Por Khider
Mesloub.
No verão passado, em Julho de 2019, num tom deliberadamente apocalíptico e com um léxico
abundantemente médico para sublinhar o carácter patológico e patogénico do
sistema económico liberal, escrevemos esta crónica profética sobre o estado
avançado de morbidez do capitalismo pestilento, publicada no webmagazine Les 7
du Québec. O diagnóstico estabelecido no ano passado é mórbida e epidemicamente
cheio de actualidade. Aqui está o texto original completo, revisto e ampliado (as partes adicionadas são indicadas
em itálico e a azul).
(Não é o coronavírus que dizima o
capitalismo, mas o capitalismo, num estado de decrepitude generalizado viral,
que dizima a saúde da economia planetária e da população mundial. O capitalismo
não é vítima do coronavírus, mas das suas próprias contradições contagiosas).
Os sinais de alerta da fase
degenerativa da economia liberal acentuam-se. O
electrocardiograma do capitalismo indica que o coração da economia mundial está
numa fase de falta de ar. O estado da economia está marcado por uma contracção
produtiva, condicionada por uma síncope comercial.
A sua taxa de crescimento regista uma actividade
fraca. O seu pulso de rentabilidade está a diminuir. O seu volume de
circulação comercial no corpo do comércio mundial em crise está ameaçado de
apoplexia económica, exponenciada por uma terceira conflagração hemorrágica
mortal de consequências mortais mundialmente pandémicas em matéria de hemoglobina. Além
disso, essa matéria sanguinolenta tornar-se-á em breve o único meio de troca
entre os países beligerantes para regular a crise. (hoje, na fase preliminar de extermínio, ao jeito de uma única troca
"comercial", o capitalismo é reduzido a exportar para todos os países
a sua mais recente invenção letal, a saber, o coronavírus,
propagado por todo o globo terrestre, última arma viral destrutiva lançada
contra as forças produtivas, para resolver de maneira assassina a sua crise
económica).
Hoje, nada pode parar a morbidez do sistema capitalista anémico. Nenhuma
medicação governamental ou patronal pode curar esse corpo sofredor e moribundo. Muito
menos as unções medicinais propostas pelos charlatães políticos da oposição
reformista, tanto de esquerda como de direita. (É essa falha imunológica produtiva
do corpo capitalista, sinal de uma crise económica sistémica incurável, que
explica a sua fraqueza em resistir a um vírus benigno. Portanto, não foi o
coronavírus que provocou a crise, mas o inverso: o estado de morbidez do
capitalismo favoreceu o aparecimento do vírus, a sua propagação e,
correlativamente, a sua incapacidade e a sua impotência para controlá-lo,
impedi-lo, aniquilá-lo, devido à sua enfermidade económica, à sua senescência
avançada, à sua agonia anunciada. Para
citar o exemplo da Itália, a sua economia já estava numa fase
de crise sistémica avançada e, sob o disfarce de saúde pública, o governo impôs
medidas draconianas de expurgo económico e controle político militarizado da
população, tendo como consequência uma deterioração do nível de vida, já de si precária).
Uma coisa é certa: o capitalismo, mantido há décadas como um
viciado em cocaína, vive agora graças a infusões de crédito, alimentado por
bancos, por sua vez e de forma recorrente asfixiados pelos incumprimentos no
pagamento, tal como aconteceu durante a última crise do sub-prime de 2007 / 2008. Apesar dessa medicação por
overdose, administrada à custa de biliões de subsídios públicos, o capitalismo está
à beira de uma overdose. A sobrevivência deste corpo capitalista drogado
está em suspenso. Imerso num coma económico, mantido vivo à custa de
sondas que o alimentam com subsídios estatais retirados dos cofres do orçamento
social do povo reduzido à pobreza no meio de uma sociedade de abundância, o seu
prognóstico vital está comprometido. Iniciou-se a contagem regressiva. O
crédito do capital entra em colapso: junto dos bancos que o subsidia
proporcionando-lhe generosamente dinheiro a taxa zero, como junto do
proletariado que aguarda o momento oportuno para acertar as suas contas com
este sistema mortífero. De qualquer maneira, ninguém mais deposita fé
neste sistema moribundo. Nem dá crédito à sua política
degenerativa. Nem aos seus políticos infectados pela gangrena da corrupção
e da degradação moral. A hora de acertar as contas com o proletariado
espoliado chegou. (especialmente hoje, no momento em ele comprova a sua notória incapacidade de conter um vírus
vulgar, pois o seu sistema imunológico financeiro, pelo menos o que visa
proteger o corpo social, é deficiente, deficitário).
