domingo, 15 de março de 2020

Coronavirus : crise económica mundial e pandemia






por Robert Bibeau

    
A economia financeirizada e mundializada

Seja o que for que pensem os altermundialistas, os "anti-mundialistas" e os nacionalistas, vivemos numa economia financeirizada e mundializada, que designamos economia imperialista globalizada e integrada. O mais recente colapso do mercado de acções, o de 12 de Março - o terceiro de um mês, o "colapso do Coronavírus", como o classificam os escribas a soldo dos banqueiros, veio relembrar-nos. Agora, uma malvada gripe viral, originária do Wuhan chinês, teria derrubado a economia mundial financeira e digitalizada. É credível? A economia global é tão frágil? Sim e não!

Sim, o modo de produção capitalista financeirizado, no final da sua vida útil, é muito frágil. Como um moribundo, o grande capital internacional, sujeito às leis imperativas da economia política imperialista, multiplica sem sucesso as manobras de reanimação o que conduz os trusts internacionais concorrentes, cuja missão fundamental é valorizar o capital (investir, produzir e vender – encaixar os lucros - reinvestir), para travar uma guerra comercial impiedosa que enfraquece toda a economia - que uma simples gripe viral pode prejudicar. Sobretudo se o centro da chamada "pandemia" estiver no coração do dragão comercial mundial. (1)
Os primeiros crashs bolsistas sob hegemonia chinesa
 Segunda-feira, 9 de Março e quinta-feira, 12 de Março de 2020, marcam as datas dos primeiros colapsos do mercado de acções sob o reinado da nova potência económica mundial; aqui está uma primeira lição que deve ser aprendida nesta semana sombria. Isso significa que especialistas, economistas, analistas, profissionais de marketing e financiadores de todo o mundo devem examinar minuciosamente, menos as decisões tomadas em Wall Street e na Casa Branca, seu ramo político, mas mais na Bolsa de Valores de Xangai e na sua sucursal de Pequim. (2)
A China representa 30% da produção industrial mundial e 35% do comércio internacional (Novas Rotas da Seda). A China é uma enorme plataforma integrada produtora de mais-valia e lucros que as multinacionais do mundo distribuem em seguida; e que elas repatriam para os seus países através de paraísos fiscais; ou reinvestem produtivamente - se houver consumo - ou jogam à roleta bolsista quando os mercados estão congestionados. Imaginem o efeito catastrófico de uma pandemia em mercados já congestionados. Quando a fonte chinesa de valorização internacional do capital seca, por falta de mercados, o conjunto da economia mundial parasitária afunda-se, o que se manifesta por três crashs bolsistas sucessivos a 27 de Fevereiro, 9 e 12 de Março de 2020. Esses dias negros não criaram a crise económica nem amorteceram a recessão global; eles simplesmente a expuseram à luz do dia por ocasião de uma "pandemia" oportuna. (3)
O crash de 12 de Março tinha sido preparado pelos dias sombrios de Fevereiro. Foi uma semana negra, inédita desde a crise económica global de 2008, da qual mal emergimos: os mercados entraram, quinta-feira, 27 de Fevereiro de 2020, em fase de "correcção". Falamos de uma fase de "correcção" quando os índices do mercado de acções perdem mais de 10%, o que ocorreu em quase todos a parte. “A 9 e 12 de Março, à crise sanitária junta-se agora o crash petrolífero (krach pétrolier). O barril de brent perdeu mais de 20% (45% desde o início do ano) e caiu abaixo de 36 dólares na segunda-feira, após o colapso das negociações entre a OPEP e a Rússia. "(4)

Em Paris, a bolsa abriu com alguns minutos de atraso segunda-feira de manhã , o tempo que o operador bolsista teve para ajustar o preço de abertura de certos títulos reservados à baixa. Entre o seu pico de 6.111 pontos de 19 de Fevereiro e o encerramento de segunda-feira, em 4.707 pontos, o CAC 40 perdeu quase 23%. Numa sessão, o índice de Paris caiu 8,39%. Uma queda excepcional. A última dessa magnitude remonta a 2008: em 10 de Outubro, a Bolsa de Paris tinha perdido 7,73% e, quatro dias mais tarde, caiu 9,04% numa única sessão. Recomeça tudo de novo  na quinta-feira, 12 de Março e perde 12% dos índices bolsistas mundiais.

