Tornam-se cada vez mais claros os objectivos que se
pretendem alcançar com o autêntico golpe de estado que constituiu o decretar do
estado de emergência que entrou em
vigor no passado dia 22 de Março às 24 horas.
Vejamos:
O primeiro caso de coronavirus foi reportado no dia 31 de
Dezembro de 2019 em Wuhan, na República Popular da China. Em Portugal, o
primeiro caso foi referenciado no dia 2 de Março.
Houve, portanto, tempo para se tomarem as medidas adequadas à situação, nomeadamente, proceder
a um controlo sanitário mais efectivo nas fronteiras e aeroportos, aproveitando
a experiência que países como a China, Macau, Tawain, Coreia do Sul e, mais
tarde, a Itália e Espanha, vivenciavam e
continuam a vivenciar, mas o governo de
Costa, ficou à epera que os casos aumentassem e nada fez.
De forma
absolutamente criminosa, o governo que tem a responsabilidade da segurança dos
portugueses, através da Direcção Geral de Saúde (DGS) mostrou não só não ter qualquer plano como não foi capaz de estabelecer nenhum plano de contingência que assegurasse,
por um lado, medidas de prevenção imediata e, por outro, pudesse fazer um
levantamento rápido e rigoroso dos
recursos técnicos e humanos necessários
ao tratamento: ventiladores, trabalhadores do sector da saúde, de camas, de
câmaras e quartos de baixa pressão, etc.
Cerca de um mês após a eclosão da crise pandémica, o governo
não tomou nenhuma iniciativa para integrar, requisitando se a tal fosse
obrigado, todos os serviços de saúde – públicos e privados – numa rede de saúde
pública com uma única direcção. Muito menos se mostrou interessado em fazer
um levantamento da capacidade produtiva instalada para fazer face às rupturas
de stock em elementos tão determinantes para a prevenção como máscaras, gel
desinfectante, anti-piréticos, álcool, máscaras cirúrgicas, etc., mostrando um
total desconhecimento dos recursos do país
e uma incapacidade de coordenação e direcção da acção. Foram as próprias
empresas que se disponibilizaram para tal.
Em vez de tentar aproveitar a experiência militar na frente
hospitalar e na frente farmacológica, decidiu que a única tarefa que as FFAA (
Forças Armadas) poderiam desempenhar nesta crise era a de assessorar as forças
de segurança – PSP e GNR – na repressão daqueles que ousassem desobedecer às
“regras de confinamento” que lhe estão a ser impostas por força da lei de
emergência nacional, como se estas integrassem , a partir de agora, a
farmacologia anti-viral.
Mas, se desta lei agora aprovada e aplicada, não resultou
qualquer benefício – visível ou invisível – para o controlo da pandemia do COVID
– 19, já que os operários e trabalhadores foram, por sua espontânea iniciativa
e inteligência, os primeiros a aplicar o princípio do auto-confinamento social,
ainda muito antes da entrada em vigor da lei de emergência, então o que é que
ela, de facto, visa? Qual a razão deste autêntico
golpe de estado constitucional?
O que leva os governos de Portugal, de Itália, da Alemanha,
da França, de Espanha, do Reino Unido, etc., a decretarem o estado de
emergência? Se não advém dessa iniciativa nenhum benefício ou resultado na
contenção da pandemia, e os números mostram isso mesmo, a razão funda-se noutro contexto. Quanto a
nós, o alcance desta lei só pode entender-se na profunda crise social,
económica e política que advirá da destruição massiva do tecido produtivo. Ela
foi desenhada não para conter o COVID – 19, mas a mais que previsível
contestação política e social que advirá do agravamento da crise económica que
a crise pandémica exponencia, e que já se projectava antes da pandemia.
Encerramento de fábricas como a Continental – Mabor, em
Palmela e Famalicão, a Auto-Europa, a PSA em
Mangualde, utilizando, por exemplo,
as férias e banco de horas para tal, etc. Encerramento de comércio por
grosso e a retalho, como a SONAE, a ZARA, os principais centros comerciais,
restaurantes. Encerramento de
escritórios, encerramento da actividade turística, encerramento de fronteiras
que limitará a capacidade de exportação – sobretudo de produtos agrícolas - ,
encerramento de escolas e universidades, por um tempo indeterminado , mas que
se prefigura longo.
Tudo isto despoletará uma crise social e económica sem
precedentes em Portugal. Uma autêntica caixa de Pandora que o governo e o
presidente da República, com este golpe de estado, querem acautelar. Começando,
desde logo, por avançar com os fundamentos com os quais pensa travar a onda de
contestação que já antecipou.
