“Reestruturar” ou repudiar a dívida?
Decorreu no passado sábado, dia 19 de Janeiro, o 1º Encontro
da IAC (Iniciativa para uma Auditoria Cidadã) sobre a dívida pública. Dos
oradores anunciados, os que mais interessaria ouvir, até porque defendem que a
auditoria à dívida, quer nos seus países – quer em todos aqueles em que se
coloque a questão – deve ser acompanhada de uma exigência da suspensão do
pagamento da dívida e do serviço da dívida, um deles, Nick Dearden, não pôde
estar presente, tendo a organização atribuído esse facto ao mau tempo que se
registou no dia de sábado em todo o país. Mas, Eric Toussaint, apesar de mais
tarde do que estava anunciado, interveio para voltar a insistir no que já tinha
defendido o ano passado no cinema S. Jorge.
Isto é, que a dívida é uma fraude e que"Pagar ou não
pagar a parte ilegítima da dívida deve ser um tema central". Paradigmático
de que as “dívidas soberanas” são meros instrumentos através das quais o
imperialismo germânico procura dominar e subjugar os povos dos países que
constituem os “elos mais fracos do sistema capitalista” na Europa, é o exemplo
que deu da Grécia, país que “beneficiou” recentemente da “reestruturação” da
dívida, mas que nem por isso o seu povo deixou de ser vítima de um roubo,
referindo que "…em março de 2012, a relação da dívida com o PIB era de
160%” e que “... segundo o FMI, em 2013, depois de um ano de 'redução da
dívida', ela representará 182% do PIB grego. Quer dizer que a dívida aumentou e
passou dos bancos privados para a troika", acrescentou Toussaint.
Coordenador do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro
Mundo (anulação e não “reestruturação” ou “renegociação”), Eric Toussaint deu
inúmeros exemplos na história recente que provam que "todas as reduções
radicais da dívida foram resultado do acto unilateral por parte de um país
endividado", sendo as únicas excepções a esta regra, sintomaticamente, os países que estavam sob a esfera de
influência dos EUA, como a Polónia – após o desmantelamento da União Soviética
– e o Egipto durante a crise do Golfo, concluindo que "os povos europeus
não podem esperar da troika uma reestruturação justa e aceitável".
Considerando que a auditoria cidadã não deve ser encarada
como “um exercício apenas intelectual para demonstrar o que a dívida significa,
mas um instrumento para mobilizar as pessoas”,Éric Toussaint reforçou a ideia
que já tinha defendido no Cinema S. Jorge o ano passado, de que auditoria
cidadã da dívida devia ser encarada, quer como um "instrumento para
consciencializar e mobilizar o povo contra as políticas anti-sociais e a dívida
ilegítima", quer para "conseguir uma interrupção do pagamento,
obrigando os credores a assumir as perdas, ou repudiando a parte ilegítima da
dívida".
O certo é que a “doutrinação” em torno da estratégia da “reestruturação”
e da “renegociação” da dívida, para além de continuar a ser a bíblia da IAC,
tão cara ao BE (estava presente na assistência, para além da Francisco Louçã,
um significativo número de elementos da direcção do BE), se tornou mais evidente
neste “encontro nacional”, fazendo ouvidos de mercador ao que Eric Toussaint
defendeu neste Encontro, reafirmando
propostas que já tinha defendido, tal como Maria Lucia Fattorelli, no ano
passado, na Convenção da IAC que teve lugar no Cinema S. Jorge, em Lisboa.
Bem pode Castro Caldas aventar timidamente a hipótese da
saída de Portugal do euro, que tal projecto é imediatamente contrariado pela
agenda proposta pela IAC, nomeadamente a “exigência” dirigida ao governo
PSD/CDS da criação de uma “Comissão” para auditar a dívida. Para deitar areia
para os olhos do povo que já afirmou, vezes sem conta, que não está disposto a
pagar uma dívida que não contraiu, defende agora a IAC que o governo, para além
de formar a tal “Comissão” para auditar a dívida, deve“exigir” uma “moratória”
para o pagamento dos juros. Mas a dívida, essa, é para pagar! O oportunismo
desta gente não tem limites. Por isso a direcção da IAC foge como o diabo da
cruz a perguntas tão simples como: qual é a parte da dívida que é “legítima”? O
povo português deve pagar a dívida?
