quarta-feira, 18 de março de 2020

A OPEP estremece e a crise passa disfarçada com o Coronavirus





 16  de Março de 2020 Robert Bibeau  
Por Pepe Escobar.  Sobre Mondialisation.ca






Uma verdadeira reviravolta ocorreu na sexta-feira passada em Viena, quando discussões relativamente corteses se transformaram num colapso de facto da OPEP +.
O planeta está nas garras de uma série de "cisnes negros" - um colapso de Wall Street causado por uma alegada guerra do petróleo entre a Rússia e a Casa de Saud, mais a disseminação descontrolada do Covid-19 - levam a um “pandemónio de activos cruzados” (pandémonium d’actifs croisés ), como afirma a holding japonesa Nomura?
Ou, como sugere o analista alemão Peter Spengler, tudo o que "a catástrofe evitada no Estreito de Ormuz havia ainda provocado até à datanão, poderia agora vir de" forças de mercado "?
Comecemos por aquilo que realmente se passou depois de cinco anos de discussões relativamente corteses sexta-feira passada em Viena. Aquilo que se transformou num colapso de facto da OPEP + foi uma verdadeira reviravolta da situação.

A OPEP + inclui a Rússia, o Cazaquistão e o Azerbaijão. De facto, depois de anos de preços da OPEP - resultado da pressão incansável dos EUA na Arábia Saudita - enquanto pacientemente reconstruía as suas reservas de divisas estrangeiras, Moscovo vislumbrou a ocasião perfeita para atacar, visando a indústria americana de xisto.

As acções de alguns desses produtores americanos caíram 50% na "Segunda-feira Negra". Eles não conseguem simplesmente sobreviver com um barril de petróleo nos 30 dólares - e é para onde estamos a ir. Afinal, essas empresas estão a afogar-se em dívidas.
Um barril de petróleo a 30 dolares deve ser visto como um presente precioso e um conjunto de pacotes de relançamento para uma economia global em turbulência – em particular do ponto de vista dos importadores de petróleo e dos consumidores. Foi isso que a Rússia tornou possível.

E o relançamento pode demorar um certo tempo. O Fundo da Riqueza Nacional da Rússia deixou claro que possui reservas suficientes (mais de 150 biliões de dólares) para cobrir um défice orçamental de seis a dez anos - mesmo com o petróleo a 25 dólares o barril. O Goldman Sachs já apostou num possível Brent a 20 dólares o barril.
Como o assinala os negociantes do Golfo Pérsico, a chave para o que é percepcionado nos Estados Unidos como uma "guerra do petróleo" entre Moscovo e Riad reside essencialmente em derivativos. Basicamente, os bancos não poderão pagar aos especuladores que possuem um  seguro para produtos derivativos contra uma queda acentuada do preço do petróleo. A tensão  adicional advem do pânico dos intermediários, com a expansão do Covid-19 em países que claramente não estão preparados para lidar com ele.

O presidente russo, Vladimir Putin, durante as negociações sobre energia russo-saudita em 14 de outubro de 2019 em Riad. (Kremlin)

Observar o jogo russo

Moscovo teve que apostar de antemão que as acções russas negociadas em Londres - como as da Gazprom, Rosneft, Novatek e Gazprom Neft - entrariam em colapso. Segundo Leonid Fedun, co-proprietário da Lukoil, a Rússia poderá perder até  150 milhões de dólares por dia a partir de agora. A questão é saber por quanto tempo isso será aceitável.

No entanto, desde o início, a posição da Rosneft era a de que, para a Rússia, o acordo da OPEP + era “vazio de sentido" e mais não fazia do que "abrir caminho" para o petróleo de xisto americano.
O consenso entre os gigantes da energia russos foi que a atual configuração do mercado - uma"procura negativa de petróleo" (sic) massiva, um "choque de procura" positivo e nenhum produtor swing (que induz redução na cota da produção de um produto, a fim de evitar uma queda maior de preços, amortecendo os desequilíbrios entre a oferta e a procura – Nota do Tradutor).- inevitavelmente reduziria o preço do petróleo . Eles assistiram impotentes enquanto os Estados Unidos já estavam a vender petróleo (subsidiado) a um preço mais baixo do que a OPEP.

A acção de Moscovo contra a indústria de fracking (fracturação) dos EUA era uma a vingança contra a administração Trump, que atacou o projeto Nord Stream 2. A inevitável e forte desvalorização do rublo (dévaluation du rouble ) estava em jogo - considerando também que o rublo já estava baixo de qualquer forma. (O rublo apenas antecipa o que acontecerá em breve a todas as moedas e especialmente ao petrodólar o que assusta os sauditas. Nota do Editor).
No entanto, o que aconteceu depois de Viena tem pouco a ver com uma guerra comercial entre a Rússia e a Arábia Saudita. O Ministério da Energia da Rússia é fleumático (flegmatique): siga em frente, não há nada a fazer aqui. Riad, de forma significativa, emitiu sinais de que o acordo da OPEP + poderá voltar aos mercados num futuro próximo. Um cenário possível é que essa terapia de choque continue até 2022, depois que a Rússia e a OPEP regressem à mesa de negociações para concluir um novo acordo. (Mas sob novas condições económicas porque a crise e a sua pandemia terão passado por lá. Nota do Editor).

