que um a minoria fica mais rica antes de outras para criar prosperidade geral, cujos frutos serão compartilhados por todos os chineses ...

As autoridades chinesas, portanto, envidaram todos os esforços para “libertar” o seu capitalismo e obter acesso às mais avançadas tecnologias estrangeiras, sem, no entanto, renunciar à sua independência nacional. Um acto de equilíbrio inteligente resultou para apoiar monopólios estatais gigantes envolvidos em joint ventures de capital misto (com capital estrangeiro), trabalhando para fabricar bens de consumo baratos para exportação para as metrópoles imperialistas ocidentais ... A partir desse momento, os trabalhadores migrantes das zonas rurais mais remotas reuniram-se aos milhões para trabalhar nas grandes cidades costeiras. A sociedade chinesa, que era predominantemente rural no final dos anos 1970, começaria então um processo de urbanização de longo prazo. Foi nessa época que nasceu a primeira Zona Económica Especial (ZEE), a de Shenzhen, que hoje comemora as suas quatro décadas de existência /ver link - ses quatre décennies d’existence). Em 1984, a China possuía quatorze SEZs. Mas é inegavelmente o “equilíbrio” de acesso a porções do mercado doméstico chinês em sectores de alta tecnologia (aeronáutico, nuclear, ferroviário de alta velocidade etc.) que permitiu ao capital financeiro chinês atrair o mercado de forma mais eficaz para ele as tecnologias estrangeiras mais recentes e assimilá-las. Como demonstramos em 2007, a burguesia chinesa inteligentemente aproveitou o princípio das concessões estrangeiras para adquirir tecnologia e formar executivos, garantindo ao mesmo tempo que o peso do capital estrangeiro permanecesse minoritário na economia chinesa. Uma estratégia inegavelmente consistente com o símbolo do dragão na cultura chinesa: uma construção híbrida resultante da síntese de diferentes componentes ...

Após duas décadas de afluxo controlado de capital estrangeiro e aumento do alcance de seus campeões nacionais, a China conseguiu modernizar consideravelmente o seu tecido económico, tanto na indústria quanto na agricultura. A sua adesão à OMC em 2001 marcou a consagração internacionalmente reconhecida da “Fábrica do Mundo” como uma grande potência manufactureira, enquanto, ao mesmo tempo, a criação da Organização de Cooperação de Xangai (SCO) colocava os fundamentos do início da segunda fase do surgimento, nomeadamente geopolítico, do imperialismo chinês ... Sob a liderança de Yang Zemin (1993-2003), a China entra, assim, discreta mas de forma decidida na  “liga dos grandes”.

 « A grande renovação da nação chinesa »

Sob a liderança dos presidentes Hu jintao (2003-2013) e depois de Xi Xinping (2013-2023), a China tornou-se um actor mundial cada vez mais essencial. Se há duas décadas a voz da diplomacia chinesa estava calada, a crise dos subprimes (2008) e a crise actual mudaram profundamente a situação. Em 2010, a China já havia feito grandes ajustamentos tecnológicos que lhe permitiram implementar um trabalho titânico em grande escala no que diz respeito à sua infraestrutura de transporte, ao seu sector de energia, aeronáutica, espaço, microeletrónica, etc. etc.

Isso possibilitou-lhe um aumento substancial no nível de salários nas principais metrópoles chinesas do sul e do leste, enquanto continuava a ter uma força de trabalho barata no oeste do país. No final de contas, há uma dupla vantagem inegável: a ampliação dos pontos de venda do consumidor no seu mercado interno, ao mesmo tempo em que preserva a sua competitividade internacional. Uma década depois, a China já conquistou a liderança mundial em propriedade intelectual, poder económico (medido em paridade de poder de compra) e modernizou massivamente as suas forças armadas, que em algumas áreas já alcançaram ou mesmo ultrapassaram as dos EUA…

É nesse contexto muito favorável que vimos a diplomacia chinesa ganhar confiança e começar a responder publicamente aos ataques grosseiros da sua contraparte ocidental. A crise económica e sanitária em torno da COVID-19 reforçou e acelerou dramaticamente essa tendência, à medida que a China conseguiu compensar rapidamente a turbulência económica que abalou o comércio global em ambas as ocasiões. "A crise é, ao mesmo tempo, um perigo e uma oportunidade", declararam as elites da China há uma década. O perigo presente foi rapidamente superado e apenas as oportunidades permanecem ... a ver o plano fundamental do PCCh a concretizar-se mais cedo do que inicialmente esperado!

