quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A Constituição não é empecilho à supressão das Assembleias Distritais

Os marxistas sempre defenderam que, em sistema capitalista e burguês, as constituições não passam de um pedaço de papel que é rasgado no preciso momento em que o seu articulado deixa de corresponder aos interesses da classe dominante. Esta reflexão vem a propósito de quem ainda se deixa iludir com o princípio de que vivemos num regime democrático, num estado de direito, onde nos é permitido escolher as opções políticas que melhor representem os interesses que defendemos, desde que respeitemos…a lei!

Não sendo a primeira vez que denunciamos o caso – e certamente não será a última – para além dos trabalhadores da Assembleia Distrital de Lisboa, também na AD de Vila Real há notícia de salários em atraso, isto porque, ao arrepio do Artº 291 da Constituição, tal como aconteceu com António Costa em Lisboa, existem presidentes de câmara que, por razões que se prendem exclusivamente com a sua agenda e tacticismo políticos, não autorizam que as respectivas autarquias liquidem os encargos a que estão obrigadas, nos termos do artº 14º do decreto-lei nº 5/91, de 8 de Janeiro!

Poder-se-ía pensar que esta situação decorre da birra pessoal de António Costa ou de um ou outro autarca individualmente considerado. Mas, não! Os factos que a seguir expomos, tornam evidente que, seja o PS, o PSD ou o CDS – por acção -, ou o PCP e o BE – por omissão -, todos os partidos do arco parlamentar, alguns deles maioritários em várias autarquias do país, seja nos órgãos deliberativos, seja nos executivos, estão a levar ao progressivo esvaziamento e liquidação das Assembleias Distritais o que, podendo até ser legítimo discutir, do ponto de vista político, é absolutamente condenável e insustentável quando não se atendem os interesses dos trabalhadores que nessas Assembleias Distritais trabalham e vivem do seu salário.

Ora, os trabalhadores destas Assembleias Distritais não podem ser um mero joguete do impasse político a que o limbo legal e institucional do supracitado decreto-lei 5/91 que autarcas néscios, parasitas e arrogantes tão bem têm sabido aproveitar para blindar as autarquias que lideram de forma a não permitir que a concorrência de outros partidos lhes roube esse poder.

Virtude deste decreto são cada vez mais residuais as competências destas Assembleias Distritais, não podendo sequer recorrer – porque não possuem um órgão executivo próprio e independente – a empréstimos bancários ou a fundos comunitários que lhes permitam delinear e executar um orçamento, ficando, assim, à mercê das contribuições das câmaras municipais.

Portanto, apesar de estarem obrigados, por força de uma Constituição que juraram defender, a pertencerem a estes órgãos, os autarcas dos vários partidos dominantes no poder local de cada distrito foram perdendo o interesse neles, na maioria dos casos quando se dava a circunstância de a direcção desse órgão não corresponder aos interesses de uma das autarquias que o integrava ou mesmo de um grupo de autarquias. Não tendo, sequer, o regime jurídico das entidades intermunicipais e do associativismo municipal, expresso na lei nº 75/2013, de 12 de Setembro, servido como pedrada no charco do pântano político que se foi estabelecendo.

Num documento agora vindo a público pela mão de uma trabalhadora da Assembleia Distrital de Lisboa, membro da Comissão Nacional de Trabalhadores das Assembleias Distritais – e também ela com salários em atraso desde Agosto deste ano – podemos verificar que:


