segunda-feira, 9 de março de 2020

Do feminismo radical ao feminismo ridículo







Por Mesloub Khider.

« O feminismo é o último refúgio da mulher pretensamente emancipada, da mulher afligida, estropiada, atrofiada, isolada, cretinizada,  sem problemas, aburguesada»


Uma campanha frenética na comunicação social foi lançada nos últimos anos para denunciar agressões sexuais contra mulheres. Alguns se apressaram-se a exigir o estabelecimento de uma lei que reprima o assédio nas ruas (já aprovado na França), aspirando transformar as ruas em zonas semeadas de zombies, em locais de temor, de desconfiança, de silêncio, de guerra de géneros.

Cuidado com os que se desviam com um olhar de desconsideração. Cuidado com aqueles que mostram algum gesto ágil. Cuidado com aqueles que ousam qualquer prosa no meio de rosas aquelas que exibem uma pose sedutora. Entendemos a causa. A partir de agora as relações estão tensas. E os contra-ataques feministas são públicos.

Assim, pela propagação desta psicose "masculinofóbica", pela destilação da suspeita contra todo o homem, o decadente sistema capitalista tende a acentuar a divisão individualista na sociedade, já marcada pelo cada um por si. Como nos Estados Unidos, no Canadá ou em França, a separação relacional de género marcará em breve as relações humanas. Em todos os lugares, nesses três países, tanto nas empresas quanto nas ruas, os homens são expostos a processos legais por um olhar considerado concupisciente, num gesto reputado como tendencialmente obsceno ou uma palavra tida por tendenciosa. Até ao ponto em que a mistura em locais de trabalho e espaços públicos se tornou problemática hoje devido a possíveis acusações de agressão sexual por uma mulher. Além disso, reduzidos a autómatos, esses homens e mulheres devem conter os seus sentimentos, monitorizar os seus gestos, censurar as suas palavras. Em suma, devem  livrar-se de toda a familiaridade afectuosa, reduzir toda a sedução galante. Em resumo, eles são condenados pela sociedade robotizada  a abandonar qualquer contacto verdadeiramente humano.

Paradoxalmente, essa moda chega num momento de islamização fanática que se espalha por todo o mundo, marcado pela rejeição e pela proibição de diversidade. Isso é desafiante. Em períodos reaccionários, os piores miasmas surgem à superfície. Espíritos pequenos e vis encontram-se, para além de épocas e fronteiras, e para além das suas diferenças religiosas.

Partindo dos Estados Unidos, após as acusações de estupro contra o produtor americano Harvey Weinstein, essa histérica campanha "masculinofóbica" foi exportada, como um produto de Hollywood judiciosamente lucrativo, para muitos países, principalmente a França. As feministas, sempre rápidas em proferir gemidos de indignação por virgens assustadas, corriam para a espectacular brecha de hollywoodesca para exibir o seu indecente espectáculo masculino, exibido ao público com um vago prazer comercial. Nos seus delírios histéricos, convidam todas as mulheres a transformarem-se em delatoras, redactoras virtuais, a denunciar a suposta atitude predatória do homem.
O homem, eis o novo inimigo, para essas mulheres em luta contra o homem que as faz sofrer, segundo elas. O mal não é capitalismo, esse sistema opressivo e explorador, é a sua vítima, o explorado(a).
Nada as impede de tentar desvirilizar a sociedade. Da castração do homem. Da emasculação (estirpação da genitália - Nota do Tradutor) das relações humanas. Da efeminação do comportamento humano. Das transformações de género. Das mutações em papéis sexuais. De desculpas pela homossexualidade extensa e intensiva. Dos casamentos homossexuais, dos GPA. A glorificação das lutas dos sexos, no lugar da luta de classes.

Bem-vindos à elevação da sociedade a instrumento de combate,de  debate e de brincadeiras. Adeus à problemática social, à questão social, à reivindicação social, à luta social.

Nesta sociedade do espectáculo, cada qual pode interpretar uma comédia, para melhor mascarar a tragédia de sua vida. A luta feminista é um modismo da pequena burguesia, saciada e sem ocupação. De facto, em que é que a agressão a uma mulher, a violação de uma mulher, só diz respeito às mulheres? E torna-se, assim, pretexto para uma luta feminista estéril, incapaz de provocar a menor transformação, de estimular qualquer emancipação da mulher. Essas agressões e violações não relevam mais de um problema da sociedade que diz respeito a  todos os cidadãos?
Muito mais do que isso.  Esses comportamentos criminosos, bárbaros, não revelam senão a incapacidade desta sociedade capitalista, supostamente civilizada, em proteger as mulheres. Em oferecer igualdade real. Relações autenticamente humanas. Não revelam senão a natureza ainda arcaica desta sociedade marcada pela mentalidade patriarcal, o domínio da misoginia, da falocracia. De onde resulta que, um século de lutas feministas no âmbito do sistema capitalista, nada fez para mudar o comportamento dos homens. Nas sociedades islâmicas arcaicas, a penetração do capitalismo, pelo contrário, fez renascer o sexismo, a opressão contra as mulheres.
Prova, se necessário, que o feminismo é um combate burguês de rectaguarda. Para sua informação, vale a pena lembrar que durante a Comuna de Paris e durante a Revolução Russa, não houve movimentos feministas. Porque o combate total e radical envolvido implicava a participação igual de homens e mulheres. As reivindicações não foram fragmentadas, as lutas parcializadas. A questão das mulheres foi integrada na luta pela emancipação completa da comunidade humana. Fazia parte da luta colectiva libertar todas as formas de opressão. Essas opressões que ainda continuamos a sofrer. Portanto, deve-se relevar que o feminismo se espalha especialmente em tempos de paz social, de refluxo da luta do movimento social.

