Por
Khider
Mesloub.
Paradoxalmente, no momento em que a classe dominante
americana precisava absolutamente da confiança do povo na "Sua" polícia
para garantir a manutenção da ordem contra as inevitáveis revoltas sociais
provocadas pela crise económica e sanitária, Trump quebrou essa confiança. Numa época em que o capital
americano precisava absolutamente da união nacional para poder travar a sua
guerra contra o poder económico chinês rival, Trump torpedeava essa união
militarizada. Numa época em que a economia nacional precisava absolutamente da
submissão dos trabalhadores para fazê-los aceitar os sacrifícios inevitáveis,
Trump exponenciou o temperamento subversivo dos trabalhadores com a sua
política repressiva policial. Uma coisa é certa: Trump, através da sua
irresponsável persistência em se alienar, e a sua população ferida pela
deterioração das suas condições sociais e os seus aliados do poder, em
particular os seus seguidores do Partido Republicano e uma grande parte do
Estado-Maior General do exército corre o risco de ser, ou demitido ou morto. A
menos que esses protestos de identidade publicitados pelo Black Lives Matter (BLM:
"vidas negras importam"), instrumentalizados pela classe dominante, estabeleçam
politicamente o governo Trump pelo seu poder de dedicação e de corrupção da raiva
social, ou a facção da burguesia americana afiliada no Partido Democrata,
interessada, ela, pela perspectiva de
aliciamento eleitoralista de afro-americanos na próxima batalha eleitoral
presidencial prevista para o mês de Novembro de 2020?
Hoje, desde o assassinato de George Floyd por um policia,
nos Estados Unidos como em França, assistimos a manifestações contra as
violências policiais expressas num cenário de anti-racismo. É como se o
anti-racismo fosse usado como um instrumento de diversão política estendido
pelas classes dominantes para desviar as lutas sociais para reivindicações
estéreis de pendor racialista. No fim, em vez de denunciar as violências sociais infligidas a centenas
de milhões de pessoas, reduzidas ao desemprego ou colocados em falência, os "cidadãos"
são convidados a vituperar contra as violências policiais infligidas a algumas
dezenas de pessoas. Longe de condenar o "assassinato sanitário" de
mais de 500.000 pessoas mortas pelo coronavírus devido à negligência criminosa
dos Estados, os "povos", hoje empurrados para a miséria social,
preferem participar em festividades processionais comunitaristas organizadas
pacificamente nas ruas para culpar a brutalidade e a discriminação policiais.
Em vez de lutar contra a ameaça real de desemprego de mais de um bilião
de trabalhadores, já hoje reduzidos miséria fruto da falta de rendimentos
regulares, a população trabalhadora satisfaz-se com a batalha travada contra o
fantasmagórico racismo.
É certo que as manifestações não foram inicialmente
desencadeadas pela classe dominante. Mas rapidamente, esta conseguiu recuperar
o movimento de protesto, confinando-o à luta inter-classista do anti-racismo.
Desde então, testemunhamos a recuperação burguesa da raiva legítima dos
oprimidos. Portanto, esse movimento global de protesto não pode a priori
emprestar a via da emancipação social pelo facto da sua apropriação indevida
pela classe dominante em direcção aos caminhos lamacentos do anti-racismo, esse
avatar imortal do anti-fascismo. As mobilizações actuais de forma alguma
prefiguram o início do confronto de classes. Muito pelo contrário: essas
mobilizações racialistas constituem um freio ao amadurecimento da consciência
de classe, um obstáculo ao projecto de emancipação revolucionária proletária.
“Hoje, não é mais
apenas a luta da família Traoré, é um combate de todos vós (...). Hoje, quando
lutamos por George Floyd, lutamos por Adama Traore ", lançou Assa Traore,
irmã mais velha de Adama, frente a manifestantes que gritavam" Revolta
"ou" Todo o mundo odeia a polícia ". No meio de um estado de
emergência, mais de 20.000 pessoas puderam manifestar –se apesar da proibição
da prefeitura. Da mesma forma, nos Estados Unidos, milhares de pessoas
conseguiram manifestar-se em mais de 140 cidades sem encontrar qualquer repressão.
Era como se o governo tivesse deliberadamente permitido que as manifestações
anti-racistas prosseguissem livremente, apesar dos riscos de transmissão do
Covid-9 e dos saques ocasionados por certos manifestantes. O assalto a lojas e
a infraestruturas públicas é obra da pequena burguesia desencantada e pobre e
do lumpen-proletariado gangrenado pela delinquência e pela criminalidade.
