Após uma massiva campanha de publicidade em torno do
regresso de Sócrates à política – como se em alguma ocasião ele ou o fantasma
dele se tivesse dela arredado – finalmente ontem, numa chuvosa noite de primavera,
Sócrates fez a sua rentrée,
beneficiando da prestimosa ajuda da televisão pública – a RTP. A evidência
dessa entrevista foi a fraca qualidade dos solícitos entrevistadores, o que
redundou na sua incapacidade de confrontar Sócrates com questões tão certeiras
como os célebres 150 mil novos empregos que prometeu criar, quanto aos impostos
que prometeu iria baixar, sobre a aldrabice dos números relativos ao défice em
vésperas de eleições, as negociatas das parcerias público-privadas, as
recorrentes tentativas de controlada imprensa e dos serviços de informação,
movendo uma impiedosa perseguição aos adversários políticos e a todos os que
defendessem uma opinião diferente da sua.
Para os poucos que aguardavam, por entre o nevoeiro
sebastiânico, que Sócrates revelasse algo de diferente do que levou os
trabalhadores e o povo português a correr, em boa hora, com ele e o seu governo
do poder, a entrevista cirúrgicamente
planeada para branquear as suas responsabilidades no autêntico saque aos
rendimentos de quem trabalha, além de não ter alcançado os objectivos que a
burguesia e o grande capital tinham anunciado, foi esclarecedora em vários
pontos:
1. Quanto
à aceitação do princípio, que o actual governo de traição PSD/CDS prossegue, de
que a soberania nacional foi hipotecada ainda no mandato governamental de
Sócrates. O detalhe quanto às circunstâncias em que os sucessivos PEC’s foram
negociados nas costas do povo e contra este, bem como a chantagem dos mercados que determinou o PEC IV, não
podia ter sido mais cristalino. Arrogante como sempre, igual a si próprio,
especialista na mistificação e no escamotear de responsabilidades próprias que,
como sempre, nega;
2. Quanto
à aceitação do princípio de que, existindo uma dívida que redunda
essencialmente das trafulhices jurídico políticas das PPP’s e da aventura
especulativa dos bancos privados, quem a deveria pagar era o povo. Discutindo-se,
apenas e tão só, a intensidade e duração do golpe, escamoteando que é
precisamente isso que representa a afirmação de que o actual memorando nada tem
a ver com o inicialmente discutido e aceite por PS (ainda sob a vigência da
direcção de Sócrates), PSD e CDS;
3.
Assim como se tenta confundir causas com
efeitos! Bem pode Sócrates evocar a crise
internacional. Se é certo que ela influenciou o desenrolar da situação de
crise e, sobretudo, da chamada dívida
soberana, as verdadeiras causas residem na política de destruição sucessiva
do nosso tecido produtivo, levada a cabo pela política de bloco central, sustentada por PS e por PSD, por vezes com o canino
apoio do CDS, que redundou num abandono da agricultura, na destruição da frota
de pesca e da marinha mercante, no desmantelamento da nossa industria
siderurgica, metalomecânica, metalúrgica, mineira, de pescas, entre outras, e
que tenhamos, hoje, de importar mais de 80% daquilo que consumimos e do que
necessitamos para gerar economia;
4.
Escamoteando, assim, que o crescente
endividamento resultou, também, desse facto, o que beneficiou, largamente, a
agricultura francesa, a indústria de pescas espanhola e, sobretudo, a indústria
pesada alemã e os seus poderosos grupos financeiros e bancários que, a par de
dominar a política cambial do euro (que mais não é do que o marco travestido)
ao sabor dos seus interesses, vê no negócio da dívida uma excelente fonte de
rendimentos e um instrumento de domínio e ocupação de um considerável número de
países – para já os chamados elos fracos
do sistema capitalista na Europa (Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha,
Itália e, mais recentemente, o Chipre), mas, com o tempo, os tentáculos
germano-imperialistas se estender-se-ão, se não a toda, a uma esmagadora
maioria de países europeus.
O
que esta entrevista e a contratação de Sócrates como comentador político visa –
a par da escolha e promoção dos comentadores
políticos que pululam por vários canais generalistas de televisão, da rádio e
nos jornais – é assegurar que sejam somente divulgados e promovidos os pontos
de vista do bloco central, isto é, do
PS e do PSD (o CDS funcionará como mero adorno), é preparar o caminho para a pior
solução de todas para o povo português, perante a possível derrota do PSD nas
próximas eleições: a apresentação do PS como a única e credível
alternativa a este governo de traição nacional PSD/CDS ou, no caso de não obter
os votos suficientes para constituir um governo com a maioria dos deputados,
pregar desde já – e esse foi o sinal dado, quando Sócrates revelou que o único
erro que havia cometido foi o de ter aceite formar um governo minoritário – uma solução que passe pela coligação entre PS e PSD, ou seja, a solução de colocar de novo no poder os
principais responsáveis pela catástrofe a que o nosso país foi conduzido.
Não é relevante saber a que sector da burguesia e do capital
interessa este regresso sebastiânico de Sócrates. Aos trabalhadores e ao povo
não interessa certamente. A consciência dos trabalhadores e do povo português –
a quem o personagem não fez nem uma única referência ao longo da mais de hora e
meia em que vomitou desculpas e justificações
sobre as suas acções enquanto primeiro-ministro – não ficou nem um pouco enevoada
.
Nem o pai da tese
da tróica de esquerda , com esta sua rentrée politiqueira, nem o facto de
todos os órgãos de comunicação social – nas
mãos dos grandes grupos económicos e financeiros – terem dado tanto destaque a
este regresso, consegue desviar os
trabalhadores e o povo português dos objectivos e saídas que já haviam traçado.
E eles são meridianamente claros: derrubar este governo de traição nacional
PSD/CDS, expulsar a tróica germano-imperialista de Portugal, constituindo um
governo democrático patriótico que suspenda, no mínimo, o pagamento da dívida e
dos juros especulativos que lhe estão associados, promova uma intervenção
musculada na banca, nacionalize todos os activos e empresas estratégicas
públicas que, entretanto, tenham sido privatizadas, prepare o país para uma
eventual saída do euro e leve a cabo um criterioso plano de investimentos que
leve à restauração do tecido produtivo destruído, aproveitando, ainda, a nossa posição geoestratégica única para
transformar Portugal num país independente e soberano, um país que se baseie no
princípio de contar com as suas próprias forças e que saiba estabelecer
relações com outros países na base do respeito e vantagens mútuas.
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