segunda-feira, 4 de março de 2013

"A Grécia deve suspender unilateralmente o pagamento da sua dívida"


Foi esta a conclusão a que Éric Toussaint chegou na entrevista conduzida por Tassos Tsakiroglou, publicada no CADTM,  que deu lugar ao título desta nota.

“Na Grécia, a classe dirigente e os governantes destroem a democracia”, afirmou, também, em declarações ao diário grego “Ef. Syn.”, Éric Toussaint, professor de ciência política e activista. Na sua opinião, só um governo determinado, que se apoie no povo, poderá obter uma solução para o problema da dívida. Em seu entender, a SYRIZA não deve assumir uma posição moderada.

Reproduz-se, então, a supracitada entrevista para que os leitores possam tirar as suas conclusões e incorporar algumas das teses defendidas por Éric Toussaint na sua acção:



Pergunta -  A Grécia parece estar no centro da crise da dívida. Disse que o povo grego, estando no centro da crise, está também no epicentro da solução para essa crise. O que quer dizer com isto?

Éric Toussaint - É claro que toda a Europa vive uma crise profunda. A classe capitalista e a Comissão Europeia, que actua em seu nome, desencadearam um terrível ataque contra o povo. A Grécia está no centro dessa crise, mas também no centro da resistência a esse ataque. Países como a Irlanda, Portugal e Espanha, mas também a Roménia e a Bulgária, etc, são vítimas desse ataque.

No entanto, a Grécia está no centro porque representa o início de uma nova fase da crise, devido à implementação do memorando de entendimento, em Maio de 2010, mas também devido à resistência do povo grego. Estou ao corrente do que se passou na última greve geral de 20 de Fevereiro 2013, que foi muito importante. Milhões de pessoas em toda a Europa e noutros continentes seguem atentamente as formas de resistência da Grécia. Fazemos todos os esforços para promover uma cooperação pan-europeia entre os movimentos de luta, a fim de construir uma ampla resistência capaz de virar a maré. É muito difícil que os cidadãos de um país enfrentem sozinhos o ataque.

Pergunta - No momento, não se vê essa tal forma de cooperação.

Éric Toussaint - É por essa razão que devemos estar preocupados. No entanto, existem muitas tentativas no sentido de tornar essa cooperação bem-sucedida. Por exemplo, a Confederação Europeia de Sindicatos trabalha nesse sentido, mas não é suficiente. Teremos manifestações em toda a Europa a 13 e 14 de Março de 2013. Espero que tenham sucesso, mas não é suficiente.

Pergunta - Na Grécia, estamos perante uma situação política muito precária, com vários cenários possíveis. Vive-se sob um governo cada vez mais autoritário, que multiplica golpes de estado parlamentares e usa sistematicamente a repressão contra movimentos sociais. Ao mesmo tempo, é possível que a SYRIZA se torne o primeiro partido nas próximas eleições. Como vê as coisas?


Éric Toussaint - Os gregos têm pela frente um grande desafio. Concordo consigo que na Grécia as classes dirigentes e os governos destroem a democracia a vários níveis. Não respeitam o voto do povo, impuseram memorandos de entendimento e tratados sem consultarem o povo, degradam o poder legislativo e tentam destruir a capacidade de a classe trabalhadora negociar colectivamente. Por isso, os gregos enfrentam um grande desafio e, de facto, a capacidade de a SYRIZA dar uma resposta verdadeiramente radical a esse ataque é crucial. Se a SYRIZA adoptar políticas e propostas mais moderadas, as consequências que daí advirão podem ser enormes.

Pergunta - Ultimamente, muitos afirmam que a SYRIZA tenta adoptar posições mais moderadas.

Éric Toussaint - Eu espero que a SYRIZA radicalize a sua posição. Se a SYRIZA conseguir formar o próximo governo, seria muito importante, por exemplo, suspender unilateralmente o pagamento da dívida.

Pergunta - Considera que é realista fazê-lo?

Éric Toussaint - Eu acho que é absolutamente imperativo mudar a correlação de forças. Se o governo não tomar uma posição de combate e se contentar em dizer ‘queremos renegociar’, será muito difícil impor aos credores uma solução que inclua os interesses das massas populares. Se começar uma negociação sem alterar a relação de forças, não obterá uma solução realmente positiva. É, por essa razão, que deve, em primeiro lugar, optar pelo incumprimento do pagamento, os credores serão assim forçados a solicitar a abertura de negociações. Para suspender o pagamento, é preciso o apoio do povo, como se provou no caso do Equador e da Argentina. Apenas um governo determinado o poderá fazer.

Pergunta - Vivemos uma fase de eliminação de bens comuns com a privatização da saúde, da educação e da maioria das empresas e serviços públicos. Quais são as consequências?

Éric Toussaint - Há uma degradação significativa das condições de vida da maioria da população. É claro que, com esses ataques, a classe capitalista quer destruir o que foi construído após a Segunda Guerra Mundial com a vitória sobre o nazismo e o fascismo na Europa. É uma oportunidade histórica para a classe capitalista, que vê nesta crise uma excelente ocasião para realizar o sonho de triunfar perante todas as conquistas populares.

Pergunta - Qual a mensagem que pretende enviar aos gregos?

Éric Toussaint - Em primeiro lugar, é preciso que o movimento social pan-europeu se fortaleça. Isto exige uma acção coordenada com o povo grego. A questão não se limita à solidariedade com o povo grego. O desafio é ser capaz de lutar em conjunto, porque há outros povos na Europa a sofrer. As circunstâncias podem ser diferentes, mas eles são vítimas do mesmo ataque. E nós não podemos enfrentar esse ataque se não unirmos todas as forças do continente no sentido de se alcançar uma mudança radical. A minha mensagem é que nos devemos unir e que todos os nossos esforços devem convergir nessa direcção.


A entrevista original foi publicada em 23 de Fevereiro de 2013 pelo diário grego “efsyn” http://www.efsyn.gr/?p=25897

Éric Toussaint, professor de ciência política na Universidade de Liége, é Presidente do CADTM, Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, e membro do conselho científico da ATTAC França. Em 2007, foi nomeado pelo presidente do Equador, Rafael Correa, membro da Comissão de Auditoria à Dívida Pública interna e externa do país.

1 comentário:

  1. Eu, aqui do Brasil, admiro e faço votos que sejam ouvidas as posições defendidas pelo senhor Éric Toussaint. A posição da Comunidade Econômica Européia, sua famigerada Tóika e dos governos à ela subservientes é tão radical que esta fazendo se erguer o povo, então não serão posições reformistas suficientes para defender as populações que estão a ver seus direitos violados

    É preciso inverter a lógica de pensamento político nas negociações.

    Tenho dito, na qualidade de simples cidadão brasileiro, que precisamos resgatar em nossas sociedades o Logos da Posteridade, enquanto apenas pensarmos em sermos prósperos sempre haverá miséria, pobreza, desigualdade e injustiça.

    Carlinhos de Moraes, São Paulo Brasil.

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