Saques e destruição não servem os interesses do proletariado. Além disso,
devemos condenar firmemente esses costumes desonestos, estranhos à
"moral" do movimento operário, para quem cada Bem e Produto é fruto
do seu trabalho, e devem, portanto, ser preservados dos transtornos predatórios
e destrutivos do lúmpen-proletariado parasita, acima de tudo, deve ser
protegido para ser potencialmente reapropriado pelo proletariado durante sua
luta emancipatória.
Desde a morte de George Floyd, tudo o que conta na sociedade
americana de organizações associativas e políticas começou a montar o seu canhão
anti-racista. Ironia da história, todos os americanos adoptaram o símbolo da
genuflexão (um sinal religioso de submissão) para expressar a sua solidariedade
com George Floyd. No entanto, essa postura lembra estranhamente a posição
adoptada pelo policia assassino quando ele esmagou o joelho na cabeça de George
Floyd para sufocá-lo. Isso explicaria a prontidão com que muitos policias e
políticos americanos (e do mundo) adoptaram esse gesto de esmagar o joelho no
chão como uma homenagem (provavelmente restituída, como uma forma de
desrespeito, a Derek Chauvin, o policial assassino).
De forma geral, se, inicialmente, os protestos de cólera eram legitimamente justificados para denunciar o assassinato de George Floyd, as consequências dos protestos pontuadas por pilhagens, activadas sob um pano de fundo de anti-racismo de cor política inter-classista, só poderiam dificultar a acção colectiva do proletariado mundial sem cor étnica, actualmente vítima de uma dramática deterioração das suas condições de vida.
Evidentemente, essa
explosão espontânea de raiva não foi causada apenas pelo novo assassinato de um
homem negro. Essa explosão social é a expressão da dramática degradação das
condições de vida do proletariado americano. Hoje, mais de 40 milhões de
trabalhadores americanos estão desempregados, sem rendimentos, sem protecção
social e médica.
Uma coisa é certa: o foco na brutalidade policial não
perturba o sistema capitalista de forma alguma. Pelo contrário, serve como uma
saída irritada, entretenimento popular, diversão política. De facto, nessas
manifestações "anti-policial", não é a função fundamentalmente repressiva
da polícia de classe que é acusada e castigada, mas apenas os desvios racistas
de alguns policias. Ora, ironicamente, é uma aposta segura que o policia
americano, responsável pela morte de George Floyd, não seja mais racista do que
outro funcionário do estado americano, mas um policia dedicado e zeloso que
cumpriu a sua missão com as mesmas técnicas militares de neutralização
ensinadas em todas as escolas policiais dos países do mundo capitalista, em
particular a técnica mortal de placagem
ventral ou a técnica conhecida como "chave do estrangulamento".
Hoje,
a polícia tornou-se o bode expiatório oportunamente providencial para desviar a
cólera social. Esta fixação colérica obsessiva
contra polícia visa desresponsabilizar os verdadeiros culpados das medidas repressivas
sociais e políticas: os juízes que prendem de maneira discricionária e
discriminatória, os políticos e dirigentes governamentais, responsáveis pela
miséria social, os patrões, esses traficantes de escravos dos tempos modernos,
exploradores dos trabalhadores, que têm o direito de morte social sobre o
conjunto dos assalariados, os burocratas sindicais, esses agentes do capital encarregados
de enquadrar os trabalhadores para os manter na escravidão salarial.
Na realidade, concentramos-nos
na brutalidade da repressão policial para melhor escamotear as repressões sociais,
profissionais, patronais, mediáticas , escolares, etc. Esta polarização ideológica sobre a instituição policial contribui para
a estratégia de desvio e escamoteamento da reflexão política sobre os
fundamentos espoliadores e opressivos do sistema capitalista, sobre a função dominadora
despótica das classes dominantes.
A instituição
policial, braço armado do estado rico, é responsabilizada por toda a miséria
social. A polícia é fascista, violenta, cantam os manifestantes (fazendo de
conta esquecer de especificar que esta instituição para a protecção dos ricos é
o órgão da violência legal do Estado, como se pudesse existir na nossa
sociedade de classes uma polícia humanista e pacífica ao serviço dos interesses
do povo). Evidentemente, todas as outras instituições de classe, em particular
o Estado, o Parlamento, o patronato, a Justiça, a Prisão, os partidos políticos
da Máfia, a classe Política, as organizações sindicais (verdadeira polícia
salarial ao serviço dos patronato), são "democráticos",
"humanistas", "anti-racistas". Isso explica por que é que
essas instituições foram poupadas das acusações dos manifestantes que respeitam
as instituições burguesas. Somente a polícia é alvo dos manifestantes, essas
púdicas virgens escandalizadas pela
brutalidade policial, mas nunca se rebelaram contra a ditadura tentacular do
sistema capitalista global.
