Por Khider Mesloub.
A pandemia de coronavírus trouxe para a boca de cena o
terror da morte. O reinado da morte. Mas também a morte do reino. Hoje, a sociedade
está aterrorizada. Graças à toda poderosa comunicação social, o terror foi
instigado em todos os países, lares e corações. O terror da morte invadiu todos
os cantos da vida. O terror governa a existência. Entramos na era do terror.
Terror do estado, da polícia. O terror do desemprego, da escassez, da miséria.
O terror do vírus. O terror da morte invadiu o mundo inteiro.
Nesta sociedade individualista, cada pessoa era vista como
um obstáculo ao florescimento da liberdade de todos, uma ameaça ao
desenvolvimento desenfreado dos desejos egoístas e egoísticos de todos. O
espírito de cooperação colectiva já havia sido pulverizado há muito tempo pelo
capitalismo concorrencial. Hoje, com a crise sanitária de Covid-19, tudo
acontece como se o capitalismo estivesse em putrefacção, presa de protestos
sociais colectivos, confrontado com o retorno do espírito de fraternidade
expresso nos recentes movimentos de luta maciça realizados por indivíduos em
busca dos ideais comunitários e federativos universais, a precisar desta pandemia
para perpetuar o reinado do seu sistema individualista. O reino de cada qual
por si mesmo. O reinado de cada qual em sua casa. Longe das agitações políticas
e sociais cultivadas com paixão nestes últimos anos por uma humilde humanidade oprimida
regenerada, sublevada contra um sistema sanguinário e degenerado.
Contra toda a onda de solidariedade e o espírito colectivo
de luta, nestes últimos anos em plena fermentação, não há nada melhor do que a
política de disseminação do terror para quebrar essa dinâmica cooperativa
mundial revolucionária. De Argel a Paris, de Beirute a Hong Kong, o espaço
público nunca havia sido ocupado concomitantemente com tanto zelo
revolucionário, determinação enérgica por transformação social, resolução de
convulsão política, vontade popular de emancipação humana. Nunca a morte do
reinado dos poderosos foi expressa com tanta exaltação popular. Os poderosos
nunca viram a morte do seu poder com tanto terror. Mas, graças ao aparecimento
do coronavírus, os governantes decidiram vingar-se. Defender a sua ordem estabelecida, os seus
interesses, os seus privilégios, mesmo por meio do terror. A disseminação do
coronavírus, ilustrada pela sua falta de reacção antecipada e a sua incúria de
gestão sanitária. A acreditar que a propagação da epidemia soluciona os seus
negócios, serve os seus interesses.
Em período de fim de reinado das classes dominantes, como o
que vive actualmente a burguesia presa do colapso do seu sistema económico, o
terror é um complemento essencial para perpetuar o seu domínio vacilante. E a aparição
do coronavírus é a oportunidade inesperada de estimular esse movimento
generalizado de terror, o início da transição para o totalitarismo estatal.
Hoje, graças à pandemia, estamos a testemunhar a
transformação da democracia liberal em "tirania sanitária", com o
objectivo de construir o estado capitalista totalitário apresentado, neste
contexto de crise e de terror, como o salvador supremo.
A guerra sempre foi uma fonte de terror. Não é inocente que
a luta contra o novo "abençoado" vírus tenha sido colocada sob os
auspícios da guerra por todos os estados. Simbolicamente, esse coronavírus
incorpora, para as classes dominantes, o seu eterno inimigo mortal: o
proletariado viral e letal, positivamente contaminado pela rebelião contagiosa.
Isso explica a retórica de guerra proferida no anúncio da disseminação do
coronavírus, resumida nesta sentença martelada por todos os chefes de Estado:
"Nós estamos em guerra". Contra o amigo deles, o coronavírus, ou o inimigo, o proletariado? Ora, contra um vírus, lutamos pacificamente, de maneira organizada e disciplinada, com as armas da ciência e da medicina, além de equipamentos sanitários, hoje em falta em todo o lado. Não com as armas do terror propagadas mecanicamente contra o povo, com a intenção de paralisar a sua vontade de autodefesa. O uso pelos governantes de uma linguagem bélica serve para compensar a ausência de meios médicos. Ou melhor, aterrorizar as pessoas para lhe retirar qualquer veleidade de auto-organização. Para recuperar o controle das instituições estatais duramente contestadas pelo povo nos últimos anos. Para se assegurar com custos baixos de uma cura de rejuvenescimento político, redourar o seu brasão moral denegrido. E, consequentemente, fortalecer o seu poder, re-mobilizar o povo numa união nacional propícia à restauração da paz social e à perpetuação do poder dos poderosos.
