Haverá um momento em que a burguesia, os grandes grupos
financeiros e bancários, as grandes corporações, quer as nacionais, quer as
estrangeiras, que têm interesses no
saque do do nosso país, como sempre o
fez no passado, chamará o PS a servir de “bombeiro voluntário” para apagar o
fogo da revolução que inexorávelmente se agiganta e se torna incontrolável.
As “bombas de profundidade” que o porta-aviões da contra-revolução
vai lançando nas águas revoltas da resistência e da luta têm demonstrado uma
ineficácia exasperante para quem sobrevive à custa de um sistema que assenta na
exploração do homem pelo homem. Desde a teoria de que o povo português andou a
viver “acima das suas possibilidades”, até às sucessivas tentativas de
manipulação da “opinião pública” e da “opinião publicada”, de que fazer greves
não faz sentido, chegando ao desplante de as classificar como indutoras de
fracturas e divisões entre trabalhadores, de todo o tipo de manobras já lançou
mão a burguesia.
O que está a desesperar a burguesia é a constatação de que, os
únicos sacrifícios que, ao longo de séculos de luta, os operários e os
trabalhadores em geral, estão dispostos a fazer, não são os de pagar dívidas
que constituem autênticas rendas no processo de acumulação capitalista, mas unicamente aqueles que poderão redundar em conquistas e satisfação das suas
necessidades.
Quando alguém se insurge contra as greves ou as considera
“desadequadas”, só um argumento pode ser contraposto: ser contra as greves ou a
sua “oportunidade”, ser contra a violência que lhes está na génese, ou,
genericamente, contra as lutas dos trabalhadores, não se compagina com o facto
de hoje os trabalhadores auferirem de um 13º e 14º mês de salário, da semana de
40 horas de trabalho, do direito ao subsídio de doença e ao subsídio de
desemprego,do fim-de-semana de descanso e do período de férias de 30 dias! É
que, não fossem as lutas duras e prolongadas levadas a cabo pelos trabalhadores,
muitas delas travadas em cenário de recessão e crise piores ou idênticas à que
atravessamos, e os operários e os trabalhadores, em Portugal e nos países ditos evoluídos recuaria ao período pós revoluções industriais ou, pior do que isso,
à escravatura feudal ou das formações pré-capitalistas.
É por isso que, com roupagens mais “reformistas” ou mais
“agressivas” e, até, “revolucionárias”, nestes períodos aparecem sempre aqueles
que advogam que greves gerais nacionais não produzem os resultados esperados,
visto que os trabalhadores estão fragilizados e não poderão aguentar o impacto
económico que tal tipo de luta acarreta, para mais num cenário de profunda
crise do capitalismo. Ora, isso demonstra um profundo desconhecimento, quer da
história, quer da vontade, empenho e combatividade que os trabalhadores
demonstram para lutar.
Da história, porque os operários e os trabalhadores que lutaram
para conquistar a semana das 40 horas e
todos os direitos acima elencados, trabalhavam em condições muito mais duras do
que as actuais, alinhavam em frente às fábricas à espera de terem a “sorte” de
naquele dia haver trabalho para si, enredados numa teia generalizada de
desemprego produzida pela migração dos campos para as cidades que as revoluções
industriais produziram, ao libertarem os servos da gleba do senhor feudal para
poderem dispôr da única mercadoria de que dispunham – a sua força de trabalho –
para o patrão da indústria ou para o burguês mercantilista.
Do empenho, vontade e disponibilidade para lutar dos trabalhadores,
porque greves como a dos mineiros das Astúrias dos operários da Ford na
Bélgica, dos trabalhadores do Metro, da CP e dos transportes públicos em geral
em Portugal, entre centenas de muitas outras lutas que se desenrolam neste
preciso momento em toda a Europa , como é a
paradigmática sucessão de greves gerais na Grécia, reveladora dos
sacrifícios que a classe operária e os trabalhadores gregos estão, tal como os
seus irmãos de classe portugueses, dispostos a fazer para se libertarem do jugo
do capital, são suficientes para demonstrar que o que acima se afirma é justo e
correcto de defender.
