Na
imagem acima - os conspiradores - uma das formas de populismo - afirmam que
seria suficiente para os cidadãos levantarem-se para virar do avesso o mundo
dos conspiradores... uma outra maneira de escamotear a luta de classes. NDLR.
Religião,
costumes, justiça, tudo entra em decadência. A sociedade está-se a desmoronar
sob a acção corrosiva de uma civilização deliquescente",(Anónimo 1886).
Na maioria dos
países, a decadência económica tem sido seguida pela decadência política. De facto, nos
últimos anos, sobre a crise económica sistémica enxertou-se uma instabilidade
política crítica. A paisagem política ficou totalmente de pernas para o ar. A tradicional alternância bi-partidária entre
esquerda e direita, em vigor desde o fim da Segunda Guerra Mundial, ficou feita
em cacos . Agora, o cenário político é invadido por duas
novas formas de governo: o populismo e o bonapartismo. Ambos queriam estar
acima das classes, mas de uma forma diferente. Emergindo em tempos de crise
económica e de desagregação das formações políticas clássicas, o populismo é baseado numa
ideologia minimalista, uma doutrina simplista, um misticismo fanático. Sem uma
visão política clara, desprovida de qualquer perspectiva de transformação
social, o populismo, emanação de reagrupamentos de extractos sociais
heterogéneos, limita-se a fustigar o poder, a colocar o povo contra as elites.
O populismo é um movimento inter-classista, agregando
diferentes classes sociais com identidades culturais díspares: colarinho branco,
colarinho azul, pequenos patrões são conglomerados numa entidade designada como
povo, muitas vezes encabeçada por um líder carismático.
As clivagens sociais
que despedaçam a sociedade e o universo profissional são obscurecidos,
ofuscados, fundidos no interesse geral, paradoxalmente correspondente à da
pequena burguesia intelectual muito activa dentro dos movimentos populistas. Na
verdade, o populismo opõe-se à luta de classes. Na verdade, não põe em causa a
exploração e o capitalismo. Limita as suas lutas à única exigência de aperfeiçoamento da democracia,como
se pudesse haver uma democracia dentro da ditadura capitalista, como a actual
crise económica e sanitária do Covid-19 nos prova, com a transição ditatorial por todo o lado
em acção, após um parêntesis democrático consumista efémero de algumas décadas.
Inegavelmente, há todas
as razões para acreditar que a epidemia de coronavírus chegou no momento certo
para servir de biombo sanitário e uma justificação para o colapso da economia
mundial, há muito previsível. Neste caso, era como se a irrupção do Covid-19
fosse uma oportunidade esperada para tentar resolver as contradições do
capitalismo através de uma operação de destruição em massa da infraestrutura
que se havia tornado inoperante para a valorização do capital no contexto de
uma re-fundação de uma nova ordem mundial. Com
o objectivo de uma reconfiguração despótica do mundo, o confinamento tinha,
obviamente, a intenção de neutralizar toda a oposição política e a habituação à
militarização da sociedade. No geral, o populismo, à semelhança do hirak, difama as elites políticas, mas nunca
vitupera os barões da economia. Ele concentra os seus
ataques nos inquilinos do poder, essa burguesia parasitária impotente instalada
nas esferas do Estado, mas nunca nos donos da capital, nos detentores do
verdadeiro poder económico e financeiro. Isso explica a ausência de lutas sociais
dentro das empresas, jamais ameaçadas de conflitos ou greves, ocupação colectiva,
muito menos de reorganização da produção tendo em vista o seu controle por
todos os colaboradores livremente associados, com o propósito de imprimir-lhes
objectivos de fabrico social, ou seja, baseados na satisfação das necessidades
humanas e não na valorização do capital (mais-valia, lucro).
De maneira geral, nos
últimos anos, o conservadorismo neo-liberal (responsável pelo crash de 2007-2008) e o keynesianismo
social-democrata (incapaz de financiar o seu Estado
Providência) estão inquestionavelmente em crise. Estas duas correntes ideológicas
capitalistas falharam nas suas promessas políticas de erradicar a miséria do
mundo e melhorar a situação económica. Modelos
económicos liberais e social-democratas demonstraram o seu fracasso. (na
verdade, estes dois "modelos" são solidários e complementares e cada
uma oferece como alternativa a continuidade do sistema... é isso que os está a
empurrar contra a parede sem esperança de remissão. NDLE). Eles
estão em pleno colapso. Como corolário, os partidos tradicionais do governo
perderam a sua credibilidade. E os circos eleitorais não atraem mais a multidão
de ovelhas para assistir aos espectáculos de palhaços políticos, nem ao número
de prestidigitadores demagógicos. A crise política é global à
imagem da crise económica sistémica. Seja o afundamento total
dos Estados (Síria, Venezuela ou Sudão, etc.), o Brexit, a eleição de Trump ou
o ressurgimento da extrema direita, partidos islamitas, organizações
identitárias e comunitárias, todos esses novos fenómenos políticos reflectem a
decomposição do sistema capitalista. primeiro economicamente, depois
politicamente, e finalmente ideologicamente.