Em Imperialismo e Antiimperialismo (ver link -  Impérialisme et anti-impérialisme), destacámos que a partir do final dos anos 1970, graças às ferramentas analíticas do marxismo-leninismo, Enver Hoxha tinha "sido capaz de prever com precisão o caminho que a China seguiria". No seu livro Imperialism and the Revolution (ver link - L’impérialisme et la révolution), ele observou que:

“Para se tornar uma superpotência” em condições em que “as colónias e os mercados do mundo são monopolizados por outras potências”, a China teria que passar por duas fases principais: “... primeiro, teria de solicitar créditos e investimentos ao imperialismo americano e aos outros países capitalistas desenvolvidos, e ao mesmo tempo adquirir tecnologia moderna para desenvolver os recursos do país, muitos dos quais passarão, como dividendos, aos credores. Em seguida, investirá a mais-valia realizada nas costas do povo chinês nos estados de vários continentes, como fazem actualmente os imperialistas americanos e os social-imperialistas soviéticos ”. Fez notar que o estabelecimento de laços estreitos com os países imperialistas ilustrou precisamente esta primeira fase, e acrescentou que a partir daí, na sua segunda fase, o imperialismo chinês faria grandes esforços para reunir à sua volta "todos os países do mundo. “Terceiro mundo”, “desalinhado” ou “em desenvolvimento”, para criar uma grande força, que não só aumentará o seu potencial como um todo, mas também a ajudará a opor-se às outras duas superpotências ”.

O mundo contemporâneo chegou justamente ao ponto crítico da segunda fase em que o imperialismo chinês se afirma internacionalmente diante dos seus competidores ocidentais nas garras de dificuldades e contradições internas e internacionais tão múltiplas quanto intransponíveis ...

O "socialismo ao estilo chinês" tende a integrar-se fortemente no mercado mundial, ontem como "a fábrica do mundo" e hoje como o seu futuro principal "centro de inovação e consumo" (ver link - centre d’innovation et de consommation )! Este é o significado histórico das Novas Rotas da Seda em torno das quais a futura divisão internacional do trabalho centrada em torno do arrojado e dinâmico imperialismo chinês será construída!

Os marxistas-leninistas, sem ter a menor ilusão sobre o carácter inter-imperialista da oposição China-Ocidente, não podem, no entanto, descartar os dois protagonistas costas com costas e afirmar que o domínio de um ou do outro bloco, em última análise, pouco ou nada importa para os povos e o proletariado internacional. Esta postura é de facto a dos niilistas ocidentais que de facto se esforçam para justificar a busca da dominação secular do Ocidente sobre os assuntos mundiais ..., ou a dos sonhadores gentis que pensam que logo verão os povos a sacudir as suas correntes para encontrar o seu caminho para se libertar libertar tanto do colonialismo ocidental quanto das (futuras) correntes pacíficas da escravidão assalariada que acompanharão a fase, agora próxima, da livre expansão internacional do capital financeiro chinês.

A China e seus aliados estão inegavelmente dentro dos seus direitos de querer acabar com a política colonial ocidental. Nessa perspectiva, eles defendem não só os seus próprios interesses económicos fundamentais, que exigem a extensão segura da sua esfera de influência, mas também as legítimas aspirações de muitos povos de viver sem esta espada de Dâmocles. Nesta fase da história do desenvolvimento do capitalismo, a China certamente representa um progresso rumo ao desenvolvimento para muitos países, por tanto tempo mantidos no mais completo atraso económico e na miséria pelo Ocidente, que encarna a reação ... com conotações coloniais e proteccionistas muito pronunciadas!

Karl Marx gostava de dizer na sua época que se ele se autodenominava "inimigo do livre comércio", não se autodenominava necessariamente "amigo do protecionismo": para ele, o protecionismo costuma limitar-se "à reação ”porque retardava o desenvolvimento das forças produtivas e, portanto, as contradições internas do capitalismo. “É apenas neste sentido revolucionário, disse ele, que voto a favor do comércio livre” ... O que diria ele do protecionismo ultra-agressivo da burguesia norte-americana implementado sob o governo Trump?