É precisamente porque não querem ser confrontados com este
tipo de questões, que a organização do “1º Encontro” e a direcção da IAC, tudo
fizeram para que o debate democrático não ocorresse nem, muito menos, outras
propostas pudessem ser publicitadas ou discutidas
neste evento.
Várias foram as vozes que se levantaram para denunciar que
toda a organização deste Encontro estava inquinada da mais básica manipulação e
prática anti-democrática, sendo exemplo disso o facto de o relatório
sobre a actividade da IAC no último ano, só ter estado disponível no seu site, a
partir das 22 horas de 6ª feira (o dia anterior à realização do Encontro),
18.01, não tendo estado, no entanto, disponível online pelo menos entre as
00:23 e as 09:03 de sábado. Ora, que outra ilação se poderia retirar deste
facto senão a de que, apesar de se anunciar um amplo e democrático debate, o
objectivo era o de limitar o conhecimento e coartar a possibilidade de se
conhecer e analisar o conteúdo do mesmo de forma atempada, ou sequer apresentar
outras propostas?
A direcção da IAC, tal como o BE, nada aprendeu neste último
ano. Continua, apesar de todas as demonstrações em sentido contrário, quer de
intelectuais quer, sobretudo, dos trabalhadores e do povo que se têm oposto
firmemente ao pagamento de uma dívida que não contraíram – e o exemplo da
manifestação de 15 de Setembro do ano passado está aí para o demonstrar -, nem
foi contraída em seu benefício, a defender com unhas e dentes a sua “dama” da
“renegociação/reestruturação” da dívida. Não perceberam que se hoje nem 10% das
pessoas que estiveram na Convenção do ano transacto no cinema S. Jorge se
dispuseram a participar neste 1º Encontro, tal se deve a que as teses que vêm
defendendo, apoiando-se em critérios eminentemente “técnicos”, abordando apenas
e tão só os efeitos e não dissecando as causas, têm sido um factor
desmobilizador fatal para que uma iniciativa deste género pudesse ser um
instrumento fundamental na luta pelo não pagamento da dívida.
Apesar da intervenção de
ANTONIO SANABRIA MARTÍN, da ATTAC Espanha, um convidado que veio falar sobre a
natureza da dívida naquele país, se centrar na defesa da suspensão da mesma,
com base no pressuposto de que, quanto à dívida privada – empresas, entidades
financeiras e famílias – não é justo exigir-se a toda a população que pague uma
dívida que, de facto, não contraiu, apesar de este orador ter demonstrado que
os dados revelam que somente 10% das famílias – as das classes media e alta – é
que tiveram um endividamento de cerca de 65%, o que contraria a tese, também
defendida pela burguesia em Espanha, de que “o povo espanhol esteve a viver
acima das suas possibilidades”, a monolítica direcção da IAC vem “exigir” que o
governo se disponibilize para criar uma “Comissão” em que participem todos os
partidos parlamentares para se analisar a dívida. Ou seja, vem propôr que a
“concertação social” se estenda, também, à análise da dívida.
Quer isto dizer que consideramos que a realização de uma
Auditoria à Dívida não é necessária? Claro que não! O que defendemos, desde o
princípio, é que, enquanto decorre essa auditoria deve ser uma exigência mínima
a suspensão do pagamento da dita e do “serviço da dívida” (juros +
amortizações). O que defendemos é que se criem as condições políticas para que
haja um amplo e democrático debate e não uma manipulação que instrumentalize
uma iniciativa com a importância política que esta tem para os trabalhadores e
para o povo português, que a está a direccionar, de forma oportunista, para a defesa de uma agenda – a
“reestruturação/renegociação” da dívida – que já foi escrutinada nas ruas,
tendo as massas deixado claro que a agenda que querem prosseguir é a de que NÃO
PAGAMOS!
O que defendemos é que se envolvam os trabalhadores e o povo
nesta discussão tão importante para o seu futuro e para a sua mobilização para
a luta pela suspensão, no mínimo, do pagamento de uma dívida ilegítima, ilegal
e odiosa, e não através de uma “torre de marfim” onde só alguns “iluminados”,
desfasados do clamor das ruas, tem tido assento.
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