A media
e os políticos, para explicar o fracasso do sistema político burguês,
incriminam o "populismo", esse novo avatar da política. Grande parte dessa agitação política é
atribuída ao "populismo". Na realidade, o populismo, de qualquer
forma, sempre ocupou a cena do teatro político. Mas enquanto os antigos
partidos burgueses estabelecidos pudessem reivindicar trazer esperança, o
populismo estava confinado às margens do jogo e das apostas políticas. De uma
forma maquiavélica, às vezes o populismo (castanho, vermelho ou verde -
islamista -) tem sido agitado como um espantalho para mobilizações políticas em
benefício de partidos institucionais "democráticos" para perpetuar o
seu serviço a favor do estado dos ricos.
No
entanto, a configuração política mudou à medida que a crise económica se
aprofunda. Hoje, para a burguesia, o "populismo", na esteira da
escalada da crise económica, é sinónimo da ascensão de forças alternativas,
ameaçando assim o seu controle sobre o aparelho político subalterno. Essas
forças populistas não desempenham mais o simples papel dos agitadores leprosos
e infectados. Elas tornaram-se formações activas com uma auréola de respeitabilidade.
É verdade que as forças populistas estão a afirmar-se em todo o mundo. De facto,
após uma longa estagnação económica, a ascensão de organizações populistas
tomou muitas formas (a contrapartida do populismo nos países muçulmanos é o
islamismo e o separatismo étnico-linguístico, como o movimento berberista
Kabyle e o movimento curdo no Oriente Médio).
No Ocidente, o populismo divide-se em duas
tendências sobre os dois extremos do espectro político da direita e da
esquerda. De um lado, o populismo de esquerda (Podemos, Syriza, o movimento
Occupy, o Partido Trabalhista de Corbyn, o "socialismo" de Sanders, a
França insubmissa, etc.), decorrente do rompimento dos antigos partidos de
esquerda, do colapso dos partidos estalinistas e socialistas.
Por outro lado, o
populismo de direita, recentemente
impulsionado para o cenário político na esteira da crise económica, do
surgimento do islamismo e do terrorismo na Europa, a exacerbação das tensões
identitárias ilustrada pela expansão do comunitarismo. Este populismo de
extrema-direita navega no medo, na xenofobia, no racismo.
O populismo
"esquerdista" está a tentar canalizar o crescente descontentamento
dos trabalhadores através dos único meio pacífico do boletim de voto, que
foi repudiado por uma crescente maioria de "cidadãos" que ficaram
desiludidos à força de terem sido abusados. O populismo esquerdista baseia-se numa
agenda política totalmente inofensiva, não colocando em causa o capitalismo.
Historicamente, com a
crise de 2008, o populismo desenvolveu-se no Sul da Europa, cuja situação
lembra a da América Latina na década de 1990, confrontada com uma grave crise
económica. O populismo é expresso através da luta de movimentos heterogéneos
com conteúdo político desprovido de consciência de classe. Esses movimentos
sociais, que reúnem as classes trabalhadoras e os jovens graduados em situações
precárias, mas muitas vezes cercados pela pequena burguesia enraivecida,
desafiam o neoliberalismo, mas através de um combate populista do
"povo" contra as elites, do "povo" contra o regime. Assim,
essas lutas não estão estruturadas em torno de uma divisão de classes. Esses
movimentos sociais populistas opõem o "bravo povo democrático" às
elites políticas corruptas e traiçoeiras (sic), como acontece com o partido
Syriza na Grécia e o Podemos em Espanha. Em França, ao contrário do Podemos e do Syriza, a
França Insubmissa não inscreve a
sua fundação e a sua implantação política sobre os movimentos sociais. O seu
líder Jean-Luc Mélenchon tomou o caminho
populista após o epifenómeno Nuit debout (e deitados na
frente dos patrões durante o dia). Embora tenha procurado diferenciar-se de
organizações de esquerda, o seu partido adoptou uma linha nacionalista de
esquerda influenciada pelo economista Frédéric
Lordon e pelo modelo chavista. O partido da
França insubmissa apoia-se menos nas dinâmicas locais e nos movimentos sociais
do que do culto à personalidade do seu líder Jean-Luc Mélenchon, ilustração da
dimensão autoritária, ver bonapartista, desta organização nacionalista e reaccionária.
No
entanto, não se deve inferir que o populismo colocaria em causa e enfraqueceria
a democracia burguesa e o Estado. Muito pelo contrário.