Hoje, os povos e os trabalhadores oprimidos obviamente não podem evidentemente ver com um olhar mais favorável a emergência pacífica do imperialismo chinês face à continuação das políticas reaccionárias, tão belicistas quanto protecionistas, do bloco imperialista ocidental. Não, o capitalismo ainda não atingiu a sua esfera de desenvolvimento máximo, como demonstrámos há uma década no nosso livro The Awakening of the Dragon (ver link - Le Réveil du Dragon), as décadas que virão sob a liderança do imperialismo chinês prometem ao contrário dar-lhe uma escala sem precedentes em muitos países coloniais e semicoloniais dependentes, cuja economia está tão atrasada quanto a sua indústria está a morrer de fome ... E a promessa do desenvolvimento do proletariado em geral e da classe trabalhadora em particular é obviamente do interesse fundamental para os povos que aspiram à sua futura emancipação económica, política e social ...

A China tenta agora realizar o capitalismo "mais perfeito" possível por meio do seu conhecimento das leis económicas do capitalismo. Mas um dia (isto é, dentro de um período de meio século ou mais !!!), as frias leis económicas da produção de bens não farão menos com que este projeto fracasse ...

(Para aqueles que estão interessados ​​nas múltiplas facetas da emergência da China e em decifrar os seus desafios passados, actuais e futuros, recomendamos particularmente o livro disponível no link acima, bem como dois artigos que fazem um balanço das últimas vitórias conquistadas pelo imperialismo chinês em vários campos nos últimos anos - dernières années - e meses - derniers mois.)

Familiarizada com certos ensinamentos e ferramentas analíticas legadas pelo marxismo-leninismo, os quais não hesita homenagear ocasionalmente, como por ocasião do bicentenário do nascimento de Karl Marx em 2018 (ver link -comme à l’occasion du bicentenaire de la naissance de Karl Marx en 2018) , a burguesia chinesa tem características únicas em comparação com a sua colega ocidental, que se orgulha dos seus costumes depravados e da sua cultura degenerada, que ela não hesita em descrever como a expressão das "liberdades" e da "democracia" ocidentais cuja decomposição, não obstante, está a aumentar.

Abaixo, em 4 de Maio de 2018, o presidente chinês na presença de respresentantes do PCC no Grande Palácio do Povo celebrou o 200º aniversário do nascimento de Karl Marx e prestou homenagem ao "pensamento marxista" que ele definiu como "Um factor chave" na realização do "sonho chinês" e no "grande rejuvenescimento da nação chinesa", acrescentando que a teoria de Karl Marx "ainda brilha com a brilhante luz da verdade" ...

A burguesia chinesa é caracterizada antes de tudo por uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo, perseguida com firmeza há quatro décadas e que os liberais ocidentais tomam como prova da “ditadura comunista chinesa” à qual opõem os seus preconceitos e lemas de direits do homem podres. É essencial sublinhar aqui que sob capitalismo “direitos humanos” e “democracia” só se desenvolvem em paralelo com o aumento da riqueza económica, em particular nas condições do advento da “ sociedade de consumo ”que mergulha as amplas e relativamente privilegiadas massas trabalhadoras na letargia política. Isso quer dizer que a existência e o desenvolvimento das liberdades burguesas são condicionados por um lugar privilegiado na divisão internacional do trabalho, lugar que às vezes pode ser garantido ou mantido pelos meios mais reacionários, herdados do fascismo e colonialismo quando necessário ... A política interna aparentemente “democrática” do imperialismo francês teve muitas vezes como corolário uma política externa colonial de tipo fascista, como na Argélia, Madagascar e Indochina!

A burguesia chinesa é então caracterizada por um grau de coesão interna e disciplina sem precedentes na história de dois séculos de dominação mundial do capitalismo (a traição aos interesses fundamentais da nação, de que a corrupção é uma manifestação, sendo punível com pena de morte), factores tão essenciais para "pilotar" um século que promete ser seu e não se preocupar com as desesperadas tentativas nacionais e internacionais de desestabilização dos seus concorrentes ocidentais.

