segunda-feira, 17 de agosto de 2020

A luta anti-colonialista dos Palestinianos refém do islamismo







Por Khider Mesloub.        
A nossa época está cercada por todos os lados por forças reaccionárias. Seja expressa na forma religiosa, nacional, racial ou étnico-linguística, a reacção está em ascensão. Entre os movimentos retrógrados mais exigentes, vingativos e activos que surgiram no cenário internacional nas últimas décadas, o islamismo ocupa o topo do pódio no ranking das forças obscurantistas. A ideologia islâmica arcaica começou a agitar-se freneticamente como uma besta ferida à medida que as sociedades semi-feudais e semi-coloniais dos países muçulmanos eram abaladas nos seus alicerces. Numa época em que a sua base social estava a desgastar-se, graças à introdução de novas estruturas económicas, sociais, políticas e ideológicas. Noutras palavras, graças à transformação da sua formação social e económica, à implantação do capitalismo, à embrionária modernização dessas regiões.

Entretanto, a ascensão do islamismo nos países muçulmanos também foi impulsionada e favorecida pela dominação imperialista, pela multiplicação dos conflitos transplantados nesses países pelas potências capitalistas na luta pelo controle dessas regiões estratégicas e petrolíferas. Essas tensões imperialistas foram particularmente exacerbadas e acentuadas após o desaparecimento da URSS. Na verdade, na sequência do colapso do bloco soviético, a necessidade de reeditar o mapa geo-estratégico do mundo surgiu com acuidade e convidada com brutalidade.

 De maneira insistente, todo o mundo apoia, inclusive os chamados especialistas, que o movimento islâmico é o resultado da radicalização da religião islâmica. Esta é uma explicação puramente idealista do fenómeno islâmico. Uma coisa é certa: não é a consciência que determina o ser, é o ser social que determina a consciência. Noutras palavras, a mente não guia o mundo. São as condições sócio-económicas que marcam o desenvolvimento de uma sociedade. Como prova, esse fenómeno dos movimentos islâmicos surge numa fase de dominação mundial capitalista corroída pela decadência. Não surgiu durante o seu período de crescimento glorioso ou em qualquer período anterior da história. A nossa era decadente favorece todos os desvios sociais e reacções políticas, todas as formas de violência com conotações criminais, sexuais, políticas ou religiosas. E o islamismo faz parte dessa fase de degeneração do sistema capitalista.

De facto, nas suas manifestações arcaicas, o islamismo expressa fenomenologicamente apenas a forma e não a substância da oposição que essa corrente representa. Na sua expressão política, a reacção islâmica fundamentalista é a forma definitiva que a resistência nacionalista chauvinista assumiu nesses países economicamente e industrialmente atrasados, que enfrentam uma profunda crise sistémica, que ainda está a meio de uma transição histórica entre o velho mundo feudal, que sofre para morrer e o novo modo de produção capitalista cujos regimes nascerão plenamente. Na verdade, o islamismo, expressão religiosa de uma luta na realidade política, reflecte a resistência desse mundo antigo, produto do modo de produção feudal arcaico, à pressão do modo de produção capitalista conquistador, ele próprio forjado por contradições sociais e uma crise económica sistémica.

De forma similar, nos países ocidentais avançados em termos de forças produtivas e meios de produção, a enfrentar a crise económica sistémica, assistimos ao surgimento de um nacionalismo patriótico chauvinista, expresso na forma de populismo.

Estas duas ideologias superficialmente rivais e virais (fundamentalismo islâmico versus fundamentalismo de extrema direita) estão de facto a travar a mesma luta de retaguarda num cenário de crise económica estrutural do capitalismo. O fundamentalismo de extrema direita está a crescer em todos os países do mundo, nos Estados Unidos, na Europa e, particularmente, em Israel.

É nesta perspectiva de decadência do sistema capitalista mundial, vector dos extremismos religiosos e populistas, que devemos, em geral, situar a doença crónica do mundo árabe afectado pela propagação pestilenta do islamismo. E, como corolário, a profunda crise de luta do povo palestino, poluído simultaneamente pelo radicalismo islâmico e abandonado por todo o mundo, principalmente pela Arábia Saudita e pela maioria dos países árabes, oficialmente aliados do sionismo.

De maneira geral, o desvio histérico identitário e a implantação do terrorismo religioso, nas suas versões islâmica e judaica (parcialmente cristã circunscrita à América), caracterizam o nosso tempo afligido por abandonos multifacetados.

