domingo, 3 de maio de 2020

A matriz ideológica dos comunistas no Século XXI




Num debate com o comunista Arnaldo Matos – este começou por descrever com eloquente precisão e clareza, e de forma cada vez mais impressiva, os elementos filosóficos e económicos essenciais que caracterizam o marxismo, e que fazem dele uma teoria científica cujo estudo e aprofundamento se impõe crescentemente. 

No supracitado debate, Arnaldo Matos recorreu à “obra-mestra” do “Manifesto do Partido Comunista” para demonstrar como se pode encontrar no que Marx ali nos deixou escrito a resposta para as questões novas suscitadas pelo reexame mais profundo das causas do fracasso da revolução russa e chinesa – e que, de acordo com a posição precursora explanada pela primeira vez por ele na sua obra, as “Teses da Urgeiriça”, se prende com a respectiva natureza de classe (burguesa) daquelas revoluções – e da questão nacional.

Segundo nos explicou Arnaldo Matos, durante o debate que se seguiu à projecção do filme “O jovem Karl Marx” – levada a cabo no âmbito da comemoração do bicentenário do nascimento de Karl Marx – é imperioso um combate sem tréguas aos revisionistas que, sobre esta questão tentam apropriar-se “sem qualquer tipo de vergonha” das teses de Marx sobre a luta por uma sociedade sem exploração do homem pelo homem – que para nós, comunistas, corresponde a uma sociedade sem classes e à instauração do modo de produção comunista, só atingível pela força das armas – para defenderem a sua teses reaccionárias e oportunistas de que estaremos numa fase que acaba na democracia avançada, isto é, na continuação e permanência da exploração dos operários.

Na referida sessão/debate,  Arnaldo Matos voltou a debruçar-se sobre uma das questões mais importantes que abordou nas Teses da Urgeiriça – qual a razão por que a revolução russa de 1917 estava condenada a fracassar e as sociedades que sugiram nos países ditos socialistas não foram  mais do que formas de capitalismo monopolista de estado e de ditaduras social-fascistas sobre os respectivos povos?, questionando-se sobre quais os erros que Lenine porventura  não teria conseguido evitar na primeira experiência revolucionária proletária ocorrida depois da Comuna de Paris.

Com a clareza que lhe era habitual, Arnaldo Matos afirmou que nem Marx, nem Engels, alguma vez se haviam referido a uma fase intermédia, que Lenine havia designado por socialismo, uma fase entre a destruição do capitalismo e a instauração da sociedade e do modo de produção comunistas, como também nunca propuseram em qualquer dos seus escritos uma aliança entre a classe operária e os camponeses, sobretudo os pequenos proprietários de terra.

Marx e Engels sempre defenderam a ditadura do proletariado num curto período precedente da sociedade sem classes, comunista. Foi exaustiva, aliás, a forma como explicaram que, após a revolução comunista e para que se conseguisse impor o modo de produção e as relações de produção comunistas, continuando a haver classes e luta de classes durante um certo período de tempo, era necessário um Estado que assegurasse os interesses da classe operária vitoriosa sobre o capitalismo e os capitalistas derrotados.

Um período que, segundo Marx e Engels teria de ser o mais curto possível, até dar lugar à “devanescência” do Estado porque, em virtude  da consolidação da sociedade comunista, terem deixado de existir classes e luta de classes e , consequentemente, teria deixado de ser necessário um estado como instrumento da ditadura de uma classe sobre outra.

Assente numa sólida fundamentação teórica e prática, fruto do seu profundo conhecimento do movimento operário – nacional e internacional – Arnaldo Matos deixou-nos importantes sínteses do pensamento marxista, seguindo sempre a tese primeira do materialismo dialéctico de que é o movimento que precede as ideias e de que as ideias procedem do movimento:

·         Quanto à questão nacional, lapidarmente reexaminada à luz do que Marx já expunha no “Manifesto do Partido Comunista” – designadamente no Capítulo II, Proletários e Comunistas, a folhas 78 da edição da Editora Bandeira Vermelha, : “que os operários NÃO TÊM PÁTRIA e que, embora a luta do proletariado revista inicialmente a forma de luta nacional – tornar-se ele mesmo nação, posto que, de maneira nenhuma, no sentido burguês da palavra”
·         Por essa razão, referiu Arnaldo Matos a este propósito, os comunistas, os marxistas, não devem prosseguir a ideia errada de que existem nações opressoras e nações oprimidas mas tão somente, no contexto da globalização do capitalismo e do imperialismo – seu estádio supremo -, uma classe capitalista exploradora e uma classe oprimida explorada.
·         À luz deste pressuposto, Arnaldo Matos concluiu não ter sido correcta a palavra de ordem formulada durante a presidência de Mao, que sustentou a teoria dos 3 Mundos: Proletários de todos os países, povos e nações oprimidas de todo o mundo, uni-vos!, que levou a classe operária a apoiar ou a colocar-se do lado das “suas” burguesias nas nações ditas oprimidas do terceiro mundo.
·         Estes pressupostos são tão ou mais importantes quando, como alertou Arnaldo Matos, existe “a emergência de uma nova guerra mundial imperialista,”  laboriosamente preparada há muitos anos, como o demonstra a ocorrência de mais de duzentas guerras regionais, colocando-se, mais do que nunca, a necessidade de o proletariado de todos os países – todos eles imperialistas nos dias que correm – adoptar a “única táctica correcta e de acordo com o marxismo, de transformar essa guerra imperialista numa guerra cívil revolucionária” , que tenha por objectivo a destruição do modo de produção capitalista e o seu regime de escravidão assalariada e a instauração do modo de produção comunista e da sociedade comunista.
·         Sociedade e modo de produção comunistas onde terá de deixar de existir o salário – como forma de capital (o capital-salário) – para emergir o princípio de que, tendo todos que trabalhar, a cada um será pedido que o faça em conformidade com as suas capacidades e a cada um será dado consoante as suas necessidades.