A burguesia chinesa finalmente tem uma inteligência social altamente desenvolvida: ela promove activamente o movimento ascendente que empurra crianças de famílias modestas para estudos superiores vitais para o desenvolvimento acelerado da ciência e tecnologia na China e também mantém as suas promessas de redistribuição para os respeito pelos chineses mais pobres, que hoje desfrutam quase todos os frutos de quatro décadas de crescimento económico tão confortável quanto ininterrupto. Em relação aos mais pobres, ela também se preocupa em ser humilde, atenta e nunca arrogante (ver link - elle veille également à se montrer humble, à l’écoute et jamais arrogante), promovendo a exemplaridade e repugnando por exibir a sua riqueza de forma ostensiva. Acrescentemos que, no que diz respeito ao tratamento das minorias étnicas, estas têm sido sistematicamente objecto de discriminação positiva que as exclui, por exemplo, da política do filho único implementada em relação à etnia han dominante, uma política que foi um dos factores que permitiu ao jovem imperialismo chinês ter uma força de trabalho de baixo custo, mas bem treinada. No plano internacional, a burguesia chinesa implementa uma diplomacia muito inteligente, combinando flexibilidade e firmeza, atraindo a simpatia das elites-compradoras burguesas de muitos países dependentes, ao afirmar a todo custo a sua fibra "terceiro-mundista" e o seu desejo de estabelecer uma distribuição internacional mais equitativa da mais-valia, em desacordo com a pilhagem mais descarada e a brutal política colonial ocidental de terra queimada que suscita uma oposição internacional cada vez mais forte.

Em suma, a burguesia chinesa é, em muitos aspectos, o oposto de sua contraparte ocidental. Esta última é tão estúpida e senhora de si própria quanto arrogante. O resultado natural de defeitos congénitos peculiares próprias das elites ocidentais ou talvez o resultado de gerações de casamentos consanguíneos planeados para evitar a delapidação do seu património tão ciosamente ganho ?! ...

Seja como for, é essencial não tomar as especificidades sociológicas únicas do capitalismo chinês por uma forma, mesmo "blindada" de "socialismo marxista". Os ingénuos podem muito bem designar a bandeira vermelha do país e a sua liderança qualificada como "comunista" para provar que a China "constrói o socialismo", isso obviamente não tem nada a ver com o teorizado por Karl Marx e construído sob a liderança de José Etaline (ver link -  Joseph Staline) ou Enver Hoxha (ver link - d’Enver Hoxha) ...

 

 “Os homens sempre foram e sempre serão na política os ingênuos iludidos dos outros e de si mesmos, enquanto não aprenderem a, por detrás das frases, das declarações e das promessas morais, religiosas, políticas e sociais, discernir os interesses de tais e tais classes ", alertou Lenine há mais de um século na sua síntese popular intitulada As três fontes e as três partes constituintes do marxismo (ver link - Les trois sources et les trois parties constitutives du marxisme) ... Da mesma forma, para Lenine," a dialética da história é tal que a vitória do marxismo em matéria de teoria obriga os seus inimigos a disfarçarem-se de marxistas ”! É sem dúvida sob esse ângulo que é necessário abordar o rótulo "comunista" que reveste o PCC, que representa os interesses de uma burguesia que sempre teve em vista a importância de manter a estabilidade social ...

Se o PCCh recentemente se congratulou por ter quase concluído "a construção de uma sociedade de rendimento médio" (ver link - la construction d’une société de moyenne aisance) , bem como a erradicação da pobreza extrema (ver link - l’éradication de la grande pauvreté), que o presidente chinês fez de uma de suas prioridades (ver link - l’une de ses priorités) (o que certamente é notável para um jovem estado capitalista, o Ocidente tendo falhado em alcançar após mais de dois séculos de dominação mundial ...), isso não pode mascarar o fato de que um regime socialista teria cumprido este objetivo muito antes de sete décadas terem se passado. Na URSS, como na Albânia, o desemprego tinha desaparecido antes do final do primeiro plano de cinco anos ... No entanto, o desemprego estrutural ainda existe na China (ver link - existe toujours en Chine )! ...

Por vontade das próprias autoridades chinesas, a participação do sector privado é hoje preponderante na economia chinesa, embora os cerca de cem gigantes administrados pelo governo central ainda desempenhem um papel económico importante nalguns setores-chave com elevada composição orgânica em Capital e no desenvolvimento das infraestruturas do transporte e da energia. O sector privado representava no final de 2018 mais de 60% do PIB chinês (ver link - 60 % du PIB chinois). Estava por trás de 70% das inovações tecnológicas e respondia por 80% do emprego urbano. Jack Ma, fundador da Alibaba e o primeiro bilionário da China, é membro do PCC (ver link - membre du PCC). A China é hoje o país com mais bilionários do mundo (ver link - le plus de milliardaires au monde), à frente dos EUA! Estranho "Socialismo"... o "Socialismo à chinesa" não é, em última análise, senão a forma de construir um estado de "bem-estar" burguês redistribuindo uma parte dos lucros adquiridos graças ao rápido aumento da sua economia na cadeia de valor internacional.