Além disso, a guerra nunca foi a expressão de uma
fraternidade, mas o símbolo da violência. Ela nunca foi um fermento de
solidariedade internacional, mas o vector de barbárie universal, do qual vemos
os primeiros sinais neste mundo assolado por tensões nacionalistas. Toda essa
retórica belicosa dos governantes trai o seu verdadeiro motivo. Os governantes
não estão em guerra com o vírus. A prova: todos os estados são incapazes de
alinhar, num espírito de solidariedade internacional, munições médicas e
exércitos médicos para lutar contra o coronavírus. Esses instrumentos de saúde
que eles desmontaram e sacrificaram em nome da austeridade orçamental. A
guerra, hoje, fazem-na apenas contra as suas populações, que confinaram como
vítimas da peste. Na verdade, nestes tempos difíceis, as classes dominantes
estão numa guerra profiláctica contra os povos, estes últimos anos também
"infectados" com o vírus da rebelião, segundo os poderosos. Como
prova, desde o surgimento da pandemia , surfando habilmente sobre a emoção e o
espanto despertados pelo terror da morte emboscada por detrás de cada possível
portador do coronavírus, os governos não pararam de impor medidas repressivas,
decretadas ao abrigo da gestão sanitária. Os governantes parecem não aplicar as
restrições inerentes à contenção: eles trabalham no duro para retirar os nossos
direitos, guilhotinar as nossas condições sociais, antes de sacrificar as nossas
vidas na próxima iminente conflagração militar mundial, para impor a sua nova (
des) ordem mundial pelo terror.
Essa "aterrorização democrática" é a
última forma de dominação de classe. A democracia não é uma abstracção moral,
mas um modo de regular o capitalismo. Hoje, ele prova isso pela metamorfose do
seu paradigma de regulação social e política. As leis de emergência são
amplamente adoptadas sob o pretexto de combater o coronavírus. O endurecimento
do arsenal jurídico é acompanhado por um aumento da repressão policial da
população, que por ser infantilizada, é criminalizada. Estamos a testemunhar o
fortalecimento autoritário da sociedade, parte de uma estratégia de controle
social totalitário, sob o disfarce da gestão sanitária.
Mas estas medidas repressivas e estas leis anti-sociais,
longe de se revelar "antidemocráticas", participam pelo contrário no
bom funcionamento da democracia capitalista, baseada na exploração do trabalho
e na representação parlamentar. Eles fazem parte de uma lógica repressiva
global. Como prova: todas essas medidas repressivas e anti-sociais são votadas
democraticamente por representantes eleitos pelos "cidadãos". A
democracia ditatorial é a última forma séria de dominação política, operada na
fase final do capitalismo num estado de apoplexia produtiva.
A amplificação da repressão não releva do fascismo, mas mais
prosaicamente do exercício normalizado da democracia. A perpetuação de uma
classe de exploradores e representantes políticos induz
"naturalmente" a repressão das classes populares e as agitações
sociais. O totalitarismo actual faz parte da lógica democrática burguesa. Não
existe um estado com rosto humano e o estado de direito é uma farsa. O objectivo
de todo o poder não é proteger as liberdades, o povo, mas trabalhar, mesmo com
terror, para mantê-lo e perpetuá-lo.
Além disso, o "terror pelo vírus", destilado no
corpo da sociedade e na cabeça da população, faz parte do programa da teoria do caos desenvolvida nos
laboratórios dos Estados em guerra contra as classes dominadas. Diante da
propagação do terror da morte, histericamente disseminada pela comunicação
social às ordens, a única vacina capaz de apaziguar o medo das pessoas
atordoadas e feridas, susceptível de oferecer socorro e protecção, deve ser
fornecida pelo Estado providencial, proclamam em uníssono os clérigos do
sistema. Depois de uma fase de desestabilização do estado, graças ao clima de
Apocalipse complacentemente alimentado pelas classes dominantes, estamos a
testemunhar hoje a deificação do estado, a sacralização deste salvador supremo,
último bastião dos poderosos . Os povos ficarão eternamente em dívida com o
Estado protector personificado pelas classes dominantes, os eternos detentores
do poder. Os poderosos parecem ter sucesso na sua missão: prender as populações
assustadas e atordoadas à carruagem do estado dos ricos, esse bom samaritano
que ama o "seu" povo como o seu cofre-forte e o sustenta como a corda
suporta o enforcado.
Mas hoje, após o espanto, propício à submissão aos
poderosos, deve chegar o momento da reflexão para entender esse fenómeno de
governança pelo terror, que permite aos estados reduzir as liberdades
individuais e fortalecer a repressão dos movimentos sociais, sob o pretexto da
luta contra o Covid-19.
Mesloub Khider
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