Por Khider
Mesloub.
A nossa época está
cercada por todos os lados por forças reaccionárias. Seja expressa na forma
religiosa, nacional, racial ou étnico-linguística, a reacção está em ascensão.
Entre os movimentos retrógrados mais exigentes, vingativos e activos que
surgiram no cenário internacional nas últimas décadas, o islamismo ocupa o topo
do pódio no ranking das forças obscurantistas. A ideologia islâmica arcaica começou a agitar-se freneticamente
como uma besta ferida à medida que as sociedades semi-feudais e semi-coloniais
dos países muçulmanos eram abaladas nos seus alicerces. Numa época em que a sua
base social estava a desgastar-se, graças à introdução de novas estruturas
económicas, sociais, políticas e ideológicas. Noutras palavras, graças à
transformação da sua formação social e económica, à implantação do capitalismo,
à embrionária modernização dessas regiões.
Entretanto, a
ascensão do islamismo nos países muçulmanos também foi impulsionada e
favorecida pela dominação imperialista, pela multiplicação dos conflitos
transplantados nesses países pelas potências capitalistas na luta pelo controle
dessas regiões estratégicas e petrolíferas. Essas tensões imperialistas foram
particularmente exacerbadas e acentuadas após o desaparecimento da URSS. Na
verdade, na sequência do colapso do bloco soviético, a necessidade de reeditar
o mapa geo-estratégico do mundo surgiu com acuidade e convidada com brutalidade.
De maneira insistente, todo o mundo apoia, inclusive
os chamados especialistas, que o movimento
islâmico é o resultado da radicalização da religião islâmica. Esta é uma
explicação puramente idealista do fenómeno islâmico. Uma coisa é certa: não é a
consciência que determina o ser, é o ser
social que determina a consciência. Noutras palavras, a mente não guia o
mundo. São as condições sócio-económicas que marcam o desenvolvimento de uma sociedade.
Como prova, esse fenómeno dos movimentos islâmicos surge numa fase de dominação
mundial capitalista corroída pela decadência. Não surgiu durante o seu período
de crescimento glorioso ou em qualquer período anterior da história. A nossa era decadente favorece todos os
desvios sociais e reacções políticas, todas as formas de violência com
conotações criminais, sexuais, políticas ou religiosas. E o islamismo faz parte
dessa fase de degeneração do sistema capitalista.
De facto, nas suas manifestações arcaicas, o islamismo
expressa fenomenologicamente apenas a forma e não a substância da oposição que
essa corrente representa. Na sua expressão política, a reacção islâmica
fundamentalista é a forma definitiva que a resistência nacionalista chauvinista
assumiu nesses países economicamente e industrialmente atrasados, que enfrentam
uma profunda crise sistémica, que ainda está a meio de uma transição histórica
entre o velho mundo feudal, que sofre para morrer e o novo modo de produção
capitalista cujos regimes nascerão plenamente. Na verdade, o islamismo, expressão
religiosa de uma luta na realidade política, reflecte a resistência desse mundo
antigo, produto do modo de produção feudal arcaico, à pressão do modo de
produção capitalista conquistador, ele próprio forjado por contradições sociais
e uma crise económica sistémica.
De forma similar, nos países ocidentais avançados em termos
de forças produtivas e meios de produção, a enfrentar a crise económica sistémica,
assistimos ao surgimento de um nacionalismo patriótico chauvinista, expresso na
forma de populismo.
Estas duas ideologias superficialmente rivais e virais
(fundamentalismo islâmico versus fundamentalismo de extrema direita) estão de
facto a travar a mesma luta de retaguarda num cenário de crise económica
estrutural do capitalismo. O fundamentalismo de extrema direita está a crescer
em todos os países do mundo, nos Estados Unidos, na Europa e, particularmente,
em Israel.
É nesta perspectiva de decadência do sistema capitalista
mundial, vector dos extremismos religiosos e populistas, que devemos, em geral,
situar a doença crónica do mundo árabe afectado pela propagação pestilenta do
islamismo. E, como corolário, a profunda crise de luta do povo palestino, poluído
simultaneamente pelo radicalismo islâmico e abandonado por todo o mundo,
principalmente pela Arábia Saudita e pela maioria dos países árabes,
oficialmente aliados do sionismo.
De maneira geral, o desvio histérico identitário e a implantação
do terrorismo religioso, nas suas versões islâmica e judaica (parcialmente
cristã circunscrita à América), caracterizam o nosso tempo afligido por
abandonos multifacetados.