Num quadro de economias diferenciadas e assimétricas, a solidariedade europeia, a convergência, e
outras falácias congéneres, começam, também elas, a evidenciar-se e a colapsar. Veja-se a senhora
Lagarde, chefe do Banco Central Europeu a afirmar, num primeiro momento, que se
os juros disparassem, esse não era um problema que competiria à União Europeia
e ao BCE resolver. E, portanto, que não se esperasse por uma intervenção destes
órgãos do capitalismo e imperialismo europeu.
Subjacente a estas afirmações está o passar-se a ideia de
que que a crise pandémica decorre de causas naturais sendo, portanto, uma crise
simétrica, atingindo da mesma forma
todos os países. Logo, cada país que
fique por sua conta! E assim fica a nú a
solidariedade europeia, o grande projecto europeu! O imperialismo europeu, sem um verdadeiro
plano europeu, obrigado a submeter-se ao
imperialismo chinês.
Esta posição veio a ser contestada e a Comissão Europeia
alterou-a, lançando um pacote de 750 mil milhões de euros , através do programa PEPP – Pandemic Emergency Purchase Program-
não se sabendo como serão distribuídos esses fundos. Poderemos ter apenas uma
certeza, a de que levarão imenso tempo primeiro que cheguem onde dizem
pretender chegar – às famílias e às pequenas, médias e micro empresas.
Contudo, ao injectar-se um montante desta envergadura na
economia, só se está a injectar liquidez através da compra de dívida soberana e
de dívida das empresas, baixando taxas de juro, solução praticamente esgotada
dado as taxas já estarem negativas. Conclusões:
·
A dívida aumentará, prevendo-se que regresse,
rapidamente, aos 130% do PIB;
·
O PIB sofrerá uma retracção de 1 a 8,5%
·
A taxa de desemprego disparará para níveis que
se situarão entre os 8 e os 14%;
·
Aumentarão exponencialmente as falências,
sobretudo de pequenas, médias e micro empresas
·
O saldo orçamental será negativo – entre menos 1
e menos 7,5%
Quem, uma vez mais, vai beneficiar desta crise - agora pandémica, mas
sempre com um vertente económica e financeira - vai ser a banca. Os milhares de
milhões de que se fala de empréstimos para assegurar liquidez às
empresas vão - tal como aconteceu aquando da crise financeira que trouxe a
tróica a Portugal em 2011- servir para as empresas pagarem à banca dívidas em
relaxe e contraírem novas dívidas, todas com o aval do Estado, o que significa
que se forem à falência entretanto, o que vai acontecer a muitas, os bancos
nada sofrem porque vão receber tudo e a classe operária vai ser obrigada pagar
com um redobrar da exploração. Se as empresas se aguentarem com essas
novas dívidas a banca ganha na mesma porque vai cobrar na base de um juro
de 3,5%, enquanto vai buscar esse dinheiro ao BCE a juros negativos de -0,75%.
Demonstrando um desnorte completo, de órfão sem tutela, o governo de Costa
anuncia medidas pouco explícitas e demonstrativas de grande insegurança. Apresenta
um plano de emergência que corresponde a 5% do PIB nacional (quando o da
Alemanha é de 15% e o da Espanha de 8%).
Anuncia que serão injectados na economia 9,2 mil milhões de euros, mas só
em medidas de liquidez (isto é, tesouraria), não havendo ajudas directas nem a
fundo perdido. Destes, cerca de 3 mil milhões correspondem a linhas de crédito:
·
Para o turismo, de 200 a
900 milhões
·
Para agências de viagens
e restauração, de 600 milhões
·
Para a indústria têxtil
e calçado, madeira e imobiliário e indústria extractiva, cerca de 1,3 mil
milhões
Cerca de 5,2 mil milhões
de euros para satisfazer o plano apresentado pelo governo, provêm de impostos e
pagamentos à Segurança Social, mas constituirão apenas um paliativo para aguentar
o primeiro impacto da crise. Contudo, não nos podemos esquecer que tudo terá de
ser pago, criando mais tarde um acumular de dívidas não só às empresas, mas
também às famílias que, sem terem poupanças, vivem sem folgas orçamentais, apenas
dos seus salários.
Desconhece-se quais os
bancos que participarão nestas linhas de crédito, mas sabe-se que todo o
dinheiro que for emprestado terá de ser devolvido. Ainda por cima, tais
empréstimos serão efectuados na base de uma garantia do estado. O desnorte
prossegue pois ainda se desconhecem as condições em que tais empréstimos terão
lugar, mormente quanto a valores de juros ou a bonificações que lhes estejam
associados. A única coisa que o governo sabe anunciar é que a estes empréstimos podem
candidatar-se todas as empresas onde não tenham havido despedimentos.
