quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Os bastidores não muito apelativos do CAC 40





RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com www.madaniya.info.
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A pandemia de Coronavírus trouxe actualidade a termos até agora desprezados, como renacionalização, realocação, retrocesso das privatizações e realocações massivas geradas pela Mundialização e seu duplo corolário, o consenso de Washington e o Consenso de Bruxelas.  Enquanto aguarda o advento deste novo mundo, https://www.madaniya.info/ submete à atenção dos seus leitores um panorama edificante do mundo financeiro francês.

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Os bastidores não muito apelativos do CAC 40

Por Olivier Vilain
Com a amável autorização da revista Golias

https://www.golias-editions.fr/golias-hebdo/

§  O número de transnacionais no mundo é de 70.000, que controlam quase 500.000 subsidiárias, que se envolvem numa exploração descomplexada. Elas monopolizam os recursos da terra e da água e geram poluição e desmatamento, minando os direitos dos trabalhadores e afectando os meios de subsistência de muitas comunidades.
Em França, a dívida pública ultrapassou 100% do PIB no final de Setembro de 2019, segundo o INSEE. Mais precisamente, ela representa 100,4% do produto interno bruto (PIB), ou 2.415 biliões de euros, 39,6 biliões acima do trimestre anterior.

Porém, 10% das famílias possuem metade da riqueza total, principalmente composta por bens imobiliários e activos financeiros. E o salário médio dos patrões do CAC 40 disparou.

A remuneração de um patrão do CAC 40 atingiu em média mais de 5 milhões de euros em 2017. Um aumento de 14% em relação a 2016. No topo do ranking está Bernard Charlès, CEO da Dassault Systèmes com um salário de 24,6 milhões de euros, de acordo com a Proxinvest. A empresa de consultoria e análise financeira francesa destaca a falta de conexão entre o aumento da remuneração dos CEOs e o desempenho das empresas no mercado de acções. De facto, 62% das empresas com desempenho abaixo da média viram os emolumentos dos seus dirigentes aumentar.

Também em França, as 40 multinacionais que compõem o CAC 40 agora representam mais de 1.300 biliões de euros de volume de negócios, mais de metade do PIB do país.

§  Os grandes grupos, originários de França, têm 16.000 subsidiárias no exterior, incluindo 2.500 em paraísos fiscais onde deslocalizam os seus lucros.
Duas organizações cidadãs - a associação Attac e o Observatório das multinacionais – publicaram, na primavera de 2019, um relatório sobre as contas das principais empresas francesas. Eles mostram que a política seguida destrói empregos e inflacciona lucros ... em pura perda para a sociedade.

Quatro números dão a ordem de grandeza do escândalo: + 9,3%, + 44%, -6,4%, -20%. Tradução: as empresas CAC 40 registaram lucros acumulados em alta de 9,3% em 2017, em comparação a 2010. Entre essas duas datas, os dividendos que pagaram aos accionistas subiram 44%, nada menos . As maiores empresas que operam em França estão, portanto, a acumular toneladas de dinheiro e os bolsos dos seus proprietários estão-se a encher como nunca antes.

No segundo trimestre de 2019, 57 biliões de euros foram pagos aos accionistas do CAC 40. Este número demonstra a extensão da riqueza criada pelos trabalhadores num momento em que as injustiças sociais, fiscais e territoriais se estão a acentuar.

No entanto, nem tudo está orientado para a alta. Os efectivos que esses grandes grupos empregam em França diminuíram nada menos do que 20%. Da mesma forma, o valor dos impostos que pagam foi 6,4% menor do que o valor pago em 2010.

Se os resultados económicos e financeiros são geralmente colocados à frente, os relatórios que esses grandes grupos publicam todos os anos no momento da assembleia geral não têm em consideração os impactos sociais, ambientais e democráticos das suas actividades. Os tópicos que irritam são encobertos, subestimados ou relegados para o estatuto da nota de rodapé.

E a Oxfam considerou que a lista de paraísos fiscais elaborada pela França está completamente fora do alvo, convidando-a a rectificá-la.

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1 – Uma falência social exorbitante

Esses números, secos e desapaixonados, são retirados de um relatório escrito pela associação Attac e pelo Observatório das multinacionais. Este resume "o verdadeiro balanço das empresas CAC 40 em termos de justiça social, justiça ecológica e justiça tributária". Ele lança uma luz crua e dura sobre as empresas, que o discurso público costuma apresentar como o epítome da inovação e como benfeitores da humanidade. "Muitas vezes apresentadas como as" bandeiras "da economia francesa, essas empresas continuam sendo promovidas e apoiadas, principalmente internacionalmente, pelas autoridades públicas", sublinham os autores do relatório.

