segunda-feira, 30 de março de 2020

A morbidez da economia capitalista



Por Khider Mesloub.

No verão passado, em Julho de 2019, num tom deliberadamente apocalíptico e com um léxico abundantemente médico para sublinhar o carácter patológico e patogénico do sistema económico liberal, escrevemos esta crónica profética sobre o estado avançado de morbidez do capitalismo pestilento, publicada no webmagazine Les 7 du Québec. O diagnóstico estabelecido no ano passado é mórbida e epidemicamente cheio de actualidade. Aqui está o texto original completo, revisto e ampliado (as partes adicionadas são indicadas em itálico e a azul).

(Não é o coronavírus que dizima o capitalismo, mas o capitalismo, num estado de decrepitude generalizado viral, que dizima a saúde da economia planetária e da população mundial. O capitalismo não é vítima do coronavírus, mas das suas próprias contradições contagiosas).
Os sinais de alerta da fase degenerativa da economia liberal acentuam-se. O electrocardiograma do capitalismo indica que o coração da economia mundial está numa fase de falta de ar. O estado da economia está marcado por uma contracção produtiva, condicionada por uma síncope comercial.
A sua taxa de crescimento regista uma actividade fraca. O seu pulso de rentabilidade está a diminuir. O seu volume de circulação comercial no corpo do comércio mundial em crise está ameaçado de apoplexia económica, exponenciada por uma terceira conflagração hemorrágica mortal de consequências mortais mundialmente pandémicas em matéria de hemoglobina. Além disso, essa matéria sanguinolenta tornar-se-á em breve o único meio de troca entre os países beligerantes para regular a crise. (hoje, na fase preliminar de extermínio, ao jeito de uma única troca "comercial", o capitalismo é reduzido a exportar para todos os países a sua mais recente invenção letal, a saber, o coronavírus, propagado por todo o globo terrestre, última arma viral destrutiva lançada contra as forças produtivas, para resolver de maneira assassina a sua crise económica).

Hoje, nada pode parar a morbidez do sistema capitalista anémico. Nenhuma medicação governamental ou patronal pode curar esse corpo sofredor e moribundo. Muito menos as unções medicinais propostas pelos charlatães políticos da oposição reformista, tanto de esquerda como de direita.  (É essa falha imunológica produtiva do corpo capitalista, sinal de uma crise económica sistémica incurável, que explica a sua fraqueza em resistir a um vírus benigno. Portanto, não foi o coronavírus que provocou a crise, mas o inverso: o estado de morbidez do capitalismo favoreceu o aparecimento do vírus, a sua propagação e, correlativamente, a sua incapacidade e a sua impotência para controlá-lo, impedi-lo, aniquilá-lo, devido à sua enfermidade económica, à sua senescência avançada, à sua agonia anunciada.  Para citar o exemplo da Itália, a sua economia já estava numa fase de crise sistémica avançada e, sob o disfarce de saúde pública, o governo impôs medidas draconianas de expurgo económico e controle político militarizado da população, tendo como consequência uma deterioração do nível de vida, já de si precária).

Uma coisa é certa: o capitalismo, mantido há décadas como um viciado em cocaína, vive agora graças a infusões de crédito, alimentado por bancos, por sua vez e de forma recorrente asfixiados pelos incumprimentos no pagamento, tal como aconteceu durante a última crise do sub-prime de  2007 / 2008. Apesar dessa medicação por overdose, administrada à custa de biliões de subsídios públicos, o capitalismo está à beira de uma overdose. A sobrevivência deste corpo capitalista drogado está em suspenso. Imerso num coma económico, mantido vivo à custa de sondas que o alimentam com subsídios estatais retirados dos cofres do orçamento social do povo reduzido à pobreza no meio de uma sociedade de abundância, o seu prognóstico vital está comprometido. Iniciou-se a contagem regressiva. O crédito do capital entra em colapso: junto dos bancos que o subsidia proporcionando-lhe generosamente dinheiro a taxa zero, como junto do proletariado que aguarda o momento oportuno para acertar as suas contas com este sistema mortífero. De qualquer maneira, ninguém mais deposita fé neste sistema moribundo. Nem dá crédito à sua política degenerativa. Nem aos seus políticos infectados pela gangrena da corrupção e da degradação moral. A hora de acertar as contas com o proletariado espoliado chegou. (especialmente hoje, no momento em ele comprova a sua notória incapacidade de conter um vírus vulgar, pois o seu sistema imunológico financeiro, pelo menos o que visa proteger o corpo social, é deficiente, deficitário).