  •  Das 18 Assembleias Distritais previstas no artigo 291º da Constituição, dez já não possuem serviços ou pessoal – Aveiro, Braga, Bragança, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Portalegre e Viana do Castelo -, sendo que o seu órgão deliberativo não reúne, na esmagadora maioria destas ADs há mais de 20 anos!
  • · Quanto às 8 restantes – Beja, Castelo Branco, Lisboa, Porto, Santarém, Setúbal, Vila Real e Viseu -, 3 delas reúnem regularmente – Beja, Lisboa e Setúbal – não conseguindo outras – Vila Real e Viseu - quórum mínimo há 12 anos consecutivos!
  • · Com cerca de 30 trabalhadores envolvidos, apenas 3 Assembleias Distritais mantêm serviços em actividade, dos quais destacamos:
  1. Beja, com o Museu Regional Rainha Dª Leonor
  2. Lisboa, com os Serviços de Cultura, composto por Biblioteca, Arquivo Distrital, Museu Etnográfico de Vila Franca de Xira, sector editorial e Núcleo de Investigação Arqueológica;
  3. E Setúbal, com o museu de Arqueologia e Etnografia do distrito de Setúbal.
  • · Em 5 Assembleias Distritais – Castelo Branco, Porto, Santarém, Vila Real e Viseu-, trabalham um conjunto de 8 trabalhadores, afectos ao órgão distrital respectivo.
Sendo um imperativo constitucional, só uma eventual revisão da constituição permitiria, em princípio, desactivar ou suprimir um órgão como a Assembleia Distrital. A confirmar o que dissemos no início deste artigo, a situação é, no entanto, bem diferente, tendo uma grande parte dos autarcas, pura e simplesmente, sem que houvesse qualquer discussão política pública ou de outra natureza, decidido já pelo seu enterro. Senão vejamos:
  • · De um total de 834 autarcas que fazem parte destas Assembleias Distritais – Presidentes de Câmara, Assembleias Municipais e Juntas de Freguesia – cerca de 83% já há muito que se desinteressaram pelo funcionamento do respectivo órgão distrital;
  • · Sendo que 53% corresponde ao número total de autarcas que integra as Assembleias Distritais que, de momento, se encontram completamente desactivadas, isto é, sem serviços nem pessoal, mesmo que por vezes o órgão deliberativo seja ressuscitado, só para fazer prova de vida, como são os casos de Aveiro (57), Braga (42), Bragança (36), Coimbra (51), Évora (42), Faro (48), Guarda (42), Leiria (48), Portalegre (45) e Viana do Castelo (30);
  • · Não tendo serviços a funcionar, nem reunindo o órgão deliberativo por falta de quórum, mas garantindo os salários dos funcionários, estão os 114 autarcas (14%) que integram as Assembleias Distritais de Vila Real e de Viseu;
  • · Quanto aos 131 autarcas (16%) que faltam sistematicamente às reuniões do órgão deliberativo, pertencem às Assembleias Distritais de Beja, Castelo Branco, Lisboa, Porto, Santarém e Setúbal.
Não se pode comparar este quadro de desleixo, oportunismo e absentismo político, demonstrativo do desprezo que a maioria esmagadora dos que foram eleitos em listas dos partidos do chamado arco parlamentar nutre pelas populações que dizem defender e representar, com os direitos dos trabalhadores que nesses órgãos continuam a exercer as suas funções com dedicação, empenho, imaginação e criatividade, essas sim ao serviço das populações do distrito correspondente.

Empenho e actividades essas que são ainda o único motivo pelo qual alguns órgãos deliberativos de Assembleias Distritais se reúnem, precisamente para darem cumprimento às exigências legais em termos de aprovação de documentos previsionais e de prestação de contas e que possuem um património predial e cultural que estão obrigados a preservar, bem como trabalhadores cujos direitos urge e se impõe respeitar.

É, pois, ao arrepio de direitos constitucionalmente consagrados, de normas da constituição quanto à associação entre municípios que, a golpe, se pretendem suprimir, que existem vários presidentes de Câmara a não autorizarem, de forma ditatorial e contra a lei, o pagamento das contribuições a que estão legalmente obrigadas e que, entre outras despesas, se destinam a suprir os salários dos trabalhadores desses órgãos, alguns deles com salários em atraso desde Agosto do corrente ano!

O caso de Lisboa e das posições de António Costa, já por nós denunciadas noutro artigo, é o mais paradigmático. A Assembleia Distrital de Lisboa, para além de ter sido obrigada, nos últimos 5 anos, a suspender quase todas as actividades dos seus Serviços de Cultura, deixou de ter dinheiro para a partir de Agosto assumir os seus encargos com os trabalhadores – 3 técnicos superiores e 1 assistente técnico.

Isto porque, como então denunciámos, a Câmara Municipal de Lisboa, por determinação expressa de António Costa, deixou de pagar a sua quota de 4.480€ mensais (neste momento a dívida já ascende a cerca de 60 mil euros), apesar de no órgão executivo da Câmara ou na Assembleia Municipal o caso nunca ter sido alguma vez discutido ou apreciado. E o que faz a oposição na CML? A avaliar por uma carta endereçada pelo PCP na autarquia de Lisboa à Comissão de Trabalhadores da ADL, na qual os aconselha a enveredar pela via judicial para defender os seus interesses…NADA!

Os trabalhadores das Assembleias Distritais em todo o país já tiveram a oportunidade de verificar, por experiência própria, que endereçar cartas, reclamações, denúncias, aos partidos e autarcas das diferentes autarquias que compõem os órgãos para os quais laboram, não leva a nada que não seja a paralisia da sua justa luta e pretensão. Há que suscitar o apoio de todos os trabalhadores das Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia e Assembleias Municipais, despertando neles a consciência de que poderão vir a ser, se já não o são, o alvo da discriminação, arrogância e ilegalidade que autarcas como António Costa se tem revelado.

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