OPEP: a estratégia petrolífera de Moscovo confronta Riade
O Banco de França anunciou que não esperava senão um crescimento do PIB de 0,1% (La Banque de France a annoncé qu'elle ne tablait plus que sur une progression du PIB de 0,1%) no primeiro trimestre. O sector bancário (Le secteur bancaire), tal como os grupos petrolíferos, foi seriamente atingido. (5) Consequência dessa guerra comercial entre produtores de combustíveis fósseis, o barril de petróleo gira em torno de 30 a 35 dólares, causando uma queda na economia dos países produtores de petróleo e dos empresários americanos de petróleo de xisto, estejam ou não ameaçados pelo coronavírus. Pior, as monarquias petrolíferas do Golfo Pérsico estão cada vez mais tentadas a abandonar o petrodólar injectado e a desvalorizar como moeda de reserva, contra a qual a ex-hegemónica América de Donald Trump retalia com ataques de força militar aventureiros, mesmo desesperados. (6)


Wall Street chancela
 Wall Street afundou, registando uma atrás de outra as suas piores sessões desde a crise financeira de 2008. O Dow Jones fechou em queda de -7,83%, o NASDAQ em -7,29% e o S&P 500 em -7 , 64% em 9 de Março e de -12,93% em 12 de Março. Anteriormente, mais cedo durante o dia, os operadores da bolsa haviam activado os disjuntores para tentar evitar o colapso. Na abertura de Wall Street, as trocas tiveram assim que ser suspensas por 15 minutos após o afundamento de 7% do índice alargado  S&P 500. No momento da interrupção, o Dow Jones Industrial Average já havia desmoronado 7,29% e o NASDAQ havia caído 6,86%. A mesma contra-performance na sessão de 12 de Março (-12,9%).
Neste ambiente volátil, os gurus do mercado desaconselham os investidores a tentar apanhar "as facas que tombam". Num vídeo publicado pela agência Bloomberg, Mohamed El-Erian, consultor económico na Allianz, lançou uma rara recomendação: "não compre durante este vazio bolsista". Dito de outra forma, não é hora de ser tentado por compras a bom preço. A incerteza em torno desta crise torna a operação arriscada, segundo o economista. (5)

Do vírus económico ao vírus sanitário
A questão permanece: pode uma gripe, que matou alguns milhares de idosos, aproximadamente 4.500 sobre 8 biliões de indivíduos ou 0,0000005% da população mundial (7), explicar uma recessão económica global? Sim, na condição de que as contracções económicas tenham preparado o terreno há anos atrás.

O dinheiro barato dos bancos centrais e biliões de dólares em subsídios estatais podem apenas mitigar os efeitos da crise; eles não combatem a causa da recessão, como o prova esta "pandemia". Estamos na presença de um choque económico da oferta de bens devido a um desequilíbrio na procura (turismo, transporte aéreo, imóveis) bastante comparável, pela sua intensidade, ao de 2008, apesar de ser de natureza diferente. A resposta monetária dos bancos centrais impôs-se imediatamente: os cortes na taxa básica de juros (“prime rate”) não são efectuados senão para conter o colapso dos mercados de acções especulativos. O Fed - um sinal de pessimismo a longo prazo - surpreendeu na terça-feira ao reduzir a sua taxa preferencial em 0,5% e programa uma baixa suplementar de 0,5% para meados de Março, como se o problema da economia globalizada fosse a insuficiência de crédito e a falta de capital de investimento. Muito pelo contrário, os mercados de acções e os investidores têm liquidez excessiva, o que alimenta especulações desenfreadas nos mercados de acções (essa é a razão da grotesca sobrevalorização dos activos fragilizados). O Fed está a disparar as suas últimas munições, assim como o BCE e o Banco do Canadá, e eles não terão margem se a crise piorar. Mas é preciso entender que os bancos centrais não têm outra escolha. Eles só podem continuar a emitir dinheiro e a facilitar o crédito se quiserem atrasar o inevitável colapso da economia financeira globalizada. Então, na quinta-feira, 12 de Março, o Fed não encontrou nada melhor do que um stock de 2 triliões de dólares em créditos indesejados e o BCE desvalorizou 120 biliões de euros em mercados em queda.