Hoje, todos os indicadores da economia capitalista estão no
vermelho. A mais ligeira tosse regional provoca uma epidemia gripal
global. O aparecimento de uma gripe financeira benigna na China
desencadeia imediatamente suores frios no conjunto dos mercados financeiros
internacionais, acompanhados de ataques de pânico que fazem entrar em
sobressalto todas as instituições económicas, desencadeando convulsões em todos
os órgãos dos corpos estatais. Tomados por ansiedades agonizantes sobre o
resultado da crise. Assim, por ocasião da última grave crise económica
ocorrida em 2007/2008, todos os estados capitalistas entraram em pânico e
precipitaram-se na injecção de biliões de dólares para tentar reanimar os
bancos asfixiados por produtos tóxicos gerados pela insolvência de milhões de americanos
levados pelo sonho americano (ilusório e efémero), incarnado pelo acesso à
propriedade privada, materializado na posse de uma majestosa casa, conhecida de
todos os espectadores do mundo inteiro, graças às séries americanas difundidas em
todos os canais de televisão, em todos os países. O cinema imperialista
permite, quotidianamente, a cada espectador habitar virtualmente numa dessas
casas sumptuosas, quando na realidade dorme no seu eterno tugúrio.
Depois dessa transfusão financeira no organismo bancário
doente por ter esvaziado os seus cofres, amputados das suas fontes bolsistas, que
se evaporaram pelo efeito do incumprimento do pagamento de milhões de devedores
arruinados, a saúde económica de todos os países permanece febril, patológica, inválida.
A economia global nunca recuperou da sua depressão. A queda foi brutal e
profunda demais para permitir uma hipotética remissão. O corpo capitalista
ainda está seriamente perturbado pelos efeitos destrutivos da última crise de
2007/2008. Como as drogas psicotrópicas que aliviam a ansiedade antes de a
exacerbar ainda mais, não existe nenhuma previsão para a recuperação da saúde
económica. Pelo contrário, esperamos uma recaída ainda mais brutal. (que finalmente ocorreu hoje graças ao aparecimento suspeito do coronavírus, um vírus que surgiu
oportunamente no momento em que a crise económica sistémica estava prestes a
entrar em erupção com intensidade
letal. Tudo se passa como se o aparecimento desse vírus tivesse como razão de
ser exonerar a responsabilidade do
capitalismo no surgimento da crise, mas sobretudo justificar a militarização da
sociedade, a fim de evitar explosões sociais, bloquear a contestação, anestesiar
a consciência de classe, fortalecer
a união sagrada nacional ... por de trás do capital).
Assim, apesar das massivas doses de cavalo dos
remédios financeiros administrados, alimentados por fundos públicos, para
garantir uma recuperação rápida, essas terapias não demonstram possuir qualquer
eficácia. Hoje, por toda a parte, a crise atingiu o seu paroxismo. A
conjuntura económica é calamitosa: declínio no crescimento chinês, exponenciar
dos proteccionismos, rasgar dos acordos comerciais, exacerbação das tensões entre os Estados
Unidos e a China, conflitos militares iminentes, queda desastrosa da Europa,
queda nas vendas, o declínio da produção industrial, explosão da dívida pública e
privada, falhanço quanto aos reembolsos da dívida, aumento do desemprego,
etc. Esta grave crise perdura, apesar das injecções massivas de dinheiro
público, do apoio estatal através de subsídios a empresas e bancos, graças ao
dinheiro do contribuinte.