Na realidade,
hoje, todas as fracções da burguesia são reaccionárias. O populismo, como
expressão política, pertence à burguesia e está totalmente alinhado com a
defesa dos interesses capitalistas. Os partidos populistas (na Argélia:
islamistas, berberistas e nacionalistas) são fracções burguesas, partes do
aparelho capitalista do Estado totalitário. O que eles espalham éa ideologia e o comportamento burgueses decadentes
e mesquinhos: ultra-nacionalismo,
regionalismo, racismo através do anti-racismo, xenofobia, autoritarismo,
conservadorismo cultural e religioso. Catalisam os medos,
expressam a vontade de retirar a identidade, a rejeição demagógica das
"elites".
Assim,
o populismo é um produto da decomposição do capitalismo, a perturbar o jogo
político, tendo por consequência uma perda crescente do controle do aparelho político
burguês clássico no terreno eleitoral. Isso não impede que a burguesia explore
tanto quanto possível este fenómeno político negativo para a defesa dos seus
interesses, em particular com vista a virá-lo contra as classes trabalhadoras
através do fortalecimento da mistificação democrática. Especialmente insistindo
na importância de "cada voto", acusando o absentismo eleitoral de
"fazer a cama à extrema direita". Para o fazer, os próprios partidos
tradicionais tentam eles mesmos suavizar a sua imagem impopular, tentando apresentar-se
como mais "humanistas" e mais "democráticos" em comparação
com os populistas.
Historicamente, sem
contestação, a falência dos regimes
estalinistas favoreceram o refluxo da consciência de
classe e do movimento operário. Permitiu que a burguesia do mundo reforçasse a
maior mentira do século XX, ou seja, a identificação do estalinismo com o
comunismo. E assim, alimentar uma enorme campanha de bombardeamento ideológico
para proclamar a "falência do marxismo" e a "morte do
comunismo", "o fim da história". Isso levou à ideia de que não
existe nenhuma alternativa para opor ao capitalismo.
Isso
explica as enormes dificuldades enfrentadas pela classe operária actualmente: a
perda da sua identidade de classe, a perda de confiança nas suas próprias
forças, a perda do sentido do seu combate, a sua desorientação política. É
neste contexto de recuo do movimento operário que é necessário substituir a
subida dos populismos e dos comportamentos anti-sociais, do islamismo e dos
fenómenos nacionalistas étnico-linguísticos. A supressão da classe operária da
cena política, o desmoronamento da cultura da classe operária, o declínio da
"moral" da classe operária deixaram as mãos livres à burguesia
decadente e à sua ideologia mortífera.
Em conclusão,nesta fase
contemporânea caracterizada pela ausência de qualquer perspectiva política,
cresce a desconfiança de tudo o que se relacione com a "política". Um
fenómeno favorecido pelo descrédito dos partidos tradicionais da burguesia. Daí
o sucesso dos partidos populistas (islamistas e etnicamente-linguísticos na
Argélia), defendendo como instrumento maior da propaganda um pretendido
"desprendimento" da "elite". Isso repousa num sentimento
generalizado de nenhum futuro, de ideologias de recuo identitário, de retorno a
modelos reaccionários arcaicos ou niilistas (na Argélia, islamismo e berberismo
nacionalista).
De maneira geral, o
populismo é o produto da decomposição do capitalismo. Expressa a incapacidade
das duas classes fundamentais e antagónicas, a burguesia e o proletariado, em
apresentar a sua própria perspectiva (guerra mundial ou revolução). Engendrando
uma situação de "bloqueio momentâneo" e "deterioração da
sociedade como um todo". De facto, nesta fase actual de degeneração, a
burguesia não é mais capaz de oferecer um horizonte político capaz de mobilizar
e gerar apoio público maciço. Por outro lado, a classe operária não se
reconhece como uma classe. Não desempenha um papel verdadeiramente decisivo e
suficientemente consciente. Isso levou a um bloqueio em termos da perspectiva
emancipatória.
Marx ,ele mesmo, no início do Manifesto
do Partido Comunista vislumbrava essa possibilidade de bloqueio social
extraído da experiência histórica da evolução das sociedades de classe quando
escreveu:"A história de todas as sociedades até aos dias de hoje é a
história da luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, nobre e
servo, mestre e companheiro, numa palavra: opressores e oprimidos
estavam em constante oposição; lutavam sem descanso, às vezes disfarçados, às
vezes às claras,que, de cada vez, terminava ou por uma transformação
revolucionária de toda a sociedade ou pela ruína das várias classes em
luta." Hoje, neste contexto de crise sócio-económica e política:
ou a classe revolucionária proletária acaba por prevalecer e abre caminho para o
novo modo de produção humana baseado na satisfação das necessidades sociais e
não na valorização do valor, ou, por incapacidade ou derrota histórica, a
sociedade capitalista finalmente descerá ao caos e à barbárie: isso seria então
a "ruína das várias classes em luta".
«A decadência de uma sociedade começa quando o homem se questiona:”O que é
que vai acontecer?” Em vez de se perguntar: “O que é que eu posso
fazer ? » (Denis de Rougemont).
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