Números que não é frequente alimentarem verdadeiramente o debate público. E, no entanto, eles explicam os "finais do mês que começam no dia 15" que denunciam os "coletes amarelos".
Eles explicam também as lutas que as mulheres da limpeza, geralmente de origem imigrante, acabam de travar em muitos hotéis e nas estações de comboios; bem como funcionários de lares de acolhimento para idosos dependentes (Ehpad) ou funcionários do hospital; desde o final de 2017, todos esses grupos de trabalhadores num momento ou outro travaram batalhas amargas (mais do que uma vez vitoriosas).

Para além do orçamento familiar, esses mesmos números mostram o mecanismo que está a secar as finanças públicas. Essas grandes empresas estão constantemente a pressionar para que os seus impostos sejam reduzidos.

“A chantagem da austeridade (...) e a acção predatória exercida sobre as finanças públicas pelos gigantes [da indústria e dos negócios] através da evasão fiscal traduzem-se em reduções de pessoal ou de recursos nas Ehpad, creches, serviços sociais ”, aos quais poderíamos acrescentar serviços hospitalares ou as áreas do ensino (Le Monde diplomatique, Janeiro de 2019).

Trata-se assim de uma declaração de fracasso. Os recursos das famílias são usados ​​para subsidiar maciçamente grandes empresas, através do CICE. Para impactos que ainda estão todavia por acontecer.

O desemprego permanece num nível recorde, mais de 5,6 milhões, todas as categorias combinadas. “O Comité de Acompanhamento do CICE, assim como o Instituto de Análise Económica de Matignon, o CAE, mostram que as margens das grandes empresas realmente melhoraram, mas que não há impacto desses 40 biliões de euros gastos anualmente com emprego e investimento ”, nota Dominique Plihon, economista, membro do Attac e coordenador do relatório.
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2 – Um enorme esbanjamento de recursos

Como evitar que os franceses estimem, quando questionados, que a economia não está bem e que o governo está a implementar políticas que não beneficiam a maioria da população? É por isso que, dentro do movimento muito heterogéneo dos “coletes amarelos” surgiu a exigência de um referendo de iniciativa cidadã:

Assim, graças a essa ferramenta, se o governo não quiser fazer a política que o povo pede, vamos aprovar as nossas próprias leis e o governo será obrigado a aplicá-las. “Certos grupos de Coletes Amarelos pedem à Attac que os ajude a formalizar as suas exigências, a apoiá-los nos estudos. Temos muito orgulho disso ”, relata Dominique Plihon.

Em França, as 40 multinacionais que compõem o CAC 40 já respondem por mais de 1.300 biliões de euros em volume de negócios, mais de metade do PIB do país. “Elas não são mais verdadeiramente francesas, dada a distribuição do seu capital”, enfatiza Dominique Plihon. A petrolífera Total e o banco BNP Paribas são detidos maioritariamente por accionistas estrangeiros. Esses actores globais obtêm lucros em cinco continentes, movimentam o seu capital e mudam-se constantemente para países com mão de obra de baixo custo”. Esses grandes grupos, originários de França, têm 16.000 subsidiárias no exterior, incluindo 2.500 em paraísos fiscais onde deslocalizam os seus lucros.

Além disso, os analistas que redigiram o relatório apontam para a falta de justiça climática ligada às emissões de CO2 dos locais mais poluentes do país, que aumentaram 5% em 2017. “Essas emissões, principalmente das empresas CAC 40 , escapam em grande medida à taxação de carbono? », sublinham eles.
A fim de reduzir o controle das multinacionais sobre as nossas vidas e o nosso futuro, e para restaurar mais direitos às populações e o poder regulador das autoridades públicas, a Attac e o Observatório das multinacionais estão a fazer várias propostas.
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3- Propostas para remediar problemas

A primeira proposta: limitar as disparidades salariais. Para maior justiça social, seria necessário limitar os diferenciais salariais (salários, bónus e remuneração de capital) dentro da mesma empresa, por exemplo, de 1 a 10, a fim de elevar a remuneração do trabalho.

A segunda proposta: desinvestir nos combustíveis fósseis. As falhas do mercado europeu de carbono devem levar a União Europeia a emitir 2 biliões de toneladas de CO2 a mais do que o prometido na COP 21. Para restaurar a justiça climática, a Attac e o Observatório das multinacionais propõem-se substituir o mercado europeu de carbono - "disfuncional, instável e especulativo" - por "um imposto de carbono verdadeiramente dissuasivo" sobre os locais industriais poluentes , acompanhado por regulamentações públicas que levem as empresas a desinvestir massivamente em combustíveis fósseis e os bancos e as seguradoras a não mais investir no sector.