Os mesmos que, numa vã tentativa de desmobilizar a luta dos
trabalhadores e do povo para derrubar este governo de traição nacional PSD/CDS,
“anunciam” do alto da sua cátedra que manifestações não derrubam governos, algo
que, segundo estes “opinadores”, só ocorrerá em 2015 quando, no âmbito do calendário
eleitoral previsto, tiverem lugar novas eleições parlamentares. Os mesmos que
“anunciam”que as condições que actualmente se vivem em Portugal não são as
mesmas que levaram a outras revoluções, pelo que o melhor será a classe
operária, os trabalhadores, ficarem muito quietinhos à espera de um qualquer D.
Sebastião ou à espera de que, por “geração espontânea”, surjam as condições
para uma qualquer “ruptura” revolucionária!
Vejamos! Estamos de acordo que não estamos em 1917. Muito menos
na Rússia bolchevique. Donde, as condições revolucionárias da época e do local
não são as mesmas que vivenciamos no nosso país, na actualidade. Tão pouco o
estadio sócio-económico é o mesmo! Na Rússia predominava o feudalismo, a
indústria era obsoleta e pouco competitiva, a ditadura czarista era sangrenta,
enquanto em Portugal, o sistema político é, pelo menos formalmente, uma democracia
(burguesa), o sistema capitalista, apesar de incipiente e assente na lógica de
uma burguesia “compradora” e parasitária , que vive, essencialmente, da relação
de dependência total ao capital exterior e se sujeita a ser complementar e
marginal, sem uma estratégia independente - como, por exemplo, a que a
burguesia espanhola possui e se expressa no facto de ter um sector industrial
produtor de bens de equipamento, uma indústria pesada relativamente forte no
contexto europeu e, até, no contexto de mercados como o sul-americano e um
sector financeiro com relativo peso-, predomina nas relações económicas,seja
nos sectores primários como a agricultura, seja nos industriais ou terciários.
Virtude do processo de adesão, primeiro à CEE e, depois, aos
tratados a que sucessivos governos PS e PSD, por vezes com o CDS pela trela,
sujeitaram o nosso país em relação à UE (que não passa de um Comité de Negócios
para as grandes potências financeiras e industriais europeias, com a Alemanha à
cabeça), o já de si frágil tecido produtivo português foi sistematicamente destruído – siderurgia, que alimentava, entre outros produtos industriais, a
chapa de laminagem a frio para a indústria naval, metalomecânica e metalurgia,
indústria naval, agricultura e pescas, e por aí fora.
Mas, não foi uma destruição qualquer. Foi cirúrgica, beneficiou
o “lobby” da agricultura francês, o “lobby” espanhol das pescas e a poderosa
indústria germânica. E, em Portugal, agravou as condições de “parasitagem” de
largos sectores da burguesia “compradora” e marginal que aceitaram destruir
essa capacidade produtiva em troca dos milionários subsídios. Num primeiro
momento, para compensar os efeitos desta clivagem, a Europa “encheu-nos” de
fundos para construir infraestruturas que, fundamentalmente, facilitassem a
circulação de mercadorias dos países dominantes para o seu novo protectorado,
Portugal.
Ora, se em 1974 existia uma vasta e aguerrida classe operária
(lembram-se das cinturas industriais de Lisboa e do Porto?), um vasto sector de
assalariados rurais (lembram-se do celeiro de Portugal, o Alentejo?) e um
influente sector de pequenos proprietários rurais que deveriam ter sido a base
de uma forte aliança operária-camponesa, base nuclear para uma revolução
socialista, não menos certo é que, forças que se reclamavam do marxismo e até
do comunismo, desviaram esta aliança estratégica fundamental para uma aliança
Povo/MFA desastrosa, caminho esse que redundou na contra-revolução que se
seguiu. E o argumento foi exactamente o mesmo que hoje se utiliza: é preciso
ter calma, é preciso não assustar, nem estimular o medo que largos sectores da
pequena burguesia alimentam face à revolução e à proletarização de que estão
ameaçadas.