Nunca houve tantos movimentos de protesto na história como na nossa época. O movimento feminista. O movimento ecologista. O movimento anti-racista. O movimento homossexual, transgénero. O movimento para a protecção das crianças, dos animais, etc. Esta é a era da fragmentação das lutas, garantes do fortalecimento do capital.

Paralelamente, nunca houve um período de declínio nos ganhos sociais, de deterioração das condições de vida, do ecossistema, de regressão política, de expansão do desemprego, da miséria, da fome, das guerras generalizadas, dos êxodos em massa, das patologias psiquiátricas, do colapso dos laços sociais, da desestruturação das famílias, da explosão dos divórcios, da implosão das violências inter-pessoais.


Para voltar à nossas ociosas pequeno- burguesas feministas, vale a pena lembrar que elas só começaram a desestabilizar quando as celebridades entraram em cena para denunciar as agressões e violações de que foram vítimas por parte de homens altamente colocados, mas com atitudes inadequadas. Essas feministas pequeno-burguesas nunca se rebelaram quando proletárias pobres foram agredidas, violadas (assediadas, exploradas no seu local de trabalho).

Pela sua ânsia em se indignarem contra as agressões sexuais cometidas contra essas grandes damas do aparelho mediático, político e cultural, estas feministas pequeno-burguesas expressam a sua solidariedade de classe. Além disso, o comportamento predatório exposto sob os holofotes é obra de homens das classes opulentas dominantes. Detentores de poder em diferentes sectores económicos, políticos e culturais, esses homens usam e abusam das suas prerrogativas para saciar os seus baixos instintos sexuais, exercidos em nome do seu direito patriarcal de dormir com a noiva recentemente casada, antes do seu marido o fazer. Essas práticas de sedução forçada são prerrogativas estabelecidas nas mais altas esferas, nas empresas privadas como nas administrações públicas.

As classes mais populares são respeitadoras das mulheres e das suas colegas. Nas altas esferas, qualquer pequeno chefe age como um predador sexual. Aproveita o seu poder para exigir o exercício  do seu direito a desflorar a jovem virgem. Hoje, as feministas estão a tentar culpar todos os homens. De entregar à vingança mediática todos os homens. Uma vez mais, a maioria das agressões e violações sexuais são praticadas por quem está no poder, não pelo conjunto dos homens comuns.

Além disso, focamo-nos sobre a violência cometida contra as mulheres, nomeadamente sobre as mulheres que morreram sob os golpes dos seus companheiros. É um problema social, e não feminilidade. Sem absolutamente perdoar ou mesmo minorar esse dramático problema social, gostaríamos de revelar outra violência ainda mais dramática e massiva infligida a milhões de mulheres e homens em todo o mundo, sem que se levante indignação ou protesto. Pelo contrário, ninguém fala sobre isso. Não há organização que combata essas violações psicológicas, esses assédios patronais, esses genocídios profissionais diários. Essa é a violência sofrida nas empresas. Aquela que mata e prejudica centenas de pessoas por dia.
Quem sabe que os acidentes de trabalho matam um trabalhador (sem distinção de sexo) a cada quinze segundos? Ou seja,  6.300 pessoas por dia. No total, a cada ano, 2,3 milhões de homens e mulheres trabalhadores(as) são mortos no trabalho devido à falta de medidas de segurança, à negligência criminal dos patrões. Sem mencionar os outros milhões de trabalhadores feridos, declarados inaptos para a vida.
 
Verdadeiro holocausto perpetrado nas empresas perante a  indiferença geral. Sem esquecer todas as outras formas de assédio infligidas diariamente aos assalariados das empresas. Bullying. Suicídios. Alienação. Desigualdades entre trabalhadores "intelectuais" (altamente remunerados) e trabalhadores manuais (miseravelmente pagos), entre projectistas (valorizados) e executores (desprezados). Ninguém fala sobre essa desigualdade entre trabalhadores intelectuais e manuais. Ninguém denuncia a desigualdade de riqueza entre a classe dominante parasitária minoritária e a classe proletária maioritária.

O capitalismo carrega no seu ventre a morte, como as nuvens a tempestade. O capitalismo polui. O capitalismo é racista. O capitalismo é sexista. O capitalismo explora e oprime homens e mulheres. O capitalismo é imperialista. O capitalismo é tóxico, prejudicial, patogénico. Hoje, ele prova que é incapaz de superar um simples vírus, por causa da sua senilidade, da sua decadência. O coronavírus revelou o estado de morbidez avançada do capitalismo, que se tornou perigosa para a humanidade. Porque ele não apenas provou a sua incapacidade congénita de alimentar a humanidade, como hoje está a demonstrar de forma notória a sua incapacidade de proteger a humanidade de doenças, em particular devido à destruição de serviços sociais e infraestrutura hospitalar infligidos à sociedade.

Seja como for, a libertação e a emancipação das mulheres nunca serão alcançadas no quadro da sociedade capitalista. O combate da mulher está consubstancialmente ligado ao do homem, seu igual, e vice-versa. O seu inimigo é comum: o capitalismo, as tradições arcaicas opressivas, o patriarcado, as religiões regressivas e agressivas, os comportamentos destrutivos, as atitudes anti-sociais, os valores de mercado, os produtos de um capitalismo em putrefacção.

Hoje, o seu principal adversário é a fragmentação da sua luta radical em reivindicações parcelares. O feminismo é o caminho real para a apropriação indevida da luta emancipatória, a dispersão do combate salvífico, a fragmentação da consciência política revolucionária. Numa palavra: a esterilização do confronto de classes. O feminismo é o melhor aliado do capital.

Mesloub Khider




Sem comentários:

Enviar um comentário