O coeficiente de Gini da China (que mede a magnitude das disparidades de rendimento) atingiu o pico de 49 em 2009. Caiu para 46,5 em 2017 (ver link - 46,5 en 2017), o que permanece alto, mas é inegavelmente uma prova dos esforços de redistribuição significativos para os mais pobres. Se o PCCh ainda conserva prerrogativas no sector económico (em particular a gestão de poderosos monopólios estatais, a modernização das redes de transporte, o exército, etc.), o seu papel tende cada vez mais a ser confinado à esfera jurídica, política e ideológica. Há três meses, o presidente chinês lançou um apelo aos 92 milhões de membros do Partido Comunista Chinês "para que tenham ideais e convicções sólidas" (ver link -à avoir des idéaux et des convictions solides ) :

“Ele apelou a todos os membros do PCCh, especialmente os jovens, a estudar conscienciosamente a teoria marxista e as histórias do Partido, a nova China, a reforma e a abertura e desenvolvimento do socialismo, a fim de cultivar ideais e convicções firmes e cumprir a aspiração original e a missão fundadora do Partido ”.

Seguro da confiança depositada nele por quase nove em cada dez chineses, "a legitimidade da governança do PCCh brilha mais numa época de incerteza global." O PCCh agora está totalmente confiante na sua capacidade de alcançar a "meta centenária" da Revolução de 1949. Isso resume-se a "criar uma sociedade rica para 1,4 bilião de chineses no prazo previsto", isto é, "um grande país socialista moderno, próspero, forte, democrático, culturalmente avançado, harmonioso e belo".

E isso não será realizado sem que o imperialismo chinês ganhe uma ascendência inconfundível sobre os seus concorrentes hoje em sérias dificuldades ...

O Ocidente deve obviamente estar certo e aceitar essa perspectiva como inevitável, porque o presidente chinês declarou novamente ontem por ocasião das comemorações do 70º aniversário da grande guerra de resistência à agressão e de ajuda americana à República Popular Democrática da Coreia (1950-1953) que os 2,9 milhões de voluntários chineses que lutaram em solo coreano (onde quase 200.000 soldados chineses perderam as suas vidas), "desafiaram a invasão e a expansão do imperialismo e salvaguardaram a segurança da Nova China ” (ver link - défié l’invasion et l’expansion de l’impérialisme et sauvegardé la sécurité de la Chine nouvelle ). Segundo ele, “a grande vitória da Guerra de resistência à agressão americana e de ajuda à RPDC ficará gravada para sempre na história da nação chinesa e na história da paz, do desenvolvimento e do progresso da humanidade ".

Nesta ocasião, Xi Xinping lançou também um apelo para que se inspirem, na nossa contemporaneidade sinónimo de “grande renovação da nação chinesa”, no “grande espírito” de “resistência à agressão militar americana” (ver link -  la résistance à l’agression militaire américaine)! Uma forma óbvia de o imperialismo chinês alertar o Ocidente que se ele persistir em tentar desencadear uma nova guerra contra a China, sob qualquer forma (económica, diplomática ou militar), tal não se jogará somente entre a China e o Ocidente, mas entre o Ocidente e todas as nações que se opõem ao colonialismo ocidental! Aviso aos "tigres de papel" ...

O Ocidente parecia inegavelmente ter recebido a mensagem, com a Reuters (ver link - Reuters) a relar imediatamente os seguintes comentários adicionais do presidente chinês:

"A China não permitirá que a sua soberania, segurança e interesses de desenvolvimento sejam minados", disse o presidente Xi Jinping na sexta-feira, acrescentando que o povo chinês não deve ser considerado levianamente. Qualquer acto de unilateralismo, monopolismo e intimidação não funcionará e só levará a um beco sem saída, acrescentou o chefe de estado. "

 Vincent Gouysse, 24/10/2020 para www.marxisme.fr

Importante: Em breve publicaremos como apêndice a este artigo o valioso testemunho de um jovem camarada que passou muito tempo na China (por motivos profissionais) e tratando de alguns aspectos fundamentais da realidade económica, política e social chinesa.

 Fonte: https://les7duquebec.net/archives/259442








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