sexta-feira, 6 de março de 2020

Síria – Discurso aos colaboradores que povoam as nossas elites



6 de Março de 2020

Por Vincent LENORMANT. Le Grand Soir.

Após 8 anos de terror, Aleppo foi finalmente libertada. Não existe mais o medo de rockets a cair aleatoriamente na cidade, ceifando vida após vida, dia após dia. Este é o fim da ocupação do noroeste da Síria por grupos terroristas, o fim da arbitrariedade de grupos armados, assaltos, estupros e tribunais pseudo-islâmicos. Mas não podemos compartilhar essa alegria. Mesmo que a barreira da propaganda se rompa, os fazedores de opinião fazem ainda causa comum com os "rebeldes".

Está na hora de fazer um breve balanço dos factos  

Dirijo-me aqui a todos aqueles, especialmente os jornalistas, académicos e activistas políticos, que apoiaram a "rebelião" (sic).

Há 9 anos, ocorreu uma insurreição na Síria, contra o poder baathista, no contexto das "Primaveras Árabes". Toda a classe política e a comunicação social imediatamente ficaram entusiasmadas com essas "revoluções" que iriam finalmente aportar modernidade e democracia aos países que eles consideravam atrasados.

Em poucas semanas, assistimos ao surgimento de uma linguagem que ainda persiste: o governo sírio tornou-se "o regime Bashar". Regime, nizam, regime, regimen, em todas as línguas. E face a isso, rebeldes, rebels, rebeldes, rebelles, thuwar em árabe, "revolucionários". Vocês tomaram claramente partido por um campo contra o outro.

É isso que se aprende na escola do jornalismo?
Ah, mas respondem vocês, não se pode tratar da mesma maneira a barbárie do regime e os pobres rebeldes.

Mas, digam-me, na escola de jornalismo não aprendem a verificar, a cruzar as vossas fontes?  Provavelmente teriam de, sem dúvida, reexaminar os crimes pelos quais Assad é acusado. A maioria desses crimes, como o massacre de Houla, foram cometidos pela vossa "rebelião". O relatório César? Uma série de fotos de cadáveres que não provam nada. Ataques químicos? Falsidades. Cada vez que decidiram dar a palavra aos "rebeldes" e nunca ao "regime",  descartaram criteriosamente o trabalho de jornalistas como Seymour Hersh, Robert Fisk, Vanessa Beeley, etc. Escolheram ocultar os crimes atrozes de uma rebelião que era sectária desde o início.

 A Irmandade Muçulmana, informadores do Libération
Vocês escolheram um lado, numa guerra que devastou um país que não é vosso. Percebem a seriedade do que fizeram? Para alguns, funcionários do estado, agentes de vários serviços, vocês apenas obedeceram aos seus pedidos. Lembrem-se de que o estado francês apoiou e  armou a vossa "rebelião". Mas vocês, os outros, os seguidores, que fizeram coro com o estado, com a BHL, com os Estados Unidos, com Israel e a Arábia Saudita? Vocês que não ganharam nada apoiando esses terroristas? Como perdoar-vos?
Porque vocês são muitos, pode ser? É justamente isso que é o mais horrível. Quantos se opuseram à guerra? Quantos mantiveram o sangue frio e resistiram à mais gigantesca máquina de propaganda de guerra jamais imaginada? Muito poucos.  Alguns perderam os seus empregos, muitos foram demitidos, postos na prateleira, "cancelados", como se diz no Twitter.
Não passaram de agentes devidamente pagos por praticar as suas operações de guerra psicológica, egocêntricos, covardes, seguidistas e imbecis. O problema é que essas categorias já estavam super-representadas no jornalismo ou na política. Eles fizeram o mesmo trabalho que os primeiros, mas gratuitamente.

Deixem-me contar-vos  as coisas do meu ponto de vista. Em 2011, dissemos: "Isso não é uma revolução, é uma operação de mudança de regime liderada pelos Estados Unidos, Israel e Arábia Saudita. Os maiores inimigos da Síria são esses países, qualquer mudança de regime será vantajosa para eles. A única oposição estruturada e armada é a Irmandade Muçulmana. Se eles tomarem o poder na Síria, será a catástrofe, porque a Síria é um mosaico de povos e religiões, o pior que pode acontecer a este país é um poder sectário. ”

Trataram-nos como conspiradores. Embriagaram-nos com falsidades que nos retratavam a rebelião como heróis românticos e nunca mostravam as imagens que os próprios grupos terroristas filmaram para recrutar.
Nós vimos, essas imagens.

Também vimos o vosso “exército sírio livre” a comer o fígado de um soldado do exército sírio, decapitado com toda a força e depois ouvimos os testemunhos dos Alépins (habitantes de Allepo – Nota do Tradutor) traumatizados pela chegada de bárbaros que não trouxeram senão roubo, estupro, saque à pala de  "liberdade".
Silêncio da vosso lado. Ou então "é a propaganda de Bashar", com esse vocabulário infantil que tanto vos desonrou. De qualquer forma, eu sei estabelecer a diferença entre imagens editadas e imagens tiradas ao vivo no local. Obviamente, esse não é o vosso ponto forte! No entanto, os falsos Capacetes Brancos ou de M. Alhamdo, ou a pequena Bana que  twittava em inglês aos 8 anos de idade a partir das zonas bombardeadas, ficou claro que eram falsos.



Os massacres de civis com que vocês  bombardeavam os nossos ouvidos nunca aconteceram. Os terroristas lutaram, bateram-se em cada ocasião até ao fim , encorajados por vocês. O estado sírio tentou todas as vias de negociação e sempre lhes deixou uma porta de saída. Todos foram enviados para Idlib, porque é a saída para a Turquia de onde chegaram. Mas agora é preciso sair também de Idlib.
Dão-se conta de que há anos que Idlib é uma zona sob o controle da Al Qaeda?
Não, não, vocês não nos farão acreditar que gentis libertadores tenham o menor controle sobre o povo de Idlib. Quem os controla são aqueles que possuem as armas. É o HTS que detém a vantagem, a saber um avatar da Al Qaeda.