Seja como for, a última crise, de efeitos sempre
catastróficos, destaca-se na história das crises do capitalismo. De facto,
até 2008, o estado nunca interveio tão fortemente para salvar empresas e
instituições falidas. As crises foram resolvidas de acordo com os padrões
da economia liberal: pelo desaparecimento das empresas mais frágeis. O
estado deixava as leis económicas do mercado funcionar. Em 2008, pela
primeira vez na história do capitalismo moribundo, o Estado, recusando deixar
que a crise se desenvolvesse normalmente através da liquidação de empresas em
falência, decidiu intervir para salvar com fundos públicos empresas e bancos
ameaçadas do colapso. Com receio de ver todas as empresas entrarem em
colapso pelo efeito dominó, o estado foi forçado a intervir para apoiar as
empresas com a dívida pública no seu pico. Com esta decisão apressada e
improvisada de salvaguarda de empresas e bancos, o estado acabava de romper,
assim, com os velhos ciclos de crise,
resolvidos pelas leis da economia capitalista: o saneamento da economia pelo
assassinato das empresas e bancos mais debilitados. (operações de resgate
em todos os azimutes reiterados hoje à escala internacional de forma
inigualável, desde o colapso da economia pretensamente infligido pelo
coronavírus. A regra europeia de 3% do défice público anual a não exceder não
se aplica na vida real tanto aos gastos sociais públicos, mas mais para apoiar
empresas privadas e bancos que enfrentam a crise.Quando a crise surge,
ameaçando a sobrevivência dos capitalistas - e não o capitalismo, o estado dos
ricos liberta imediatamente meios financeiros excepcionais para subsidiar
negócios, mesmo à custa de um
abismal alargamento do défice orçamental e da dívida pública Ainda assim, dinheiro insuficiente
para máscaras, testes, equipamento respiratório, mão de obra, mas biliões para
apoiar os capitalistas) .
Outra nova patologia económica: os capitalistas não investem
mais nos sectores de produção. Eles preferem investir na esfera
especulativa . (hoje, com a crise económica viral,
mesmo essa esfera especulativa lucrativa, mas parasitária, tornou-se uma
ocupação patogénica e um pesadelo). Sinal de uma distrofia muscular económica: o capitalismo não tem mais a força
para funcionar como na época da sua flamejante juventude produtiva. Sofrendo
de senescência, refugiam-se agora na especulação financeira, na retirada
antecipada, antes da hora da queda final, da morte iminente do corpo
capitalista. Sintoma da sua decrepitude, refugia-se na especulação financeira,
essa reforma antecipada antes do desfecho final, a morte iminente do corpo
capitalista.
Actualmente, nenhum capitalista quer mais tornar-se
industrial, mas sim financeiro. De modo que o capitalismo agora opera
exclusivamente sobre as finanças, essa fábrica de dinheiro de faz de conta. Mas
aumentar exponencialmente o capital sem aumentar proporcionalmente o
investimento produtivo acelera ainda mais a patologia mortal da economia
capitalista. O sobre-endividamento e o desinvestimento produtivo, eis ao
que está reduzida a economia capitalista parasitária e senil. Produção
inexpressiva e lenta, estados sobre-endividados, bancos sobre-subvencionados
por fundos públicos, capitalistas transformados em sombras de si próprios pela
sua fuga especulativa nas altas esferas do dinheiro fácil, são estes os sinais
de uma morbidez económica anunciadora de uma agonia certa.
De facto, as actuais convulsões políticas e sociais na
maioria dos países, da França com os coletes amarelos à Argélia com o "dégagisme"
(recusa da classe dirigente – NT), da Inglaterra com o Brexit e a Venezuela
com a latente guerra civil, todas estas convulsões são a expressão de uma crise
económica sistémica do capitalismo, símbolo de uma desordem do corpo gangrenado
pelo cancro financeiro, encarnação de uma atrofia produtiva, de uma atrofia dos
lucros industriais, de uma esterilização dos investimentos na produção.
O capitalismo está a morrer: vamos ajudá-lo a que tal
aconteça. Isso não será senão o fim de um mundo mercante, não o fim do
mundo. Pois a sua morte contém já nas suas entranhas o novo mundo humano
baseado na satisfação de necessidades e não no lucro. Com o seu desaparecimento,
a troca mercantil extinguir-se-á, bem como a economia de mercado (dos enganados
porque são sempre os poderosos que dominam as regras do jogo) e o poder do
dinheiro, vector de todas as patologias sociais desumanas. A
"civilização capitalista" chegou a um tal patamar de degenerescência
que tomar a resolução de, finalmente, a eutanasiar revolucionariamente,
remetendo-a para o caixote do lixo da história, é nos dias que correm a acção
mais salvífica para a humanidade.
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