Hoje, todos os indicadores da economia capitalista estão no vermelho. A mais ligeira tosse regional provoca uma epidemia gripal global. O aparecimento de uma gripe financeira benigna na China desencadeia imediatamente suores frios no conjunto dos mercados financeiros internacionais, acompanhados de ataques de pânico que fazem entrar em sobressalto todas as instituições económicas, desencadeando convulsões em todos os órgãos dos corpos estatais. Tomados por ansiedades agonizantes sobre o resultado da crise. Assim, por ocasião da última grave crise económica ocorrida em 2007/2008, todos os estados capitalistas entraram em pânico e precipitaram-se na injecção de biliões de dólares para tentar reanimar os bancos asfixiados por produtos tóxicos gerados pela insolvência de milhões de americanos levados pelo sonho americano (ilusório e efémero), incarnado pelo acesso à propriedade privada, materializado na posse de uma majestosa casa, conhecida de todos os espectadores do mundo inteiro, graças às séries americanas difundidas em todos os canais de televisão, em todos os países. O cinema imperialista permite, quotidianamente, a cada espectador habitar virtualmente numa dessas casas sumptuosas, quando na realidade dorme no seu eterno tugúrio.

Depois dessa transfusão financeira no organismo bancário doente por ter esvaziado os seus cofres, amputados das suas fontes bolsistas, que se evaporaram pelo efeito do incumprimento do pagamento de milhões de devedores arruinados, a saúde económica de todos os países permanece febril, patológica, inválida. A economia global nunca recuperou da sua depressão. A queda foi brutal e profunda demais para permitir uma hipotética remissão. O corpo capitalista ainda está seriamente perturbado pelos efeitos destrutivos da última crise de 2007/2008. Como as drogas psicotrópicas que aliviam a ansiedade antes de a exacerbar ainda mais, não existe nenhuma previsão para a recuperação da saúde económica. Pelo contrário, esperamos uma recaída ainda mais brutal. (que finalmente ocorreu hoje graças ao aparecimento suspeito do coronavírus, um vírus que surgiu oportunamente no momento em que a crise económica sistémica estava prestes a entrar em erupção com intensidade letal. Tudo se passa como se o aparecimento desse vírus tivesse como razão de ser  exonerar a responsabilidade do capitalismo no surgimento da crise, mas sobretudo justificar a militarização da sociedade, a fim de evitar explosões sociais, bloquear a contestação, anestesiar a consciência de classe, fortalecer a união sagrada nacional ... por de trás do capital).


Assim, apesar das massivas doses de cavalo dos remédios financeiros administrados, alimentados por fundos públicos, para garantir uma recuperação rápida, essas terapias não demonstram possuir qualquer eficácia. Hoje, por toda a parte, a crise atingiu o seu paroxismo. A conjuntura económica é calamitosa: declínio no crescimento chinês, exponenciar dos proteccionismos, rasgar dos acordos comerciais,  exacerbação das tensões entre os Estados Unidos e a China, conflitos militares iminentes, queda desastrosa da Europa, queda nas vendas, o declínio da produção industrial, explosão da dívida pública e privada, falhanço quanto aos reembolsos da dívida, aumento do desemprego, etc. Esta grave crise perdura, apesar das injecções massivas de dinheiro público, do apoio estatal através de subsídios a empresas e bancos, graças ao dinheiro do contribuinte.