Os bancos compensam pelo crédito fácil e barato a queda do poder de compra do proletariado e a estagnação dos gastos dos estados sobre-endividados há vários anos. Como o colapso da massa monetária global - e do consumo no fim - faz parte da evolução demográfica planetária, escusado será dizer que a economia capitalista mundial está a caminhar directamente para uma desvalorização drástica da maioria das moedas – o que os financeiros antecipam comprando todo o ouro disponível. (8)
 Os banqueiros centrais devolvem a bola aos governos pedindo-lhes que usem a arma orçamental para aumentar o consumo, mas isso só é possível para a Alemanha, a Holanda, a China, a Rússia e o Canadá, países com uma balança comercial favorável, isso não é possível para estados hiper endividados como a França, o Reino Unido e o seu ridículo Brexit, a Itália e a  Espanha perdidos nos caminhos da Grécia, Japão ou Estados Unidos enrolados nas suas dívida (22.000 biliões de dólares). Vivemos num mundo em que as dívidas (incluindo derivativos bancários) representam 1,5 milhão de biliões de dólares, é impossível pagar uma tal hipoteca planetária.
O sector bancário já foi atingido com toda a força: Societe Generale, Crédit Agricole e BNP Paribas acusam baixas de 30% desde o início do ano. O desemprego parcial fez a sua aparição em muitos países paralisados. As falências se multiplicar-se-ão. A única maneira de sair temporariamente deste imbróglio foi como no passado um enorme alívio quantitativo (QE) da criação monetária e de empréstimos bancários. Será o início da hiperinflação e da perda de confiança na moeda, em antecipação de uma desvalorização drástica da maioria das moedas que reduzirá o consumo, a poupança (fundos de pensão) e a produção (desemprego e queda no consumo). Será a espiral da grande depressão que terá começado. Uma espiral descendente numa economia estagnada e clientes que não compram mais (nenhum pedido para a Airbus em Fevereiro, o que a Boeing havia experimentado em Novembro). A recessão já havia começado antes da crise do Coronavírus.

A origem da crise económica acelerada pela crise sanitária
Os capitalistas, funcionários do grande capital, teriam construído intencionalmente as situações de crises sociais e económicas que nos afligem, reivindicam os esquerdistas e os direitistas histéricos.

Obviamente que não. Esse é o fundamento ingénuo do socialismo utópico que se transformou em "conspiração" nos últimos anos. É mais simples e mais mecânico. O modo de produção capitalista é real - concreto - pragmático e materialista e é governado por leis imutáveis ​​- inevitáveis. Essas leis estão em acção através das classes sociais em luta, causando contradições antagónicas entre o desenvolvimento das forças produtivas sociais e a adaptação das relações sociais de produção.

Eis o mecanismo que causa as crises económicas primeiro, e depois as crises sociais. O segundo é a consequência do primeiro (e nunca o oposto).

Exemplo um: a crise económica, que é permanente sob capitalismo no estágio imperialista, atingiu o proletariado francês que, por ocasião do enésimo aumento dos impostos sobre a gasolina, desencadeou a crise social dos Coletes amarelos.
 Exemplo dois: a crise económica, que é permanente sob o capitalismo no estágio imperialista, provoca a desvalorização do dinheiro e, portanto, da poupança dos proletários (fundos de pensão em particular) que, por ocasião de uma tentativa de nacionalização-estatização-expropriação dos planos de pensão provocou a grande greve dos trabalhadores franceses
 Exemplo três: A crise económica, que é permanente sob o capitalismo no estágio imperialista, atingiu o poder de compra das populações de todo o mundo, que durante a enésima pandemia desencadeou a crise social do coronavírus, que numa reviravolta acelerou o colapso do mercado de acções há muito preparado.