Frequentemente, falamos de polícia racista, para evitar
deliberadamente especificar que a polícia é burguesa (classe para cuja defesa
eles trabalham). No entanto, seria mais justo lembrar que a burguesia sempre foi profundamente racista. O racismo está
consubstancialmente inscrito no programa económico e político da burguesia.
Está gravado nos seus genes. Desde o seu nascimento, a burguesia europeia, essa
"raça patronal", praticou o "racismo social" contra as suas
populações indígenas reduzidas ao trabalho escravo nas suas novas fábricas.
Muitas vezes esquecemos: os primeiros "imigrantes" a sofrer racismo
de classe foram os camponeses nativos (francês, inglês), obrigados a abandonar
as suas terras para serem explorados nas fábricas da burguesia.
De maneira mais geral, o capitalismo nunca seria capaz de se
desenvolver, crescer e mundializar sem o comércio de escravos negros e a
subjugação colonial dos povos indígenas da África, Ásia e Américas. O racismo
(de classe) é o DNA do capitalismo. Desde as suas origens, vive da
subserviência salarial da maioria da população trabalhadora. Historicamente,
ele usou diferenças raciais para dividir os explorados, para colocá-los uns
contra os outros. Há mais de quatro séculos que a "raça" dos
capitalistas exerce a supremacia económica e social sobre a grande maioria da
população trabalhadora do mundo, reduzida à escravidão assalariada, forçada a
vender a sua força de trabalho para sobreviver.
É contra esse racismo social e económico estrutural que
devemos combater. É contra esta "raça" dos negreiros dos tempos
modernos, que exerce um direito de vida e de morte social sobre o conjunto da
população trabalhadora do mundo, que devemos lutar. Ironia da história, o
racismo estrutural da burguesia é avalizado pelo Código do Trabalho (verdadeiro
"Código Negro"), esse código de escravidão salarial da era moderna
e "democrática", que permite à "raça" dos exploradores
capitalistas escravizar "legalmente" a grande maioria do proletariado
internacional e da população mundial.
Seja como for, as gesticulações anti-racistas não contribuem
de forma alguma para o amadurecimento do pensamento político, para o
fortalecimento da luta de classes. O anti-racismo, como o seu predecessor o anti-fascismo, continua a ser uma ideologia
interclassista burguesa, aquela miscelânea de classes destinada a humanizar o
capitalismo, moralizar o estado por essência despótico. Além disso, o
anti-racismo é a arma apropriada para dividir o proletariado pela vitimização
racial, ou seja, pela invenção permanente de vítimas que são ainda mais vítimas
do que as outras. Essa exacerbação da vitimização racial não tem outra
justificação senão a ganância de obter alguma compensação financeira ou algumas
sinecuras lucrativas na seio da sociedade do velho mestre, em particular para
esses activistas anti-racistas em busca de ascensão à volta do sistema capitalista,
jamais denunciado, menos ainda combatido pelos anti-racistas.
Fundamentalmente, é sobre o terreno social e não racial que
devemos inscrever a luta contra o sistema capitalista, que é essencialmente
racista. Como se houvesse um capitalismo limpo, desprovido de poluição racista
e de política repressiva. A ideologia do anti-racismo colocou sempre a luta
sobre o registo racial. Ela inscreve a luta não em torno da classe social
maioritária oprimida pelo capitalismo, do proletariado mundial, mas em torno de
uma comunidade ostracizada (ontem os judeus, hoje os árabes e os
"negros", amanhã o "povo" Inuit – da Gronelândia – Nota do
Tradutor). No entanto, para aniquilar o racismo, consubstancialmente inerente à
"raça" da classe burguesa dominante, é fundamentalmente indispensável
erradicar o modo de produção capitalista
no qual proliferam todas as formas pestilentas de opressão: social, salarial,
económica, política , racial, etc.
Enfim, alguns dias depois, a moda é a remoção estátuas com
vestígios a simbolizar os antigos comerciantes de escravos (negreiros). É mais audaciosamente
conveniente, para esses temerários revolucionários de uma noite, remover de
fugida estátuas inofensivas do que desmantelar os Estatutos dominantes da
classe exploradora e despótica contemporânea, sempre aos comandos da sociedade de
exploração capitalista actual!
Mesloub
Khider
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