 Na verdade, o projecto de emancipação social queimou os seus navios, o mundo, varrido por vários naufrágios económicos, nas garras das tempestades guerreiras, dos afogamentos sociais, do tsunami do desemprego endémico, das pandemias virais letais, do suicídio colectivo do da moral completamente à deriva, o mundo navega então à vista, sem um capitão virtuoso salvador ao leme, sem uma bússola política libertadora, sem a promessa de acostar um dia a um porto seguro, graças a um sobressalto revolucionário. Por todo o lado, em muitos países, as duas formas de expressão reaccionária populista (identitárias)  e religiosa (islamitas) prendem numa tenaz as populações submetidas às suas influências ideológicas nocivas.

Para voltar à Palestina, temos que enfrentar os factos: a Palestina não está perto de obter a sua verdadeira independência proletária. Por culpa dos árabes, em particular, e dos muçulmanos em geral, a causa palestina está desacreditada, desqualificada, enganada. A causa palestina, um problema colonial em essência, foi metamorfoseada numa guerra de religião entre judeus e muçulmanos, numa luta intra-étnica (entre a mesma população semita dilacerada apenas por dissensão religiosa, de acordo com a opinião agora comummente aceite). A causa palestina perdeu o seu carácter político revolucionário - recuperada pela burguesia mundial, incluindo árabe e palestina.

Indubitavelmente, nos últimos trinta anos, graças à expansão do islamismo, a questão palestina foi completamente engolida por essas entidades islâmicas reaccionárias. Diluiu-se  numa luta religiosa. De um problema colonial internacional, a questão palestina, por culpa dos islâmicos, foi fundamentalmente enganada, transformada numa guerra sectária entre muçulmanos e judeus. Assim, aos olhos da opinião pública internacional, perdeu o seu carácter político, a sua matriz colonialista. Os árabes, em particular, e os muçulmanos em geral, são responsáveis ​​por este descontentamento no apoio público ao povo palestino, ainda vítima da ocupação colonial pelos sionistas. A esse respeito, é importante lembrar que 95% dos sionistas convictos do mundo não são judeus. Ironia da história, há pouco tempo atrás, até a década de 1980, na era progressista da luta anti-imperialista e anti-capitalista, antes do surgimento dos movimentos islâmicos, a causa palestina foi elevada às nuvens.

Ela constituía o bilhete de entrada para o envolvimento político. Todos os partidos de esquerda, socialistas e comunistas, eram pró-palestinos. Mesmo dentro dos partidos políticos de direita, havia simpatia pela causa palestina. Pode-se dizer que a maioria da população mundial apoiou a causa palestina.

Hoje, nas últimas décadas, a situação mudou: a ideologia árabe-islâmica distorceu essa luta anti-colonial dos palestinos. Isso minou a causa palestina. Reduziu a questão colonial palestina a uma luta religiosa islâmica. Prestando assim um serviço a Israel, esta entidade sionista racista baseada na religião. Portanto, aos olhos da opinião pública internacional, o "conflito israelo-palestino" agora é de carácter religioso. É parte de um conflito sectário entre judeus e muçulmanos, um "cisma religioso secular", uma "controvérsia teológica", uma "disputa de campanário". A dimensão colonial do conflito territorial está totalmente obscurecida, escondida, eclipsada. A partir de agora, o “problema palestino” é entendido com “lentes religiosas”. Além disso, é apreendido como mais uma guerra de religião numa religião historicamente ensanguentada por conflitos confessionais.

Como resultado, devido ao descrédito do mundo árabe, poluído pelo islamismo, confrontado com o terrorismo massivo e assassino, oprimido por guerras sanguinárias, acusado (com ou sem razão) de espalhar o terrorismo por todo o mundo, a opinião pública internacional, por causa da transformação da questão colonial palestina num conflito religioso, afastou-se da causa palestina. Para a opinião internacional, o "conflito israelo-palestino" não constitui um problema de expropriação de terras palestinas, ocupação territorial, deslocamento da população palestina, mas uma guerra religiosa entre judeus e muçulmanos. (sic)

Por consequência,, não é surpreendente que a maioria da opinião pública internacional, potenciada pela propaganda sionista, tenha acabado por se unir à causa de Israel, erigido como vítima - nesta guerra de religião onde o único país judeu, cercado por países islâmicos declarados inimigos de Israel, é atacado (sic) - e, por extensão, acaba por aderir ao sionismo.