Seja como for, a última crise, de efeitos sempre catastróficos, destaca-se na história das crises do capitalismo. De facto, até 2008, o estado nunca interveio tão fortemente para salvar empresas e instituições falidas. As crises foram resolvidas de acordo com os padrões da economia liberal: pelo desaparecimento das empresas mais frágeis. O estado deixava as leis económicas do mercado funcionar. Em 2008, pela primeira vez na história do capitalismo moribundo, o Estado, recusando deixar que a crise se desenvolvesse normalmente através da liquidação de empresas em falência, decidiu intervir para salvar com fundos públicos empresas e bancos ameaçadas do colapso. Com receio de ver todas as empresas entrarem em colapso pelo efeito dominó, o estado foi forçado a intervir para apoiar as empresas com a dívida pública no seu pico. Com esta decisão apressada e improvisada de salvaguarda de empresas e bancos, o estado acabava de romper, assim,  com os velhos ciclos de crise, resolvidos pelas leis da economia capitalista: o saneamento da economia pelo assassinato das empresas e bancos mais debilitados. (operações de resgate em todos os azimutes reiterados hoje à escala internacional de forma inigualável, desde o colapso da economia pretensamente infligido pelo coronavírus. A regra europeia de 3% do défice público anual a não exceder não se aplica na vida real tanto aos gastos sociais públicos, mas mais para apoiar empresas privadas e bancos que enfrentam a crise.Quando a crise surge, ameaçando a sobrevivência dos capitalistas - e não o capitalismo, o estado dos ricos liberta imediatamente meios financeiros excepcionais para subsidiar negócios, mesmo à custa de um abismal alargamento do défice orçamental e da dívida pública Ainda assim, dinheiro insuficiente para máscaras, testes, equipamento respiratório, mão de obra, mas biliões para apoiar os capitalistas) .

Outra nova patologia económica: os capitalistas não investem mais nos sectores de produção. Eles preferem investir na esfera especulativa . (hoje, com a crise económica viral, mesmo essa esfera especulativa lucrativa, mas parasitária, tornou-se uma ocupação patogénica e um pesadelo). Sinal de uma distrofia muscular  económica: o capitalismo não tem mais a força para funcionar como na época da sua flamejante juventude produtiva. Sofrendo de senescência, refugiam-se agora na especulação financeira, na retirada antecipada, antes da hora da queda final, da morte iminente do corpo capitalista. Sintoma da sua decrepitude, refugia-se na especulação financeira, essa reforma antecipada antes do desfecho final, a morte iminente do corpo capitalista.

Actualmente, nenhum capitalista quer mais tornar-se industrial, mas sim financeiro. De modo que o capitalismo agora opera exclusivamente sobre as finanças, essa fábrica de dinheiro de faz de conta. Mas aumentar exponencialmente o capital sem aumentar proporcionalmente o investimento produtivo acelera ainda mais a patologia mortal da economia capitalista. O sobre-endividamento e o desinvestimento produtivo, eis ao que está reduzida a economia capitalista parasitária e senil. Produção inexpressiva e lenta, estados sobre-endividados, bancos sobre-subvencionados por fundos públicos, capitalistas transformados em sombras de si próprios pela sua fuga especulativa nas altas esferas do dinheiro fácil, são estes os sinais de uma morbidez económica anunciadora de uma agonia certa.

De facto, as actuais convulsões políticas e sociais na maioria dos países, da França com os coletes amarelos à Argélia com o "dégagisme" (recusa da classe dirigente – NT), da Inglaterra com o Brexit e a Venezuela com a latente guerra civil, todas estas convulsões são a expressão de uma crise económica sistémica do capitalismo, símbolo de uma desordem do corpo gangrenado pelo cancro financeiro, encarnação de uma atrofia produtiva, de uma atrofia dos lucros industriais, de uma esterilização dos investimentos na produção.

O capitalismo está a morrer: vamos ajudá-lo a que tal aconteça. Isso não será senão o fim de um mundo mercante, não o fim do mundo. Pois a sua morte contém já nas suas entranhas o novo mundo humano baseado na satisfação de necessidades e não no lucro. Com o seu desaparecimento, a troca mercantil extinguir-se-á, bem como a economia de mercado (dos enganados porque são sempre os poderosos que dominam as regras do jogo) e o poder do dinheiro, vector de todas as patologias sociais desumanas. A "civilização capitalista" chegou a um tal patamar de degenerescência que tomar a resolução de, finalmente, a eutanasiar revolucionariamente, remetendo-a para o caixote do lixo da história, é nos dias que correm a acção mais salvífica para a humanidade.





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