Terceira proposta: tributação unitária das multinacionais. “Exigimos a obrigação de um relatório público, país a país, dos activos detidos pelas grandes empresas - especialmente em paraísos fiscais - e sua tributação de acordo com as regras da lei francesa”, escrevem os autores do relatório. Esta tributação unitária das multinacionais é apresentada como “o único método de combate eficaz à evasão fiscal”.

Devemos questionar a utilidade social, económica, ecológica e democrática dos 57,4 biliões de euros em dividendos pagos em 2018 aos seus accionistas pelas empresas CAC 40.

A título de comparação, anexou um panorama de “La Faim dans le Monde” (“A Fome no Mundo” - NdT).

De acordo com um relatório divulgado na segunda-feira, 15 de Julho de 2019 pelas Nações Unidas, a fome no mundo afectou 821,6 milhões de pessoas em 2018, contra 811 no ano anterior.

Após decénios de baixa, trata-se do terceiro ano consecutivo de alta da sub-nutrição, também designada por insegurança alimentar.
Após anos de baixa, a sub-nutrição não cessou de aumentar desde 2015. Em 2018, ela afectou 821,6 milhões de pessoas, indica o relatório anual das organizações das Nações Unidas. Uma em cada nove pessoas passa fome. Em causa, em particular: conflitos e aquecimento global.

A perspectiva de um mundo sem nenhuma pessoa em estado de sub-nutrição até 2030, que é uma das Metas do Desenvolvimento Sustentável fixadas para aquele prazo, é “um imenso desafio”, observa o relatório.

"Não vamos conseguir até 2030" esse objectivo, disse David Beasley, chefe do Programa alimentar Mundial (PMA), numa conferência na sede das Nações Unidas. “Sem segurança alimentar, nunca teremos paz e estabilidade”, alertou, destacando a interacção entre esses parâmetros. Onde quer que os grupos extremistas tenham influência, a fome é usada por eles como uma arma para dividir ou recrutar, alertou David Beasley.
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4 – 20% da população afectada em África

O relatório, elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, com a assistência do Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura, a Unicef, o PAM e a OMS, releva que a sub-alimentação continua a prevalecer em muitos continentes. Em África, afecta quase 20% da população; na Ásia, mais de 11%; na América Latina e no Caribe, menos de 7%.

Ao adicionar a essas pessoas famintas aquelas que são afectadas pela insegurança alimentar, as Nações Unidas estimam que mais de 2 biliões de habitantes do planeta, dos quais 8% vivem na América do Norte e na Europa, não têm regularmente acesso a alimentos saudáveis, nutritivos e suficientes.

Paradoxalmente, o relatório observa que o sobrepeso e a obesidade continuam a aumentar em todas as regiões, especialmente entre crianças em idade escolar e adultos. Em 2018, cerca de 40 milhões de crianças menores de cinco anos estavam acima do peso dessa forma. Em 2016, 131 milhões de crianças de 5 a 9 anos, 207 milhões de adolescentes e 2 biliões de adultos estavam com sobrepeso, de acordo com o relatório.
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5 – Situação alarmante no leste de África

Quase 256 milhões de africanos não tinham comida suficiente em 2018 e 676 milhões estão em situação de insegurança alimentar: eles não têm acesso regular a alimentos saudáveis ​​e equilibrados. Se todo o continente for afectado, a África Oriental é a região com a situação mais alarmante, com uma em cada três pessoas a sofrer de subnutrição.

Pelo terceiro ano consecutivo, os indicadores estão a deteriorar-se, alarma-se a ONU, a ponto de parecer cada vez mais difícil alcançar a meta de erradicação da fome até 2030. As causas dessa degradação são de três ordens: os conflitos, as mudanças climáticas e - a terceira causa estudada mais especificamente neste ano – as crises económicas e o aumento das desigualdades sociais.

O relatório mostra também que os países onde a fome mais aumenta não são os mais pobres, mas aqueles que estão fortemente dependentes das trocas externas.
A ONG Oxfam, que também publica um relatório sobre a fome, denuncia a enorme especialização de certos países, adeptos da monocultura, que os expõe às variações dos preços mundiais, reduzindo as terras disponíveis para as culturas agrícolas. Precisamente onde a ONU aponta o abandono das políticas sociais, as ONG denunciam as perversidades da mundialização.
 

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