É neste contexto que devemos situar a manipulação operada pelos sionistas sobre a amálgama entre o anti-sionismo e o anti-semitismo, agora impresso nas consciências. Na verdade, é sabiamente que o sionismo explora essa distorção do projecto de luta anti-colonial do povo palestino para assimilá-lo ao anti-semitismo. Principalmente quando a luta é travada por não palestinos, especialmente muçulmanos, imediatamente acusados ​​de anti-semitismo. A redução da luta do povo palestino, despojado das suas terras, vítima da ocupação colonial, a um conflito inter-religioso entre muçulmanos e judeus favoreceu muito esta maquinação sionista, orquestrada em particular na França, onde o anti-sionismo está em processo de criminalização pela sua assimilação a uma forma de anti-semitismo, na extensão da definição de anti-semitismo da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA), endossada por vários países e defendida por Emmanuel Macron perante o Conselho Representativo de Instituições Judaicas de França (CRIF).

Nesse sentido, no que concerne a França, uma etapa importante foi franqueada na terça-feira, 3 de Dezembro de 2019, com a votação na Assembleia Nacional de uma resolução, entregue pelo deputado da La République En Marche (LREM) Sylvain Maillard, e apoiado pelo governo, equiparando qualquer crítica ao Estado de Israel ao anti-semitismo. A partir de agora em França, com a lei de 3 de Dezembro de 2019, o anti-sionismo é caracterizado como uma forma de anti-semitismo. (sic)

Não foi o poder do lobby sionista que permitiu que esta resolução fosse votada, mas o enfraquecimento da causa palestina, engolida pelos movimentos islâmicos. Como resultado, o lobby sionista, apoiado pelos islâmicos, conseguiu espalhar o papão do anti-semitismo para melhor subverter a luta anti-sionista, para estigmatizar o anti-sionismo. Por meio de uma forma de reversão acusatória, os sionistas tornam-se as vítimas. A sua lei, feita à medida e na desproporção da sua dominação ideológica imperialista de consciências infelizes obrigadas a submeter-se à impostura e à infâmia, permite a partir de agora criminalizar qualquer crítica ao sionismo.

  De maneira mais geral, não basta castigar os islâmicos. Os líderes palestinos também são responsáveis ​​por essa deriva, culpados pela desintegração da causa palestina. Certamente, observando o compromisso dos principais representantes oficiais palestinos, o presidente Mahmoud Abbas na liderança, com a entidade sionista, país teocrático e racista, entenderemos melhor as razões deste descontentamento com a causa palestina. Na realidade, a causa palestina sempre constituiu um simples trampolim político para os líderes burgueses palestinos, interessados ​​apenas nas sinecuras e nas prebendas relativas às funções do poder; e um instrumento de manipulação ideológica para todos os governantes de países árabes e muçulmanos, a fim de distrair as suas respectivas populações de problemas sócio-económicos e políticos internos. Todos esses governantes, servos do imperialismo, depois de terem trabalhado implicitamente por décadas pela perpetuação da ocupação da Palestina, para melhor perpetuar a sua manutenção no poder pela instrumentalização, entre outras coisas, da questão palestina, hoje, decidiram explicitamente aliar-se a Israel pela sua ajuda numa tentativa mal sucedida de salvar o seu regime vacilante, contestado por movimentos de protesto recorrentes.

Em última análise, o islamismo é o melhor suporte para o Estado de Israel, devido à sua aliança e conivência com o imperialismo; e o melhor garante da preservação das estruturas retrógradas tradicionais dos países árabes, países que de outra forma seriam incapazes de competir com a alta tecnologia israelita (Ocidental-Americana) e a superioridade militar sionista. Além disso, o islamismo considera todo o judeu um sionista. Ora, é exactamente nisso que o sionismo pretende fazer acreditar. Assim, o islamismo fortalece ainda mais a sua aliança objectiva com o sionismo. Na verdade, sionismo e islamismo, nas últimas décadas, tornaram-se dois lados do mesmo movimento reaccionário que se complementam, se aliam mutuamente.

Incontestavelmente, o descrédito e o eclipse da causa palestina (fomentado pela ideologia islâmica reaccionária) inscrevem-se globalmente no declínio do combate progressista internacionalista, o refluxo global da luta da classe operária, a regressão da consciência de classe, a substituição dos membros da classe social pela identidade religiosa, o desenvolvimento do comunitarismo, o surgimento das lutas tribais étnico-linguísticas, o desaparecimento dos partidos revolucionários, a bastardização do marxismo, numa palavra no colapso do projecto de emancipação humana.
   
Somente a retoma da luta radical do movimento operário internacional, dos povos oprimidos, numa palavra do proletariado mundial, numa perspectiva de ruptura com o capitalismo, poderá devolver as suas cartas de nobreza à luta do povo palestino, um combate conduzido na óptica anti-capitalista e anti-colonialista contra a entidade sionista (e não contra os judeus) e contra a burguesia árabe e palestina, longe das escórias religiosas islâmicas e das ideologias nacionalistas chauvinistas e reaccionárias.

Mesloub Khider  

 

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