quinta-feira, 20 de março de 2014

O Manifesto dos Setenta - Parte IV

7. É possível que alguns operários todavia se perguntem: mas se a dívida é impagável, por que é que não é correcto pedir e lutar por um haircut (corte parcial) da dívida e dos respectivos juros? Não terão neste ponto razão os subscritores do manifesto sobre a reestruturação da dívida?
Não, não é correcto, e não têm razão!
Em primeiro lugar, os subscritores do manifesto parece ignorarem o que se passa com a dívida pública no interior da zona euro. Ora, 15 dos 18 países que adoptaram o euro como moeda única têm uma dívida pública que excede largamente o rácio dos 60% imposto por Maastricht. O rácio da própria Alemanha é de 80% (!...), o da Bélgica é de 100%, e o da Itália – o maior de todos – é de 130 %. No seu conjunto, a dívida pública dos 18 países que integram a zona euro é superior ao PIB global gerado dentro da mesma zona.
Mas, com excepção do que foi exigido a Portugal, à Irlanda e à Grécia, ninguém exigiu aos restantes países do euro, titulares de dívidas superiores a 60% dos respectivos PIBs, entre os quais está incluída, como se viu, a própria Alemanha, que reestruturassem as respectivas dívidas e recebessem a supervisão da Tróica.
Quanto à dívida pública dos países integrantes da Comunidade Económica e Monetária – zona euro -, a situação é de tal modo dramática que as entidades europeias dirigentes acabam de estabelecer um Mecanismo Europeu de Estabilidade, dotado de um fundo de 500 mil milhões de euros para fazer face aos problemas da dívida, não mediante haircuts (perdões parciais) sobre a dívida de cada país, mas mediante empréstimos a juros, com supervisão do Banco Central Europeu, da Comissão Europeia e, quiçá, do Fundo Monetário Internacional, ou seja, de uma nova Tróica para toda a Zona Euro.
Não só não haverá, pois, perdões parciais de dívidas e de juros, como passará a haver controlo e austeridade cada vez mais apertados.
Mas, em segundo lugar, e mesmo nos casos em que porém se adoptou a política dos haircuts (perdões parciais) da dívida e dos juros e a prorrogação dos prazos de pagamento, não só não se resolveram os problemas da dívida, como não se libertaram fundos para promover um desenvolvimento económico robusto e sustentado.
Na verdade, a segunda reestruturação da dívida grega determinou o perdão de cerca de 50% da dívida pública e dos respectivos juros, mas a dívida actual da Grécia é agora ainda maior do que era a dívida existente no termo da primeira reestruturação orientada pela Tróica, e o actual serviço da dívida, com o pagamento de amortizações e juros, é também maior e mais pesado do que o serviço da dívida existente à saída da primeira reestruturação.
Os perdões totais ou parciais da dívida e dos juros, tal como os fundos estruturais concedidos aos países periféricos na forma de ajudas de adesão e de pré-adesão, não só não alteraram como perpetuaram o subdesenvolvimento económico desses países, transformando-os em sub-colónias do imperialismo alemão.
Este sistema de exploração capitalista financeira é tão incontornável que actuou e actua dentro da própria Alemanha. Com efeito, mesmo apesar dos milhares de milhões de euros de subsídios que a Alemanha de Leste recebeu do governo federal alemão e dos fundos estruturais concedidos pela União Europeia, a Alemanha oriental, ao fim de vinte anos de incorporação, continua a ser uma região extremamente pobre, com altos índices de desemprego e baixos índices de produtividade, em relação à Alemanha ocidental.
E porque é que isto é assim?
Isto é assim porque a causa de ser do crescimento da dívida nos países periféricos, fracamente desenvolvidos sob o ponto de vista económico, e o atraso perpétuo das regiões menos desenvolvidas, está no próprio euro, moeda demasiado forte para essas débeis economias e que traz como consequência a cada vez menor produção de bens transaccionáveis e o cada vez maior défice na balança do comércio externo e das transacções correntes, impondo uma distorção permanente de todo o sistema económico do país em causa.
O euro, moeda tão forte que o valor cambial de um euro anda à roda de 1,40 dólares, é, para os países economicamente débeis da União Económica e Monetária e respectivas regiões atrasadas, a causa de ser da restrição das exportações e do incremento das importações e, por conseguinte, a causa dos crescentes défices externos desses pequenos países e regiões e, em última análise, a causa do crescimento incontrolável da dívida pública de tais países.
Há catorze anos aderimos ao euro.
Veja-se a evolução da dívida pública portuguesa no decurso dos últimos vinte anos, entre os quais se incluem os catorze da adesão ao euro: 

Nos anos que vão de 1994 a 2000, a dívida pública portuguesa, então expressa em escudos, desceu de 57,3% para 48,4 % do PIB. E desde que adoptámos o euro, a dívida pública portuguesa subiu de 48,4%, em 2000, até 128,7%, em Dezembro de 2013, e chegará aos 140% do PIB no próximo mês de Setembro.
Com o euro, não houve um só ano em que não subisse, quase exponencialmente, a dívida pública.
O euro acarretou, em Portugal mas também na União Europeia, a falência, encerramento e deslocalização de milhares de empresas produtoras de bens transaccionáveis, e impôs uma distorção completa do regime económico português, com um crescimento galopante do desemprego, sobretudo do desemprego jovem.
Na ocasião do 25 de Abril, 40% do PIB português era gerado na indústria. Hoje, por virtude da adesão ao euro, apenas 13% do PIB é gerado no sector industrial. E para que a desgraça fosse ainda maior, apenas 2% do PIB tem hoje origem no sector primário (agricultura e pescas).
Portugal tornou-se, assim, um país economicamente inviável, desindustrializado, sem agricultura e sem pescas.
Este quadro, triste e negro, precisa de uma alteração urgente, radical e completa. O país tem que ser, sem demora, re-industrializado, incluindo nessa re- -industrialização a industrialização de todo o sector primário, da agricultura às minas e ao cluster das indústrias do mar e das plataformas continentais e insulares.
Nada disto – que é um verdadeiro desígnio nacional – se poderá fazer, como pretendem os setenta e cinco marmanjos subscritores do manifesto da reestruturação, no interior da zona euro, com haircuts (perdões) da dívida e dos juros, nem com todos os subsídios que possam ser imaginados.
Para poder ultrapassar a situação catastrófica em que se encontra e a que foi conduzido pelo euro germânico, Portugal não chegará nunca lá através de uma reestruturação da dívida, mas sim mediante uma reestruturação económica que terá de assentar na saída do euro e na introdução do escudo, inicialmente à paridade cambial com o euro.



Retirado de:
http://lutapopularonline.org/index.php/pais/104-politica-geral/1008-o-manifesto-dos-setenta?showall=&start=3

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