16 de Março de 2020 Robert Bibeau
Uma verdadeira reviravolta ocorreu na sexta-feira passada em
Viena, quando discussões relativamente corteses se transformaram num colapso de
facto da OPEP +.
O planeta está nas garras de uma série de "cisnes
negros" - um colapso de Wall Street causado por uma alegada guerra do
petróleo entre a Rússia e a Casa de Saud, mais a disseminação descontrolada do Covid-19
- levam a um “pandemónio de activos cruzados” (pandémonium
d’actifs croisés ), como afirma a holding
japonesa Nomura?
Ou, como sugere o analista alemão Peter Spengler, tudo o
que "a catástrofe evitada no Estreito de Ormuz havia ainda provocado até à
datanão, poderia agora vir de" forças de mercado "?
Comecemos por aquilo que realmente se passou depois de cinco
anos de discussões relativamente corteses sexta-feira passada em Viena. Aquilo
que se transformou num colapso de facto da OPEP + foi uma verdadeira
reviravolta da situação.
A OPEP + inclui a Rússia, o Cazaquistão e o Azerbaijão. De
facto, depois de anos de preços da OPEP - resultado da pressão incansável dos
EUA na Arábia Saudita - enquanto pacientemente reconstruía as suas reservas de divisas
estrangeiras, Moscovo vislumbrou a ocasião perfeita para atacar, visando a
indústria americana de xisto.
As acções de alguns
desses produtores americanos caíram 50% na "Segunda-feira Negra".
Eles não conseguem simplesmente sobreviver com um barril de petróleo nos 30
dólares - e é para onde estamos a ir. Afinal, essas empresas estão a afogar-se
em dívidas.
Um barril de petróleo a 30 dolares deve ser visto como um
presente precioso e um conjunto de pacotes de relançamento para uma economia
global em turbulência – em particular do ponto de vista dos importadores de
petróleo e dos consumidores. Foi isso que a Rússia tornou possível.
E o relançamento pode demorar um certo tempo. O Fundo da
Riqueza Nacional da Rússia deixou claro que possui reservas suficientes (mais
de 150 biliões de dólares) para cobrir um défice orçamental de seis a dez anos
- mesmo com o petróleo a 25 dólares o barril. O Goldman Sachs já apostou
num possível Brent a 20 dólares o barril.
Como o assinala os negociantes do Golfo Pérsico, a chave
para o que é percepcionado nos Estados Unidos como uma "guerra do
petróleo" entre Moscovo e Riad reside essencialmente em derivativos.
Basicamente, os bancos não poderão pagar aos especuladores que possuem um seguro para produtos derivativos contra uma queda
acentuada do preço do petróleo. A tensão adicional advem do pânico dos intermediários,
com a expansão do Covid-19 em países que claramente não estão preparados para
lidar com ele.
O presidente russo, Vladimir Putin, durante as negociações sobre energia russo-saudita em 14 de outubro de 2019 em Riad. (Kremlin) |
Observar o jogo russo
Moscovo teve que apostar de antemão que as acções russas
negociadas em Londres - como as da Gazprom, Rosneft, Novatek e Gazprom Neft
- entrariam em colapso. Segundo Leonid Fedun, co-proprietário da Lukoil,
a Rússia poderá perder até 150 milhões
de dólares por dia a partir de agora. A questão é saber por quanto tempo isso será
aceitável.
No entanto, desde o início, a posição da Rosneft era a de que, para a Rússia, o acordo da OPEP + era “vazio de sentido" e mais não fazia do que "abrir caminho" para o petróleo de xisto americano.
O consenso entre os gigantes da energia russos foi que a
atual configuração do mercado - uma"procura negativa de petróleo"
(sic) massiva, um "choque de procura" positivo e nenhum produtor swing (que induz redução
na cota da produção de um produto, a fim de evitar uma queda maior de preços,
amortecendo os desequilíbrios entre a oferta e a procura – Nota do Tradutor).-
inevitavelmente reduziria o preço do petróleo . Eles assistiram impotentes
enquanto os Estados Unidos já estavam a vender petróleo (subsidiado) a um preço mais baixo do que a OPEP.
A acção de Moscovo contra a indústria de fracking (fracturação) dos EUA era uma a
vingança contra a administração Trump, que atacou o projeto Nord Stream 2. A inevitável e forte
desvalorização do rublo (dévaluation
du rouble ) estava em jogo - considerando
também que o rublo já estava baixo de qualquer forma. (O rublo apenas antecipa o que acontecerá em breve a todas as moedas e
especialmente ao petrodólar o que assusta os sauditas. Nota do Editor).
No entanto, o que aconteceu depois de Viena tem pouco a ver
com uma guerra comercial entre a Rússia e a Arábia Saudita. O Ministério da
Energia da Rússia é fleumático (flegmatique):
siga em frente, não há nada a fazer aqui. Riad, de forma significativa, emitiu
sinais de que o acordo da OPEP + poderá voltar aos mercados num futuro próximo.
Um cenário possível é que essa terapia de choque continue até 2022, depois que
a Rússia e a OPEP regressem à mesa de negociações para concluir um novo acordo.
(Mas sob novas condições económicas
porque a crise e a sua pandemia terão passado por lá. Nota do Editor).