Na verdade, o projecto de emancipação social queimou os
seus navios, o mundo, varrido por vários naufrágios económicos, nas garras das
tempestades guerreiras, dos afogamentos sociais, do tsunami do desemprego endémico,
das pandemias virais letais, do suicídio colectivo do da moral completamente à
deriva, o mundo navega então à vista, sem um capitão virtuoso salvador ao leme,
sem uma bússola política libertadora, sem a promessa de acostar um dia a um
porto seguro, graças a um sobressalto revolucionário. Por todo o lado, em
muitos países, as duas formas de expressão reaccionária populista (identitárias) e religiosa (islamitas) prendem numa tenaz as
populações submetidas às suas influências ideológicas nocivas.
Para voltar à Palestina, temos que enfrentar os factos: a
Palestina não está perto de obter a sua verdadeira independência proletária.
Por culpa dos árabes, em particular, e dos muçulmanos em geral, a causa
palestina está desacreditada, desqualificada, enganada. A causa palestina, um
problema colonial em essência, foi metamorfoseada numa guerra de religião entre
judeus e muçulmanos, numa luta intra-étnica (entre a mesma população semita
dilacerada apenas por dissensão religiosa, de acordo com a opinião agora
comummente aceite). A causa palestina perdeu o seu carácter político
revolucionário - recuperada pela burguesia mundial, incluindo árabe e
palestina.
Indubitavelmente, nos últimos trinta anos, graças à expansão
do islamismo, a questão palestina foi completamente engolida por essas
entidades islâmicas reaccionárias. Diluiu-se numa luta religiosa. De um problema colonial
internacional, a questão palestina, por culpa dos islâmicos, foi fundamentalmente
enganada, transformada numa guerra sectária entre muçulmanos e judeus. Assim,
aos olhos da opinião pública internacional, perdeu o seu carácter político, a sua
matriz colonialista. Os árabes, em particular, e os muçulmanos em geral, são
responsáveis por este descontentamento no apoio público ao povo palestino,
ainda vítima da ocupação colonial pelos sionistas. A esse respeito, é
importante lembrar que 95% dos sionistas convictos do mundo não são judeus.
Ironia da história, há pouco tempo atrás, até a década de 1980, na era
progressista da luta anti-imperialista e anti-capitalista, antes do surgimento
dos movimentos islâmicos, a causa palestina foi elevada às nuvens.
Ela
constituía o bilhete de entrada para o envolvimento político. Todos os partidos
de esquerda, socialistas e comunistas, eram pró-palestinos. Mesmo dentro dos
partidos políticos de direita, havia simpatia pela causa palestina. Pode-se dizer
que a maioria da população mundial apoiou a causa palestina.
Hoje, nas últimas décadas, a situação mudou: a ideologia
árabe-islâmica distorceu essa luta anti-colonial dos palestinos. Isso minou a
causa palestina. Reduziu a questão colonial palestina a uma luta religiosa
islâmica. Prestando assim um serviço a Israel, esta entidade sionista racista
baseada na religião. Portanto, aos olhos da opinião pública internacional, o
"conflito israelo-palestino" agora é de carácter religioso. É parte
de um conflito sectário entre judeus e muçulmanos, um "cisma religioso
secular", uma "controvérsia teológica", uma "disputa de
campanário". A dimensão colonial do conflito territorial está totalmente
obscurecida, escondida, eclipsada. A partir de agora, o “problema palestino” é
entendido com “lentes religiosas”. Além disso, é apreendido como mais uma guerra
de religião numa religião historicamente ensanguentada por conflitos
confessionais.
Como resultado,
devido ao descrédito do mundo árabe, poluído pelo islamismo, confrontado com o terrorismo
massivo e assassino, oprimido por guerras sanguinárias, acusado (com ou sem
razão) de espalhar o terrorismo por todo o mundo, a opinião pública
internacional, por causa da
transformação da questão colonial palestina num conflito religioso, afastou-se
da causa palestina. Para a opinião internacional, o "conflito israelo-palestino"
não constitui um problema de expropriação de terras palestinas, ocupação
territorial, deslocamento da população palestina, mas uma guerra religiosa
entre judeus e muçulmanos. (sic)
Por consequência,, não é surpreendente que a maioria da
opinião pública internacional, potenciada pela propaganda sionista, tenha
acabado por se unir à causa de Israel, erigido como vítima - nesta guerra de
religião onde o único país judeu, cercado por países islâmicos declarados
inimigos de Israel, é atacado (sic) - e, por extensão, acaba por aderir ao
sionismo.