Não existem números definitivos, mas o mercado do petróleo representa menos de 10% do PIB da Rússia (era de 16% em 2012). Em 2019, as exportações de petróleo do Irão caíram 70% e Teerão ainda assim conseguiu adaptar-se. No entanto, o petróleo representa mais de 50% do PIB da Arábia Saudita. Riad precisa de petróleo a 85 dólares por barril para pagar suas contas. O orçamento para 2020, com petróleo bruto entre 62 e 63 dólares por barril, ainda apresenta um déficit de 50 biliões de dólares.

A Aramco afirma que a partir de 1º de abril oferecerá nada menos que 300.000 barris de petróleo por dia, mais do que a sua "capacidade máxima sustentada". Eles dizem que serão capazes de produzir 12,3 milhões de barris por dia.

Os negociantes do Golfo Pérsico dizem abertamente que não é viável. Essa é a questão. Mas a Casa de Saud, em desespero de causa, vai retirar das suas reservas estratégicas para derramar o máximo de petróleo bruto possível, desde que possível - e manter a guerra de preços no auge. A ironia é que as principais vítimas da guerra de preços são uma indústria pertencente ao protector americano. (É aqui que a aliança atlântica será posta em causa pelos seus aliados - alemães, árabes e outros. A pandemia será o pretexto para essa frente de libertados  que procuram um novo mentor - Nota do Editor)

A Arábia Saudita ocupada é um desastre. O Wall Street Journal informou (rapporté) na sexta-feira que um dos irmãos do rei, o príncipe Ahmed bin Abdulaziz al Saud, e um sobrinho, o príncipe Mohammed bin Nayef, dois poderosos sauditas, foram presos e acusados ​​de traição por supostamente conspirar contra o Rei Salman e seu filho, príncipe herdeiro Mohammed bin Salman (MbS).
Todo o grão de areia no deserto de Nefud sabe que o amigo WhatsApp de Jared da Arábia Kushner, Mbs, esteve de facto no poder estes últimos cinco anos, mas o tempo da sua nova purga em Riad diz muito.

O príncipe herdeiro saudita Mohammad bin Salman Al Saud durante as negociações de energia russo-saudita em 14 de outubro de 2019 em Riad. (Kremlin)

A CIA está furiosa: Nayef foi e continua a ser o principal trunfo de Langley. O facto de o regime saudita denunciar os "americanos" como parceiros de um eventual golpe de estado contra MbS deve ser interpretado como "CIA". Não será senão uma questão de tempo para que o American Deep State (estado profundo americano – Nota do tradutor), em conjunto com elementos insatisfeitos da Guarda Nacional, venha pela cabeça de MbS - mesmo quando articula a tomada do poder total (prise du pouvoir total) antes do Cimeira do G-20 em Riad em novembro próximo.

 Black Hawk abatido ?
O que acontecerá a seguirde? No meio de um tsunami de cenários, de Nova York a todas as partes da Ásia, a regra mais optimista é a de que a China está prestes a vencer a "guerra do povo" contra o Covid-19, e os números mais recentes confirmam isso. Nesse caso, a procura mundial por petróleo poderia aumentar em pelo menos 480.000 barris por dia.

Pois bem, é bastante mais complicado.

O jogo aponta agora para uma confluência de Wall Street em pânico, a histeria em massa ao redor do Covid-19, as inúmeras réplicas secundárias da desordem comercial mundial do presidente Donald Trump, o circo eleitoral americano e a instabilidade política na Europa. Essas crises sobrepostas formam a tempestade perfeita. No entanto, o ângulo do mercado pode ser facilmente explicado como o provável início do fim da injeção pelo Fed de dezenas de triliões de dólares na economia através de flexibilizações quantitativas (QE) e de pensões, desde 2008. É isso que designamos por bluff  dos banqueiros centrais.

Pode-se dizer que o actual pânico financeiro não será resolvido até que o último cisne negro - Covid-19 - seja contido. Citando o famoso ditado de Hollywood - "ninguém sabe de nada" - todas as apostas estão em aberto. No meio de uma névoa espessa, e independentemente da quantidade habitual de desinformação, um analista do Rabobank, entre outros, imaginou quatro cenários plausíveis do Covid-19. Ele estima agora que está a ficar "feio" (laid) e que o quarto cenário - "o impensável" - não está tão distante assim. (De facto, Pepe tem a tarefa de preparar a opinião para esse 4º cenário, porque é o único que é plausível - Nota do Editor)

 Isso implica uma crise económica mundial de um aplitude, essa sim, impensável.

Tudo  dependerá em grande parte da velocidade com que a China - o incontornável elo crucial na cadeia de abastecimento mundial com fluxo contínuo - retornará a uma nova normalidade, compensando as intermináveis ​​semanas de confinamento. (Este é o cenário que apresentamos como inevitável nesta sexta-feira 13: https://les7duquebec.net/archives/253280 . Crise sistémica e troca da liderança hegemónica – Nota do Editor)

Desprezada, discriminada, demonizada 24 horas por dia, 7 dias por semana pelo "líder do sistema", a China tornou-se um verdadeiro Nietzsche - prestes a provar que "o que não nos mata torna-nos mais fortes" quando do que se trata é de uma "guerra do povo" contra o Covid-19. Na frente americana, há pouca esperança de que o extravagante Black Hawk (falcão negro) caia de uma vez por todas. O último Cisne Negro terá a última palavra. (A menos que seja o pardal trabalhador ... Robert Bibeau – Nota do Editor).




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