Não existem números definitivos, mas o mercado do petróleo representa menos de 10% do PIB da Rússia (era de 16% em 2012). Em 2019, as exportações de petróleo do Irão caíram 70% e Teerão ainda assim conseguiu adaptar-se. No entanto, o petróleo representa mais de 50% do PIB da Arábia Saudita. Riad precisa de petróleo a 85 dólares por barril para pagar suas contas. O orçamento para 2020, com petróleo bruto entre 62 e 63 dólares por barril, ainda apresenta um déficit de 50 biliões de dólares.
A Aramco afirma que a partir de 1º de
abril oferecerá nada menos que 300.000 barris de petróleo por dia, mais do que a
sua "capacidade máxima sustentada". Eles dizem que serão capazes de
produzir 12,3 milhões de barris por dia.
Os negociantes do Golfo Pérsico dizem abertamente que não é
viável. Essa é a questão. Mas a Casa de Saud, em desespero de causa, vai
retirar das suas reservas estratégicas para derramar o máximo de petróleo bruto
possível, desde que possível - e manter a guerra de preços no auge. A ironia é que as principais vítimas da
guerra de preços são uma indústria pertencente ao protector americano. (É aqui que a aliança atlântica será posta em
causa pelos seus aliados - alemães, árabes e outros. A pandemia será o pretexto
para essa frente de libertados que procuram um novo mentor - Nota do Editor)
A Arábia Saudita ocupada é um desastre. O Wall Street Journal informou (rapporté)
na sexta-feira que um dos irmãos do rei, o príncipe Ahmed bin Abdulaziz al
Saud, e um sobrinho, o príncipe Mohammed bin Nayef, dois poderosos sauditas,
foram presos e acusados de traição por supostamente conspirar contra o Rei
Salman e seu filho, príncipe herdeiro Mohammed bin Salman (MbS).
Todo o grão de areia no deserto de Nefud sabe que o amigo
WhatsApp de Jared da Arábia Kushner, Mbs, esteve de facto no
poder estes últimos cinco anos, mas o tempo da sua nova purga em Riad diz muito.
O príncipe herdeiro saudita Mohammad bin Salman Al Saud durante as negociações de energia russo-saudita em 14 de outubro de 2019 em Riad. (Kremlin) |
A CIA está furiosa: Nayef foi e continua a ser o principal
trunfo de Langley. O facto de o regime saudita denunciar os
"americanos" como parceiros de um eventual golpe de estado contra MbS
deve ser interpretado como "CIA". Não será senão uma questão de tempo
para que o American Deep State (estado
profundo americano – Nota do tradutor), em conjunto com elementos
insatisfeitos da Guarda Nacional, venha pela cabeça de MbS - mesmo quando articula
a tomada do poder total (prise
du pouvoir total) antes do Cimeira do G-20 em Riad em novembro
próximo.
Black Hawk abatido ?
O que acontecerá a seguirde? No meio de um tsunami de
cenários, de Nova York a todas as partes da Ásia, a regra mais optimista é a de
que a China está prestes a vencer a "guerra do povo" contra o Covid-19,
e os números mais recentes confirmam isso. Nesse caso, a procura mundial por
petróleo poderia aumentar em pelo menos 480.000 barris por dia.
Pois bem, é bastante mais complicado.
O jogo aponta agora para uma confluência de Wall Street em
pânico, a histeria em massa ao redor do Covid-19, as inúmeras réplicas secundárias
da desordem comercial mundial do presidente Donald Trump, o circo
eleitoral americano e a instabilidade política na Europa. Essas crises
sobrepostas formam a tempestade perfeita. No entanto, o ângulo do mercado pode
ser facilmente explicado como o provável início do fim da injeção pelo Fed de
dezenas de triliões de dólares na economia através de flexibilizações
quantitativas (QE) e de pensões, desde 2008. É isso que designamos por bluff dos banqueiros centrais.
Pode-se
dizer que o actual pânico financeiro não será resolvido até que o último cisne
negro - Covid-19 - seja contido. Citando o famoso ditado de Hollywood -
"ninguém sabe de nada" - todas as apostas estão em aberto. No meio de
uma névoa espessa, e independentemente da quantidade habitual de desinformação,
um analista do Rabobank, entre outros, imaginou quatro cenários plausíveis do
Covid-19. Ele estima agora que está a ficar "feio" (laid)
e que o quarto cenário - "o impensável" - não está tão distante assim.
(De facto, Pepe tem a tarefa de preparar
a opinião para esse 4º cenário, porque é o único que é plausível - Nota do Editor)
Isso implica uma crise
económica mundial de um aplitude, essa sim, impensável.
Tudo dependerá em
grande parte da velocidade com que a China - o incontornável elo crucial na
cadeia de abastecimento mundial com fluxo contínuo - retornará a uma nova
normalidade, compensando as intermináveis semanas de confinamento. (Este é o cenário que apresentamos como
inevitável nesta sexta-feira 13: https://les7duquebec.net/archives/253280
. Crise sistémica e troca da liderança
hegemónica – Nota do Editor)
Desprezada, discriminada, demonizada 24 horas por dia, 7
dias por semana pelo "líder do sistema", a China tornou-se um
verdadeiro Nietzsche - prestes a provar que "o que não nos mata torna-nos
mais fortes" quando do que se trata é de uma "guerra do povo"
contra o Covid-19. Na frente americana, há pouca esperança de que o extravagante
Black Hawk (falcão negro) caia de uma vez por todas. O último Cisne Negro terá
a última palavra. (A menos que seja o
pardal trabalhador ... Robert Bibeau – Nota do Editor).
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