O FED americana, quinta-feira, 12 de Março, durante o terceiro crash consecutivo num mês, não encontrou nada melhor do que reeditar velhas medidas financeiras desgastadas que já demonstraram a sua ineficácia: queda de 0,5 pontos da " taxa básica " (“prime rate”) e injecção de 2 triliões de dólares em dinheiro falso - crédito de pacotilha num mercado bolsista já cheio de" valores-activos " sem valor. As condições para o próximo crash bolsista estão agora consolidadas e o Coronavírus não terá nada a ver com isso, excepto expor a incapacidade deste sistema económico em estancar a crise económica sistémica.

Do lado do Império chinês
Na China, o reinício é difícil e 55% das PME chinesas ainda estão encerradas. A consequência directa de uma catástrofe sanitária é o confinamento  inevitável, que leva a um menor consumo e a uma depressão económica duradoura. A OCDE está a ajustar por baixo as taxas de crescimento global. Mas o mais preocupante, para além do colapso das bolsas, um sinal do crash que está para vir, é que a taxa de títulos do Tesouro dos EUA a 10 anos caiu abaixo da, inimaginável, taxa de 0,7% ! A compra de títulos obrigacionistas corresponde a uma fuga do mercado de acções para a segurança. É uma reversão da curva de juros, anunciadora de uma depressão económica global e de desemprego.

"Apesar da correcção em curso, as acções ainda são tão caras quanto em 2000, no auge da bolha da Internet. Portanto, a queda deve continuar como em 1929, 2000 e 2008. Os títulos com taxas negativas atingiram a cifra de 14.000 biliões de dólares, incluindo 3.700 biliões em títulos do governo, e as reservas de ouro dos ETFs subiram para 2.700 toneladas. O Goldman Sachs vê o ouro a 1.850 dólares a onça. (9)

O coronavírus fez sair do seu esconderijo o monstro escondido neste sistema de pacotilha. Os bancos centrais e os governos não podem fazer nada contra ele em economias sob respiração artificial que não têm mais nada, hoje, que pedaços de corda, sujeitas às leis imutáveis ​​da economia política capitalista. Como evoluirá a chamada pandemia, com que impacto económico a longo do tempo? O pior não é certo, mas muito provável. Seria bom que este ciclo de crescimento económico artificial (virtual e irreal), de onze anos de aumento do mercado de acções, tivesse o seu término de uma maneira ou de outra. Uma certeza, no entanto, a classe trabalhadora está condenada a partir os potes que não quebrou.  Conservou o  seu colete amarelo? (10)




Notas

1.       Uma falsa pandemia : https://les7duquebec.net/archives/252969
3.       Os cambistas avaliam as perdas bolsistas em 4.000 biliões de euros de activos entre 1 de Fevereiro e 9 de Março. https://www.lesechos.fr/finance-marches/marches-financiers/coronavirus-les-bourses-europeennes-au-bord-du-krach-1183136
4.       Alguns exemplos ? Paris perdia 11,94%, Frankfort 12,44%, Londres  11,12%... e mesmo nos Estados Unidos, onde o vírus se começa a fazer sentir, as perdas da semana eram superiores a 10% para os três índices principais: o Dow Jones, o S&P 500 e o Nasdaq. Ninguém está protegido: a acção de Alphabet, por exemplo, passou de 1.524 dólares para 1.339 dólares numa semana. https://www.youtube.com/watch?v=NIXaOzChbpY
7.       Colapso orgânico da oferta da massa monetária, que se pode ser resumir da seguinte forma: "Em termos simples, no nosso sistema bancário de reservas fraccionárias, a maior parte do" dinheiro "da economia é gerada por uma quantidade crescente de empréstimos.  Mas os dados são claros: aqueles que tomam novos empréstimos (criam dinheiro novo) estarão em declínio indefinido, enquanto aproximadamente iguais e opostos, aqueles que reembolsam ou vendem empréstimos existentes (portanto destroem dinheiro existente) tomarão o seu lugar. https://les7duquebec.net/archives/252890
8.       A baixa insensata das taxas de juro : https://les7duquebec.net/archives/253151
9.     Autópsia do Movimento dos Coletes amarelos (2019) https://les7duquebec.net/archives/253109













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