Sabem, a Al Qaeda, aqueles que massacraram a redacção do Charlie Hebdo ?
Então, e agora, já não são todos Charlie?


Vocês não podem ser Charlie por um lado (seja o que for que isso significa), e por outro deplorar o fim da Al Qaeda na Síria. Como ?

Eu caricaturo ?
De forma nenhuma. Os territórios libertados estão cheios de cartazes que respiram liberdade: "os xiitas são os inimigos do Islão" "as mulheres devem estar cobertas até as unhas" "os homens devem usar barba" "as músicas são proibidas" ...

É isto que vocês estiveram a proteger? É a isto que vocês chamam “liberdades”?
Meus pobres queridos (colegas), vocês entraram numa guerra e vocês perderam-na. E vocês não podem voltar atrás, é tarde demais! E quem vos disse que estariam protegidos ad vitam aeternam? Sabem, as coisas estão a mexer. Não é impossível que um dia aqueles que alimentaram esta guerra sejam julgados.

Vocês impediram-nos de lamentar as vítimas da vossa revolução islâmica e ainda nos impedem de celebrar as vitórias sírias. O vosso pior crime é o uso vergonhoso de crianças. No vosso delírio, o exército sírio, que tem diante dele tanques e mísseis, não luta senão contra civis, especialmente crianças. Por sadismo, porque eles são realmente muito maus.

O público médio rapidamente se distanciou, e esse foi provavelmente o objectivo. Valia mais dizer que era "muito complicado" e que devia seguir em frente. No entanto, muitos são os que, sem mesmo compreender a situação, sabiam que vocês mentiam .

Porque vocês mentem mal e os vossos processos são sujos. A censura tem sido feroz, a liberdade de expressão foi reduzida, toda a gente se apercebe. Vocês sabem que as pessoas comuns vos odeiam. Porque vocês são os cães de guarda de um poder hediondo. O nível caiu tão baixo em alguns anos. A própria ideia de dignidade parece incongruente. Vocês desonraram-se, e desonraram-nos a nós,  todos os dias um pouco mais.

O público em geral não faz necessariamente a ligação entre a actual decrepitude e a guerra na Síria. Para mim, é óbvia. Desde 2011, que toda a sociedade está sobrecarregada de mentiras e injunções contraditórias, vulgaridade e ódio. É o que acontece quando toda a burguesia intelectual francesa toma partido pelos cortadores de cabeça fanáticos, por um lado, e por outro lado se auto-denominam ambientalistas e feministas. E não vamos esquecer que em 2014 todos vocês também se juntaram ao lado da extrema-direita ucraniana, para apoiar um golpe que colocou os neonazis no poder nesse país!

Então, uma vez mais, por um lado, não nos podemos fazer passar por antifascistas e, por outro lado, tomar o partido dos neonazis. E aqui dirijo-me aos neo-militantes da vasta banditagem que é o esquerdismo 2.0: estão surpreendidos por não atrair multidões? O que é que vocês fizeram por nós? Lançaram-se na cruzada do anti-conspiracionismo e de nos tratar como fachos, em uníssono com a BHL e Rudy Reichstadt, isso não era o que esperávamos de vós. Tratar Chouard, um autêntico anarquista, de facho, não esperávamos isso de vós. Vocês escolheram o lado do poder que censura, o que significa que nunca defenderam a liberdade de expressão no momento em que foi ameaçada e, é claro, esqueceram-se de defender Julian Assange. Vocês trataram pessoas de bem de fascistas e nunca disseram uma palavra sobre os neonazis ucranianos ou a Irmandade Muçulmana. E para a Síria, às vezes colaboraram abertamente com grupos armados. Vocês não estão apaixonados senão por histórias LGBT que não interessam a muitas pessoas, enquanto coisas extremamente graves estão a acontecer. Sintetizando, vocês não tem outra utilidade senão distrair e dividir as pessoas. A vossa malevolência e a vossa inutilidade são gritantes com os Coletes Amarelos. É por isso que prevejo um futuro sombrio para as vossas boutiques.

 Vocês envergonharam-nos. E nós, secretamente, fomos inspirados pelo heroísmo das vítimas reais desta guerra, pela imagem de absoluta dignidade que a Resistência nos ofereceu. Obrigado à Resistência, obrigado a todas as forças que dão um exemplo de dignidade no meio de uma guerra tão horrível. Nos vossos espíritos estreitos , o que digo aqui é Bacharismo, é fazer a apologia do ditador, não é? Sou francês, não me cabe a mim dizer quem governará os sírios.



É aos sírios que cabe decidir

Se os Coletes Amarelos se tivessem tornado um pretexto para a invasão da França e pelo massacre de pessoas inocentes por mercenários pagos e armados por potências estrangeiras, os únicos que ainda falariam em "revolução" seriam os cúmplices dessas potências.
Os sírios vão, portanto, reconstruir o seu país e escolherão sozinhos o seu próprio destino. Vocês queriam fazer de Assad um monstro, temo que tenham feito dele um herói para as gerações vindouras. E a mim, o que me alegra, é a derrota da Irmandade Muçulmana, a queda do Catar, da Arábia Saudita, do sonho despedaçado de Erdogan, todos esses dólares que só serviram ​​para precipitar a queda do amaldiçoado Império Otomano, que vem destruindo país após país há muito tempo. É por isso que estou ansioso. E também pela vossa queda.




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