Posto isto, há que isolar sem demoras a corrente oportunista e liquidacionista que no seio do movimento comunista em Portugal – e em todo o mundo -, decidiu, agora, abrir uma nova “frente de luta” contra a esquerda no seu seio: A frente ideológica! Querendo com tal manobra colocar em causa os ensinamentos que Arnaldo Matos nos deixou, particularmente os que consubstanciam as Teses da Urgeiriça e as intervenções de que aqui damos conta.

Apesar de Arnaldo Matos nos ter por mais de uma vez explicado porque é que devíamos voltar a Marx e as razões pelas quais falharam as experiências revolucionárias de Outubro de 1917 na Rússia, e da Democracia Nova na China, em 1949, vem agora a linha oportunista e liquidacionista questionar se o movimento comunista que está na génese de um verdadeiro Partido Comunista Operário deve deixar de ser marxista-leninista-maoísta.

Numa intervenção ocorrida a 2 de Dezembro de 2017, no âmbito das comemorações da Revolução de Outubro e após a projecção do filme “O Couraçado Potemkin”, de Sergei Eisenstein (1925), Arnaldo Matos não podia ter sido mais claro quanto a esta questão quando afirmou claramente que:

“...precisamos de um Partido que organize a nossa classe operária, nos termos marxistas, isto é, Proletários de todos os países, uni-vos! É essa a palavra de ordem. Não é proletários, nações oprimidas, e não sei quê... Não! Isso está errado! Vamos mudar, mas vamos mudar quando chegar a altura, quando tivermos um jornal novo para sair. Vamos mudar, e vai ficar lá o que Marx nos ensinou: Proletários de todos os países, uni-vos!”

“Contra o imperialismo, não é só o imperialismo americano, é todos os imperialistas. E Portugal é um país imperialista. Pequeno, mas é um país imperialista. Vão-se habituar às ideias, vão desenvolvendo as ideias, ponham-se a estudar como deve ser, senão um dia destes, a gente morre todos aqui, sem ter deixado nada que prestasse para salvar os nossos netos, os nossos bisnetos, o futuro do nosso país. Temos muito que fazer!”

“Os oportunistas, foi chão que deu uvas. E eles ainda têm aqui dentro representantes, e tal, já sei disso – sei muito bem disso. Mas não vão ganhar. Nem sequer lhes passo bilhete. Quem vai ganhar são os comunistas, que vão estudar Marx, que vão aplicar Marx às condições actuais do mundo, e vão obter vitórias.”

“Não tenham dúvidas quanto a isso. E quanto à guerra, tira-se o chapéu, esperem por ela. Ela está ao abrir da porta. Um dia, os senhores abrem aquela porta, e ela entra pela porta dentro.”

Voltar a Marx significa que, apesar dos importantes e reconhecidos contributos que deram para o movimento comunista internacional, que nenhum comunista pode renegar, nem Lenine, nem Mao, foram verdadeiramente responsáveis por desenvolvimentos do marxismo. Tentaram, isso sim, “aplicar Marx às condições” da Rússia de 1917 e da China de 1949, apesar dos erros que Arnaldo Matos lhes apontou por mais do que uma ocasião.

Nas vésperas de um importante Congresso onde os comunistas portugueses terão a oportunidade de clarificar os campos – o campo do marxismo contra o campo do oportunismo -  Arnaldo Matos teria desejado ver esclarecido que a matriz ideológica de um Partido Comunista Operário é o marxismo, a única matriz a seguir para assegurar o sucesso da Revolução comunista, operária.

Não compreender que a consigna pela qual os comunistas portugueses e em todo o mundo se devem bater – Proletários de Todos os Países, Uni-vos!,  significa uma miserável traição aos ensinamentos que Arnaldo Matos nos deixou, muito particularmente aqueles que estão presentes nas suas “Teses da Urgeiriça” e revelam a preguiça congénita da linha oportunista e liquidacionista no seio do movimento comunista português e internacional em estudar e discutir Marx.


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