Bem, chegados a este ponto, já dá para compreender, sem se ser
muito exaustivo, que nestas cerca de quatro décadas, muitas alterações se
produziram na sociedade portuguesa e na composição e interesses de classe que
nela subsistem. Desde logo uma diminuição abrupta do peso demográfico da classe
operária e dos assalariados rurais e um crescendo da pequena-burguesia –
técnicos especializados, funcionários administrativos, etc. A própria burguesia
sofreu alterações de peso. A burguesia nacional “compradora” que tem nos
Belmiros, nos donos do Pingo Doce, etc., os seus expoentes máximos, já não está
tão ligada a áreas da produção, mas sim às áreas da “transacção”. O sector da
burguesia nacional, com interesses autónomos face aos grandes grupos económicos
e financeiros estrangeiros, patriótica, tem cada vez menor peso.
Claro que este alinhamento de classes, conjugado com o facto de, destruído o nosso tecido produtivo, termos hoje de importar mais de 80% daquilo
que consumimos ou de que necessitamos para gerar economia, iria,
paulatinamente, agravar as condições de endividamento do nosso país. E se, nos
primeiros tempos de “casamento” com a UE, porque os fluxos de subsídios eram
abundantes, não se fez sentir a dívida e a crise, eis quando, senão, mercê de
condicionalismos externos – o rebentamento da “bolha” imobiliária que inundou
de lixo financeiro altamente tóxico os “mercados” de capitais, levando à
falência da banca - e dos internos - a nossa incipiente indústria não encontra
espaço europeu para se expandir e o acesso ao crédito e ao financiamento foram
altamente restringidos -, fez implodir uma crise sem precedentes no nosso país.
Perante esta situação, quem não perceber o novo alinhamento de
classes, dos interesses específicos que cada uma defende, a precedência de cada
uma em relação à outras, não percebeu nada! Como não entende que a relação de
forças entre essas classes e o governo que mais não é do que o “capataz” da
execução das medidas ditadas pela tróica germano-imperialista mudou! Apesar de,
do ponto de vista histórico, a base da revolução socialista continuar a ser a
classe operária e o campesinato pobre, vivemos hoje em Portugal uma nova
situação, em que é a pequena burguesia – enquanto o fenómeno da sua
“proletarização” não ocorrer, e vai ocorrer, mais tarde ou mais cedo, porque um
dos objectivos da tróica é conseguir criar “Malásias” na Europa, e Portugal e a
Grécia são “candidatos naturais” a esse desiderato – o que é certo é que a base
social da “fractura revolucionária” que se impõe actualmente é muito mais
abrangente.
Logo, o programa e os objectivos não podem ser aqueles que são
defendidos na fase das revoluções socialistas. Têm de ser objectivos que se
prendem com uma reclamação burguesa, é certo, como é a Independência Nacional
ou a retoma de bandeiras tão caras à burguesia emergente das revoluções
industriais do Sec. XIX, como sejam a Liberdade e a Democracia! Claro que, mais
avançados e adaptados à época em que nos situamos. Por exemplo, hoje é
entendível, mesmo para vastas camadas da pequena e da média burguesia
arruinadas pelas políticas “troiquistas” que, associada à necessidade do
derrube deste governo, vem a necessidade de suspender o pagamento da dívida e
do “serviço da dívida” (juros), bem como a necessidade de nacionalizar a banca
e todos os activos e empresas estratégicas que sejam a âncora para a definição
de qualquer estratégia económica independente e soberana, ao serviço do povo.
Daí que, quanto a nós, e pelas razões atrás invocadas seja um
erro propôr um “Governo de Esquerda” para a actual situação. Tal estratégia
divide mais do que une, precisamente pelos pressupostos que defendemos mais
atrás. É, aliás, interessante, verificar que são precisamente aqueles que ao
longo da actual crise mais defenderam posições recuadas como a “renegociação” e
a “reestruturação” da dívida que, agora, arvorando-se em “esquerdistas” da
última hora, venham defender uma tão aparentemente “radical” estratégia!
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