Porém, não se assinala a
partir de que momento se deve contabilizar essa quebra – o que já de si limita
a elegibilidade – e impõe-se o critério de que a este plano só podem aderir
empresas que não registem dívidas à segurança social e ao fisco.
A comprovar a natureza
de classe deste golpe de estado constitucional que representa a lei de
emergência nacional, temos a facilitação do lay off , um instrumento
que prevê a suspensão temporária da actividade, com redução de um terço do
vencimento do trabalhador e o restante a pagar
pela segurança social - 70% - e
pela entidade patronal – 30%. Diz o governo que só podem recorrer a este instrumento, empresas cujo volume de negócios tenham sofrido uma quebra de 40%, devido aos efeitos da pandemia. Um "estado de alma", já que não se diz como é que essa quebra é medida e controlada.
A acção musculada da direita nacional (incluindo aquela que
se afirma de esquerda), que redundou na declaração do Estado de Emergência, assenta numa dualidade de critérios que dá ao
Governo o poder para obrigar os trabalhadores a trabalharem em condições de
risco para a sua saúde, mas não obriga o patronato a criar as condições de
trabalho que evitem o contagio dos trabalhadores.
Cabe-nos, aqui fazer uma
chamada de atenção para os pagamentos feitos pela segurança social, que não
pode ficar sujeita a colapsar para depois se
fazer o que há muito tempo se pretende, a sua falência. Os salários de
todos os trabalhadores devem ser pagos integralmente e com verbas a fundo
perdido, de forma a garantir a sustentabilidade da segurança social e evitar a
falência dos trabalhadores.
Escudado atrás de
banalidades generalistas como a necessidade de “apoios às empresas e às
pessoas”, retemos o anúncio da não caducidade dos contratos de arrendamento por
um período de três meses, dando a ideia de que tal medida beneficiaria,
sobretudo, os arrendamentos habitacionais. O decreto que entrou em vigor às 24
horas do dia 22 de Março, porém, só faz menção a contratos de arrendamento
empresarial, isto é, a lojas, escritórios, armazéns, fábricas, etc.
Neste mar de
propositadas incertezas, existem algumas certezas: a requisição civil
arbitrária, a suspensão da lei da greve, a inibição do direito constitucional
de reunião e manifestação, bem como de resistência. Mas, também o poder
discricionário que o estado tem quanto à mobilidade dos cidadão e dos funcionários
públicos. Estes últimos estão, a partir de agora, segundo reza o nº3, alínea b)
do Artigo 15º da Lei de Emergência Nacional, sujeitos à imposição de exercerem
as suas funções “...em local diferente do habitual, em entidade diversa ou em
condições e horários de trabalho diferentes...”. Puro delírio fascista!
Cúmplices de toda esta
situação – quer porque votaram a favor, quer porque se abstiveram (o que no
contexto actual é o mesmo que aprovar) – são todos os partidos do “arco
parlamentar”. Sobretudo a alegada esquerda parlamentar, que se destaca por
servir de muleta, uma vez mais, ao governo de Costa, mormente ao
disponibilizar-se para a discussão e aprovação de orçamentos rectificativos.
Nenhum deles contesta as
opções do governo de Costa e Centeno quanto às prioridades que sempre
estabeleceu, desde que se alcandorou no poder, de preterir o financiamento de
um Serviço Nacional de Saúde para que agora estivesse habilitado a fazer uma
melhor prevenção do alastramento do vírus COVID- 19 e um tratamento mais eficiente
dos doentes por ele afectados, a favor dos agiotas internacionais e nacionais
que nos impõem o pagamento de uma dívida que não foi contraída pelo povo e se
preparam, dado que o estado avaliza os financiamentos anunciados, para engordar
os seus cofres à custa de um aumento exponencial dessa dívida e à custa de uma
factura mais pesada para quem trabalha.
A crise económica e financeira do sistema capitalista e imperialista vai-se
aprofundar ainda mais, o que reforça a ideia de que a Lei de Emergência
Nacional não visa facilitar a prevenção e tratamento dos casos afectados pela
crise pandémica, mas acautelar os interesses da burguesia que se vai ver
confrontada, a muito breve trecho, com uma crise social e política sem
precedentes, com permanentes levantamentos populares que são a antecâmara das
revoluções.
A crise económica e financeira do capitalismo e do imperialismo mundial
precede a crise pandémica. Não é esta que determina a situação em que aquela se
encontra. Apenas a agrava, acelerando o seu desfecho, que é o da destruição do
modo de produção capitalista e da escravatura assalariada.
Não à Lei de Emergência! Sim à emergência no combate à pandemia!
Não ao golpe de estado!
Retirado de: http://www.lutapopularonline.org/index.php/pais/104-politica-geral/2688-covid-19-golpe-de-estado-a-coberto-de-crise-pandemica
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