É neste contexto que devemos situar a manipulação operada
pelos sionistas sobre a amálgama entre o anti-sionismo e o anti-semitismo, agora
impresso nas consciências. Na verdade, é sabiamente que o sionismo explora essa
distorção do projecto de luta anti-colonial
do povo palestino para assimilá-lo ao anti-semitismo. Principalmente quando
a luta é travada por não palestinos, especialmente muçulmanos, imediatamente
acusados de anti-semitismo. A redução
da luta do povo palestino, despojado das suas terras, vítima da ocupação
colonial, a um conflito inter-religioso entre muçulmanos e judeus favoreceu
muito esta maquinação sionista, orquestrada em particular na França, onde o
anti-sionismo está em processo de criminalização pela sua assimilação a uma
forma de anti-semitismo, na extensão da definição de anti-semitismo da Aliança
Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA), endossada por vários países
e defendida por Emmanuel Macron perante o Conselho Representativo de Instituições
Judaicas de França (CRIF).
Nesse sentido, no que concerne a França, uma etapa importante foi franqueada na
terça-feira, 3 de Dezembro de 2019, com a votação na Assembleia Nacional de uma
resolução, entregue pelo deputado da La République En Marche (LREM) Sylvain
Maillard, e apoiado pelo governo, equiparando
qualquer crítica ao Estado de Israel ao anti-semitismo. A partir de
agora em França, com a lei de 3 de Dezembro de 2019, o anti-sionismo é
caracterizado como uma forma de anti-semitismo. (sic)
Não foi o poder do lobby sionista que permitiu que esta
resolução fosse votada, mas o enfraquecimento da causa palestina, engolida
pelos movimentos islâmicos. Como resultado, o lobby sionista, apoiado pelos
islâmicos, conseguiu espalhar o papão do anti-semitismo para melhor subverter a
luta anti-sionista, para estigmatizar o anti-sionismo. Por meio de uma forma de
reversão acusatória, os sionistas tornam-se as vítimas. A sua lei, feita à
medida e na desproporção da sua dominação ideológica imperialista de consciências
infelizes obrigadas a submeter-se à impostura e à infâmia, permite a partir de
agora criminalizar qualquer crítica ao sionismo.
De
maneira mais geral, não basta castigar os islâmicos. Os líderes palestinos também
são responsáveis por essa deriva, culpados pela desintegração da causa
palestina. Certamente, observando o compromisso dos principais representantes
oficiais palestinos, o presidente Mahmoud Abbas na liderança, com a entidade sionista, país teocrático e
racista, entenderemos melhor as razões deste descontentamento com a causa
palestina. Na realidade, a causa
palestina sempre constituiu um simples trampolim político para os líderes
burgueses palestinos, interessados apenas nas sinecuras e nas prebendas
relativas às funções do poder; e um instrumento de manipulação ideológica para
todos os governantes de países árabes e muçulmanos, a fim de distrair as suas
respectivas populações de problemas sócio-económicos e políticos internos.
Todos esses governantes, servos do imperialismo, depois de terem trabalhado
implicitamente por décadas pela perpetuação da ocupação da Palestina, para
melhor perpetuar a sua manutenção no poder pela instrumentalização, entre
outras coisas, da questão palestina, hoje, decidiram explicitamente aliar-se a
Israel pela sua ajuda numa tentativa mal sucedida de salvar o seu regime
vacilante, contestado por movimentos de protesto recorrentes.
Em última análise, o
islamismo é o melhor suporte para o Estado de Israel, devido à sua aliança
e conivência com o imperialismo; e o melhor garante da preservação das
estruturas retrógradas tradicionais dos países árabes, países que de outra
forma seriam incapazes de competir com a alta tecnologia israelita (Ocidental-Americana)
e a superioridade militar sionista. Além disso, o islamismo considera todo o
judeu um sionista. Ora, é exactamente nisso que o sionismo pretende fazer
acreditar. Assim, o islamismo fortalece ainda mais a sua aliança objectiva com
o sionismo. Na verdade, sionismo e islamismo, nas últimas décadas, tornaram-se
dois lados do mesmo movimento reaccionário que se complementam, se aliam
mutuamente.
Incontestavelmente, o descrédito e o eclipse da causa
palestina (fomentado pela ideologia islâmica reaccionária) inscrevem-se globalmente no declínio do combate progressista internacionalista,
o refluxo global da luta da classe operária, a regressão da consciência de
classe, a substituição dos membros da classe social pela identidade religiosa,
o desenvolvimento do comunitarismo, o surgimento das lutas tribais étnico-linguísticas,
o desaparecimento dos partidos revolucionários, a bastardização do marxismo, numa
palavra no colapso do projecto de emancipação humana.
Somente a
retoma da luta radical do movimento operário internacional, dos povos
oprimidos, numa palavra do proletariado mundial, numa perspectiva de ruptura
com o capitalismo, poderá devolver as suas cartas
de nobreza à luta do povo palestino, um combate conduzido na óptica anti-capitalista
e anti-colonialista contra a entidade sionista (e não contra os judeus) e
contra a burguesia árabe e palestina, longe das escórias religiosas islâmicas e
das ideologias nacionalistas chauvinistas e reaccionárias.
Mesloub
Khider
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